Apesar de todos os contratempos e de um cenário mundial adverso,
que buscava fazer crer que só existia um modelo político possível, o
Brasil conseguiu avançar nos últimos anos e parece disposto a seguir
nessa toada. Embora com muitas limitações e quase sem rupturas, a
questão social foi colocada no centro das questões políticas, o papel do
Estado como indutor do desenvolvimento foi retomado e questões
pendentes da história começam a ser enfrentadas.
A leitura dos jornais nos últimos dias comprova essa caminhada. Em
meio ao mar de lama da CPI do Cachoeira, que atinge sobretudo políticos
da oposição, uma empreiteira corrupta e um notório veículo de
comunicação, o país avança. O governo reforça os programas sociais, com o
recente anúncio de novas políticas, como a voltada para a primeira
infância, que assegura amparo às famílias com crianças de 0 a 6 anos e
fortalece a construção de creches. No campo econômico, prossegue a
ênfase na redução dos juros, com enfrentamento dos bancos e sua cobiça
por juros astronômicos. E o Estado avança na transparência, com o
primeiro passo no funcionamento, ainda precário, é bom que se diga, da
Lei de Acesso á Informação, que tende a inibir a corrupção nos órgãos
públicos.
O ato mais recente e simbólico das mudanças por que passa o país foi a
instalação da Comissão da Verdade, que investigará os crimes da
ditadura. Foram necessários 28 anos após o fim do regime de exceção para
que o país tivesse condições de enfrentar seu passado insepulto e
tentar curar de vez as cicatrizes ainda abertas dos horrores cometidos
nos anos de chumbo.
Precisamos passar por um governo de transição, ainda sem o voto
direto; por uma experiência desastrosa abreviada pelo impeachment de
Collor, pela recuperação promovida por Itamar Franco, pelo período
neoliberal dos governos de Fernando Henrique Cardoso e pelas mudanças
conduzidas por Lula para chegar ao que Dilma começa a fazer agora. Nessa
trajetória, é significativa a passagem do comando do país de
representantes das elites tradicionais para um operário e uma
ex-guerrilheira.
Forjada na luta contra a ditadura, vítima direta das barbaridades
cometidas nos porões, Dilma age como estadista e volta a jogar luz num
período macabro de nossa história, que muitos gostariam de manter sob o
tapete. Faz todo o sentido que ocorra em seu governo a instalação da
Comissão da Verdade, que, esperamos, possa funcionar a contento.
O cenário não é cor de rosa. O tempo da comissão para esclarecer os
crimes da ditadura é curto, e punições não estão previstas, como
acontece na Argentina e no Chile. A Lei da Anistia ainda impede que
criminosos bárbaros paguem pelo que cometeram, mas a história está em
movimento, e muita coisa pode acontecer quando a crueza dos fatos vier à
tona.
Falta avançar em muitos aspectos. Numa maior participação política,
na melhoria dos serviços sociais, no aprimoramento das instituições, na
melhor distribuição das riquezas e mesmo no enfrentamento das forças
contrárias à construção de um país mais digno e justo, capaz de
proporcionar a todos os seus cidadãos o desfrute de suas capacidades.
Mas é inegável que o país caminha.
Mair Pena Neto*Jornalista carioca. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência Reuters. No JB foi editor de política e repórter especial de economia.
Via Direto da Redacao
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