sábado, 18 de agosto de 2012

Atenção é o segredo da memória


Evento discute as melhores formas de evitar esquecimento e mostra que processo permanente de aprendizado é fundamental

Dos jovens aos mais velhos, é raro encontrar alguém que não reclame de esquecer coisas importantes, seja um livro recente, uma palestra, um compromisso ou um comunicado. A tendência é achar que há problemas de memória. A boa notícia é que, na maioria dos casos, não há nenhuma deficiência no funcionamento do cérebro. O indivíduo só precisa estar mais atento, focar em suas atividades, além de sempre exercitar a mente. E mais, o esquecimento é um processo absolutamente natural, que faz parte do aprendizado do ser humano. É o que garantiram especialistas que participaram da quinta edição dos Encontros O GLOBO Saúde e Bem-Estar, na última quarta-feira, sobre a memória.

— Na maioria dos casos, quando não há uma doença, o problema de memória é, na verdade, um problema de atenção — afirmou a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, da UFRJ.

Com o advento da internet, uma das dificuldades do mundo moderno é lidar com a enxurrada de dados e imagens, segundo o cardiologista Cláudio Domênico, coordenador do evento, que citou o autor americano bestseller Nicholas Carr.

— Uma das frases dele é que “a mente linear, focada, sem distrações está sendo expulsa por um novo tipo de mente que quer e precisa tomar e aquinhoar informação em surtos curtos, desconexos, frequentemente superpostos, quanto mais rapidamente, melhor”. Realmente, hoje há um excesso de informação e a internet tem aquela história de surfar, a gente não se aprofunda — criticou.

A neurologista Carla Tocquer concorda que a internet distrai e aconselhou a focar em apenas um assunto:
— É preciso engajar a atenção, estar presente no agora. Aquele comportamento da internet de passar de um assunto a outro, acaba sendo nocivo à memória. Como posso melhorar o registro? Se estiver 100% presente, disponível no momento, amanhã quando eu quiser me lembrar do dia de hoje vai ser muito mais fácil.

A ideia da internet como vilã, porém, não é aceita como argumento por Suzana Herculano-Houzel.
— É muito fácil colocar a culpa na internet. Não existe informação demais hoje. Sempre existiu informação demais para o cérebro da gente, desde o início dos tempos. O problema é que o cérebro só consegue prestar atenção em uma coisa de cada vez — defendeu.

A construção da identidade
Muito além de apenas um sistema de armazenamento de informações no cérebro, a memória está ligada ao aprendizado e é responsável por definir a identidade de cada um, por mudar o cérebro conforme as experiências.

— O cérebro aprende, muda, faz diferente, isto é memória. Há a mudança do comportamento por causa das experiências anteriores. Perder a memória quer dizer passar pela vida em branco. Seu cérebro não registra o que aconteceu, e é como se nada tivesse acontecido ao seu redor — afirmou Suzana.
A neurocientista também explica que a memória é um processo físico, que envolve mudanças de conexões do cérebro, que são as sinapses, onde os neurônios trocam informações uns com os outros. Até a década de 1950, acreditava-se que o indivíduo já nascia com um número estabelecido de sinapses. Hoje se sabe que novas sinapses são criadas e outras, perdidas, ao longo da vida.

— Uma parte importante do aprendizado é de remoção daquilo que não serve, do que não funciona. Mas ao mesmo tempo, aquelas sinapses que servem para alguma são fortalecidas. Enfraquecer ou fortalecer uma sinapse quer dizer, essencialmente, diminuir ou aumentar o impacto que um neurônio tem sobre o seguinte. É um processo de lapidação, a memória é a escultura que fica.

Não existem pílulas milagrosas
A capacidade de aprendizado na infância é maior do que na idade adulta, assim como é mais comum o idoso ter queixas de perda de memória do que o jovem. Mas uma série de pesquisas lança otimismo em relação ao envelhecimento do cérebro, e aponta para a possibilidade de recuperação da memória se ela for estimulada, por exemplo, com exercícios físicos e com o hábito da leitura frequente.
Por outro lado, há fatores que influenciam negativamente na memória humana, e acabam por agravar os efeitos do tempo. Álcool e outras drogas, depressão, alimentação inadequada, assim como algumas doenças e deficiências nutricionais.

Técnicas para melhorar a memória tiveram espaço de destaque durante o debate, assim como o alerta para comprimidos que se dizem milagrosos e que prometem melhorar o desempenho cerebral:
— Há uma pílula que acabou de sair chamada Cognizin, está à venda por R$ 69,99. Para quem adora vitamina, é uma ótima maneira de fazer um xixi mais caro, não serve para absolutamente nada — comentou Domênico.

Segundo ele, não há fórmula mágica: ler, boa alimentação e exercícios são as melhores formas de desenvolver o cérebro. Já Carla Tocquer deu outra dica:
— O relaxamento vai deixar a pessoa mais disponível e a meditação vai ajudar não só no registro como no armazenamento da informação.

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