Até alguns anos atrás, quando algum
estrangeiro decidia aprender português, de duas uma: ou tinha um relacionamento
amoroso com um brasileiro ou se interessava por algum aspecto da cultura do
País, como a música.
“O interesse dos estrangeiros era
raro e, em geral, não fugia muito disso”, disse à BBC Brasil a professora
Claudia Padoan, que, há mais de uma década, ensina português em Londres.
Nos últimos anos, universidades e
escolas de idiomas de diversos países têm registrado não só um aumento da
procura pelos cursos que ensinam o be-a-bá da língua de Camões mas também uma
mudança no perfil dos alunos.
“Saber português hoje é bom para o
currículo”, resume a brasileira Roberta Mallows, que ajudou a criar um
recém-lançado curso de língua portuguesa e cultura brasileira no King’s College
London e, antes disso, dava aulas de português na Suíça.
“Há muito mais gente tentando
aprender o idioma por questões pragmáticas e, em especial, para ampliar suas
oportunidades no mercado de trabalho e fazer negócios com o Brasil.”
Roberta nunca planejou ser professora
de português. Terminou no ramo ao perceber a enorme demanda do mercado. A
mudança na rotina de Claudia também dá a medida de como o entusiasmo com os
negócios com o Brasil ampliou o interesse pelo português mundo afora.
“Comecei dando aulas esporádicas,
para poucos alunos indicados por conhecidos enquanto trabalhava em uma
companhia aérea e como interprete”, conta. Hoje, ela tem seis turmas de
português que podem chegar a 12 estudantes. Dá aulas em duas escolas, em uma
agência contratada por empresas e em uma ONG, além de ter aluno particular. “A
grande virada ocorreu mesmo nos últimos dois anos”, diz.
Interesse
Desde 2008, o Português vem sendo
listado como um dos idiomas prioritários na pesquisa feita pela Confederação
Britânica da Indústria (CBI), maior lobby empresarial britânico, para
identificar quais habilidades dos trabalhadores podem ser úteis para os
negócios.
Entre as escolas que se
entusiasmaram com a nova demanda na Grã-Bretanha, estão a United International
College London, na qual Claudia trabalha. A escola abriu um curso de Português
há um ano e já matriculou 86 estudantes, segundo Javier Zamudio diretor da área
de línguas estrangeiras.
“Entre eles, há europeus de diversos
países e também alguns latino-americanos”, diz Zamudio, calculando que “cerca
de 95% dos alunos” estão interessados no português “do Brasil”.
O King’s College já tem cerca de 100
alunos aprendendo português e as aulas do curso que alia o ensino da língua a
lições sobre outros aspectos da cultura brasileira começaram na segunda-feira.
A rede de ensino de idioma Cactus,
que oferece aulas de português em 13 unidade, também viu o número de estudantes
nesses cursos crescer 107% nos últimos cinco anos segundo Tinka Carrick, sua
diretora de marketing. O número de treinamentos oferecidos às empresas
quadruplicou, tendo o aumento mais acentuado ocorrido nos últimos dois anos
(63% e 77% respectivamente).
Nos EUA, a revista especializada em
Educação Language Magazine notou, em um artigo recente, como o boom
na procura pelo português em universidades americanas gerou uma demanda ainda
não atendida por mais professores, livros didáticos avançados e dicionários
especializados – por exemplo, no vocabulário corporativo.
Lá, há mais de 10 mil alunos
matriculados em cursos de português, segundo a Modern Language Association. Os
últimos dados da organização, divulgados em 2010, mostravam um crescimento
anual de cerca de 10% na procura pelo idioma desde 2006 e a estimativa é que
essa tendência tenha se acentuado desde então.
Na China, até alguns anos atrás
apenas 4 universidades ofereciam aulas de português. Hoje são 15 e a ideia de
autoridades chinesas é chegar a 30 nos próximos anos.Além disso, também tem
aumentado a procura de jovens estrangeiros por cursos de imersão no Brasil –
oferecidos por universidades, instituições e escolas de idioma em cidades
brasileiras como Rio de Janeiro, São Paulo e Maceió.
