Por
Américo Masset Lacombe
e Paulo Henrique dos S. Lucon*
Finalizado
o julgamento do chamado "mensalão", é a hora de tecermos algumas
considerações e tirarmos algumas lições dos fatos lamentáveis ocorridos em
consequência do episódio. Partiremos, no entanto, dos fundamentos da nossa
República.
Pluralismo
político, enumerado em nossa Constituição como um dos fundamentos da República
(artigo 1.º, V), é norma princípio, e não norma preceito (regra). Tem ampla
envergadura sistêmica e tipifica um valor que é fim em si mesmo.
Pluralismo
significa tolerância (convivência pacífica) não só com as diversidades (ideias
apenas diferentes), mas também com as divergências (ideias contrárias).
A
postura intelectual imediata diante das diversidades e divergências é a dúvida.
Penso, logo duvido. Este deve ser o lema dos que procuram conhecer.
Como
bem disse o filósofo Soren Kierkegaard, a filosofia começa pela dúvida, é
preciso ter duvidado para poder filosofar. Podemos acrescentar: é preciso
duvidar de toda informação recebida para podermos avaliar e valorar o que foi
passado pelo informante.
O
pluralismo terá, portanto, como base o relativismo político, o que significa a
impossibilidade de sobrepor valores éticos uns sobre os outros, desde que tais
valores estejam prestigiados na nossa Constituição. Seria, assim, inadmissível
a defesa do sacrifício humano como rito religioso, pois a Constituição (artigo
5.º caput) garante a inviolabilidade do direito à vida. Neste caso, não haveria
possibilidade de convivência pacífica com tal disparate. Mas, se dois
princípios constitucionais estão em confronto, a opção por um deles não pode
gerar animosidade dos que pensam de forma diferente.
A
decisão sobre qual princípio deve se sobrepor se passa no campo do valor, ou
seja, prevalece o axioma consagrado na Constituição mais adequado com os
anseios atuais de toda a Nação. Qualquer que seja a escolha, no entanto, não é
admissível o desrespeito à liberdade de expor pontos de vista diversos sobre um
determinado fato ou conjunto de fatos e muito menos manifestações de
animosidade.
Deve,
ainda, ser notado que o caput do artigo 5.º da Constituição garante o direito à
liberdade. Esta não é apenas a possibilidade de ir e vir. Trata-se de uma
liberdade muito mais ampla: a liberdade de pensar e de expressar o seu
pensamento. Como bem disse o ministro Ayres Britto, numa costumeira frase
poética, "a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade".
No entanto, de nada adiantará haver liberdade de expressão, se não houver
respeito pela opinião divergente.
Violam,
portanto, o pluralismo pessoas que não admitem a controvérsia, como temos visto
nos dias atuais. Inadmissível é, por exemplo, o comportamento de certas pessoas
ofendendo em público determinado ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Atitudes como essa fogem do Estado de Direito e da democracia e vêm somente a
demonstrar o quanto estamos longe daquilo que se pode considerar povo
civilizado.
Tais
pessoas certamente não leram os autos do chamado "mensalão". No
entanto, influenciadas por certa parcela expressiva da mídia, julgam-se
oniscientes e não admitem posições contrárias às suas.
Setores
expressivos da mídia, aliás, vêm se tornando cada vez mais totalitários, pois
acreditam em verdades absolutas, quais sejam, as notícias fáticas oriundas de
suas fontes de informações e que publicam como verdades incontestáveis. Têm a
crença em valores absolutos e beiram uma concepção absolutista do mundo.
Também
não lemos os autos do mensalão. Mas, exatamente por isso, não sabemos quais
votos estão certos e quais estão errados. Sabemos, no entanto, que o respeito
às diversas posições de todos os juízes é necessidade imperativa à nossa boa
convivência democrática.
A
democracia não se concretiza numa relação de belos princípios constantes de uma
Constituição. Além de uma Constituição democrática, é necessária a existência
do fato democrático, isto é, a vivência democrática, o que significa a
aplicação dos princípios consagrados na Constituição aos fatos da vida. Se tais
princípios não forem aplicados na prática do dia a dia, a realidade democrática
estará comprometida.
A
convivência com a diversidade, o respeito ao debate, e mesmo com a divergência,
tem como pressuposto a existência de outros, com os mesmos direitos que nós. Os
outros não são o inferno, conforme quer Sartre: são apenas componentes de uma
sociedade que, de acordo com a nossa Constituição federal, deve ser
igualitária, o que significa que todos têm o direito de manifestar a sua
opinião.
A
divergência é necessária e ilumina os caminhos a percorrer pela humanidade. No
Direito, assume proporções gigantescas porque permeia o Estado que desejamos.
Homenageamos, aqui, a divergência não somente no processo do mensalão, mas nos
inúmeros julgamentos que ocorrem diuturnamente no Brasil em que ela se
verifica.
Com
este breve ensaio, procura-se demonstrar a necessidade que a imensa maioria dos
brasileiros tem de se conscientizar de que a divergência não é um mal, mas um
benefício para a evolução do Estado Democrático de Direito.
Votar
contra toda a mídia ou grande parcela dela não significa erro nem acerto,
significa apenas que vivemos uma democracia e, como tal, devemos aceitar
diferentes visões e interpretações, tudo em prol da evolução da sociedade.
Manifestações de animosidade, especialmente contra julgadores, merecem todo
repúdio.
*
Respectivamente, advogado, membro da Comissão de Ética da Presidência da
República, foi juiz federal, desembargador federal e presidente do Tribunal
Federal da Terceira Região; e advogado, vice-presidente do Instituto dos
Advogados de São Paulo (IASP), é professor-doutor da Faculdade de Direito da
USP. Ambos foram juízes do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua visita foi muito importante. Faça um comentário que terei prazaer em responde-lo!
Abração
Dag Vulpi