Os indícios atuais, dados pelas recentes medidas econômicas adotadas pelo governo, “são desanimadores”, disse à Agência Brasil o economista Roberto Messenberg, coordenador do Grupo de Análise e Previsões do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (GAP/Ipea), ao comentar as avaliações da 19ª edição do boletim Conjuntura em Foco, divulgado hoje (3).
Segundo o economista, as políticas do governo são “paliativas” e não resolvem o principal ingrediente para um crescimento sustentado do país, que é a retomada dos investimentos. Messenberg defendeu, em especial, a necessidade de expansão do investimento público. Sem o fortalecimento do investimento público, “não vamos a lugar nenhum”, ele acredita.
De acordo com o boletim, desde o segundo semestre do ano passado, “a economia [brasileira] enveredou em um novo ciclo de desaquecimento da atividade, mesmo na ausência de choques de grande magnitude”. Para os autores do documento, a atual crise internacional não tem o mesmo impacto que outras do passado e, além disso, os fundamentos macroeconômicos do país estão sob controle. No entanto, “a despeito desse quadro positivo, o ritmo de crescimento da economia vem sendo decepcionante”.
O boletim Conjuntura em Foco é uma publicação mensal elaborada pelo GAP/Ipea que faz o acompanhamento sistemático dos principais indicadores econômicos. Nesta edição, abordou o desempenho recente da indústria, o comportamento da produtividade e do custo unitário do trabalho no setor e as perspectivas para a retomada do crescimento econômico.
Para Messenberg, o momento é favorável aos investimentos públicos. “Na situação atual, você não tem escassez de capital, não tem nenhum perigo de a dívida pública entrar em uma trajetória explosiva, não tem problema de excesso de demanda na economia. Todos os fatores que poderiam ser citados para reprovar uma atuação mais forte do setor público na economia caem por terra”.
Segundo o economista, no entanto, o governo está cada vez mais voltado para medidas de curto prazo, “escolhendo os vencedores nas atividades para poder fornecer os subsídios e se despreocupando com a estratégia de crescimento de longo prazo, que envolveria o fortalecimento do investimento público”.
No momento atual, insistiu que a estratégia de longo prazo só é viabilizada com uma participação significativa do setor público. Isso poderia ocorrer não por meio de investimento direto, mas como um agente coordenador do processo, salientou. “Mas ele [setor público] teria de ter um papel ativo nesse processo”.
Esclareceu que isso faria com que o país entrasse em uma trajetória de crescimento sustentável, sem depender de fatores externos que, anteriormente, o ajudaram a andar para frente. “Justamente nesse momento, o governo está pensando em aumentar o superávit primário com um corte no investimento público. Isso para mim não faz o menor sentido”, advertiu.
Na avaliação do economista, essas medidas “para apagar incêndio” deveriam servir apenas como um “trampolim” para medidas de longo prazo. “Fariam sentido se fosse para o governo ganhar tempo na construção de uma estratégia de desenvolvimento mais abrangente, com intervenção mais ativa do setor público, trabalhando com o setor privado para elevar a taxa de investimento na economia”.
O modelo brasileiro de funcionamento da economia registra uma série de transições, recordou o economista do Ipea. Em governos passados, o modelo era centrado na preocupação com a taxa de inflação. Em função disso, havia a definição de marcos referenciais, principalmente devido à necessidade de conquistar a confiança do mercado financeiro.
“A taxa de câmbio era mantida dentro de níveis razoáveis para não ameaçar a inflação, e o setor público geraria o superávit primário necessário para que a taxa de juros escolhida, por mais alta que fosse, não gerasse problema de credibilidade ou de expectativa inflacionária mais à frente”, analisou.
Esse modelo apresentava uma fragilidade implícita, disse Messenberg, porque, para conseguir a estabilidade monetária, era preciso manter a taxa de juros muito elevada e o câmbio valorizado, o que prejudicava o investimento na indústria de transformação, de capital intensivo, que produz bens comercializáveis para o exterior.
“A taxa de investimento era pequena, porque a estratégia para combater a inflação penalizava o investimento produtivo”, lembrou. Esse quadro acabou gerando um forte ataque especulativo no início do governo Luiz Inácio Lula da Silva, “alimentado pelos fundamentos da economia brasileira, que eram ruins”.
A partir daí, conta o economista, houve uma forte desvalorização cambial no período 2003-2004, acompanhada pelo crescimento econômico da China, que causou impacto significativo sobre as commodities (produtos primários com cotação internacional) exportadas pelo país.
Para Messenberg, a consequência foi um favorecimento ao investimento no país e uma injeção de renda na economia brasileira. Houve uma mudança na gestão do modelo, explicou o economista, porque acabou a restrição externa, que era a característica do modelo anterior. “Teve um acúmulo de reservas internacionais”.
De acordo com o economista, a partir de 2008, porém, o governo tentou superar a crise internacional com base nesse modelo anterior, cujo dinamismo vem, do lado externo, pela injeção de renda provocada pelos ganhos em termos de trocas e, pelo lado doméstico, pelos programas redistributivos do governo, entre os quais o Bolsa Família, que ampliam a capacidade de consumo da população.
O modelo embutia um forte crescimento do investimento público, que contribuía para um nível bom da atividade econômica, segundo o integrante do Ipea. Como os dois fatores – injeção de investimento na economia e transferência de renda – começaram a perder fôlego, Messenberg disse que tudo ficou repousado sobre a taxa de investimento público.
“O setor público ficou com a maior parte da responsabilidade por manter a dinâmica da economia brasileira, em uma hora em que os outros determinantes da demanda doméstica estavam enfraquecidos. E justamente nesse momento, o investimento público começa a despencar. Aí, o nível de atividade vem para baixo”.
Para manter a economia funcionando, apontou o coordenador do GAP do Ipea, a receita é ampliar o investimento público, dentro de uma estratégia de longo prazo, para atrair também o investimento privado.
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