Perfis
dos alunos
De acordo com professores e algumas
instituições de ensino, a mudança do perfil dos estudantes foi motivada pelo
crescimento de três grupos em particular.
Primeiro, jovens profissionais
interessados em aprender português para melhorar suas perspectivas de carreira
ou procurar emprego no Brasil. Claudia, por exemplo, conta que pelo menos um de
seus alunos deixou o curso porque conseguiu trabalho durante umas férias que
passou no País.
O segundo grupo de alunos em
expansão é formado por funcionários de empresas estrangeiras que começaram a
operar no Brasil ou têm ampliado os negócios com o País. Como exemplo, Roberta
diz ter três alunos que trabalharam na Olimpíada de Londres e já estão de olho
em atuar no Brasil.
Por fim, há uma preocupação
crescente de brasileiros expatriados em garantir que seus filhos também tenham
um bom nível de português, falado e escrito. “No passado, não havia tanto
empenho das famílias de brasileiros que vivem em países estrangeiros em assegurar
essa transmissão da língua”, afirma Claudia.
“Agora, com a economia europeia em
crise, muitos pais procuram as nossas aulas acreditando que um bom português
não só pode ser um diferencial no mercado de trabalho daqui, mas também pode
garantir que o filho tenha um ‘plano B’ no futuro – ou seja, que possa voltar
para o Brasil caso a crise por aqui se agrave.”
Diplomacia
cultural
Para Joseph Marques, pesquisador do
King´s College que está estudando a cooperação entre os países da comunidade de
língua portuguesa (CPLP), o aumento do interesse pelo português abre uma ótima
oportunidade para a projeção do soft power do Brasil no cenário
global.
“Quanto maior o conhecimento sobre o
idioma e a cultura de um país, mais facilmente podem ser criadas oportunidades
de negócio com ele e mais fácil é convencer os outros atores do cenário global
de que esse é um país importa do ponto de vista político”, acredita.
“Por isso, nesse momento em que todo
mundo fala de um ‘Brasil gobal’, seria oportuno para o País começar a pensar em
uma política cultural, uma diplomacia cultural mais séria, que passaria pela
promoção da língua portuguesa em diversos países e até em esferas políticas e
instituições com a ONU.”
Diferentes estimativas listam o
português como o quinto ou o sexto idioma mais falado no mundo, mas Marques
lembra que o idioma não está entre as línguas oficiais das Nações Unidas (que
são árabe, chinês, espanhol, francês, inglês e russo).
Hoje, um dos principais promotores
do idioma português no mundo é o Instituto Camões, criado em 1992 pelo governo
de Portugal. Promover o uso da língua portuguesa também é um dos objetivos
centrais da CPLP, organização criada em 1996 – mas, segundo Marques, as
iniciativas nessa área ainda são relativamente limitadas.
Em 1989, foi criado o Instituto
Internacional da Língua Portuguesa, com sede em Cabo Verde, porém os
investimentos nessa instituição multilateral são escassos.
“Porque não criar um ‘Instituto
Jorge Amado’, ‘Machado de Assis’, ou algo do tipo, para promover o idioma
português e funcionar como uma vitrine da cultura brasileira?”, sugere Marques.
O especialista lembra que a China
tem mais de 1.000 unidades do Instituto Confúcio espalhados pelo mundo, a
França apoia a Aliança Francesa e a Espanha tem o Instituto Cervantes. A Alemanha
financia o Goethe Institute. Para a Grã-Bretanha, o trabalho de promoção
cultural e linguística é feito pelo Conselho Britânico
“No Brasil, há quem argumente que
não há recursos suficientes para uma iniciativa desse tipo e que é preciso
priorizar as necessidades internas do país, mas se o Brasil quiser jogar no
‘time dos grandes’ vai precisar investir”, acredita Marques. “É só olhar para o
que os outros países fazem e sempre fizeram.”
(Ruth Costas, da BBC Brasil em
Londres)
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