Por Marco Fernandes
Quando os chefes de estado das Américas encontraram-se para a sua Sexta Cúpula na Colômbia, uma questão chave foi finalmente posta com todas as letras sobre a mesa: ou Cuba é convidada à próxima Cúpula ou... não haverá uma próxima Cúpula. Oficialmente patrocinadas por um organismo sediado em Washington - a Organização dos Estados Americanos (OEA) - essas "Cúpulas" são convocadas a cada três anos, desde 1994. De forma geral, elas têm sido um instrumento para a promoção da hegemonia americana sobre o seu "quintal" ao sul do Texas.
Como a maioria das instituições multilaterais políticas, econômicas e financeiras - a ONU, o FMI, o Banco Mundial, o NAFTA (Acordo Norte-Americano de Livre Comércio) ou a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) - a OEA é um dos muitos instrumentos usados pelos chefões do poder global firmemente encastelados nas estruturas públicas e privadas dos Estados Unidos, para exercer um controle político, financeiro e até mesmo legal sobre todas as Américas.
Ao contrário dos anos anteriores, todavia, não houve consenso entre os participantes quanto a uma declaração oficial final, em grande parte por que os Estados Unidos e seus poucos aliados regionais opõem-se sequer a tocar nesses assuntos, e a Cúpula foi encerrada em meio a um pesado silêncio.
Cuba tem sido barrada de participar dessas Cúpulas, por que foi expulsa da OEA em 1963 no auge da Guerra Fria - logo após a Crise dos Mísseis Cubanos protagonizada por Kennedy e Khruschev, o momento mais próximo de um confronto nuclear já vivido pelo nosso planeta. Durante os anos da Guerra Fria, os EUA impuseram sobre a América Latina estratégias de segurança regional centradas na "guerra global contra o comunismo"; hoje essas estratégias foram atualizadas para o papel da região na "guerra global contra o terrorismo."
O fato de que há desde 1982 nas ilhas Malvinas uma base militar britânica armada de ogivas nucleares, ou de que George W. Bush reativou a 4ª Frota dos EUA no Atlântico Sul em 2008, ou de que nos últimos quarenta anos tem havido uma maciça presença, oficial ou não, de operadores militares americanos, britânicos e israelenses na Colômbia, Paraguai, México e Argentina, é completamente ignorado pela grande imprensa.
Nesse 6º e mais recente encontro dessa Cúpula, as coisas não correram nada bem para a política hemisférica dos Estados Unidos: para começar o anfitrião presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos (foto), disse logo de cara na abertura formal do conclave que "será inaceitável a convocação de quaisquer futuras Cúpulas em que Cuba não esteja presente." Esse é sem dúvida um discurso que aponta para uma orientação bem diferente do ex-presidente colombiano Álvaro Uribe, um notório capacho de Washington que inundou o seu país com tropas americanas. Sob o pretexto da "guerra global contra as drogas," essas forças foram usadas sistematicamente para assassinar sindicalistas e opositores políticos.
Infelizmente o presidente Hugo Chávez da Venezuela, que vem sendo a voz mais veemente quando se trata de denunciar abertamente a ilegítima ingerência americana na região, não pôde comparecer à Cúpula por estar ainda em Cuba, submetendo-se a um tratamento contra o câncer. Os presidentes Daniel Ortega (Nicarágua) e Rafael Correa (Equador) boicotaram a Cúpula em protesto pela ausência de Cuba. Da sua parte, a secretária de Estado americana Hillary Clinton disse que "deve haver uma oportunidade de uma transição para uma democracia plena em Cuba," antes que este país possa ser recebido de novo na OEA.
Democracia plena? Ninguém pode afirmar que o regime cubano seja uma democracia ideal (seja lá o que isso signifique), mas o regime americano também está longe de ser um modelo edificante. Há por acaso uma "democracia plena" nos EUA (ou no Reino Unido, na Europa, no Brasil ou no México), onde a eleição de todos os seus presidentes, vice-presidentes, governadores, senadores, deputados e prefeitos é sistemática, direta e proporcionalmente ligada a quantas centenas de milhões - mesmo bilhões - de dólares são gastos em propaganda e campanhas eleitorais? Que tipo de "democracia" é essa?
O próprio presidente Barack Obama está sentindo o aquecimento da frigideira do "Poder Econômico" neste ano eleitoral ao enfrentar Mitt Romney, cuja maior virtude é ter acumulado uma formidável fortuna pessoal de mais de 250 milhões de dólares. Claramente, o debate político não é em torno de idéias, mas centrado em imensas pilhas de dinheiro ajuntadas em gabinetes de Washington e Nova York - seja ele o seu dinheiro pessoal como no caso de Romney e da dinastia Bush, ou dinheiro corporativo vindo dos cofres da Halliburton, Goldman Sachs, ExxonMobil, Enron, AIG e JPMorganChase em apoio ao candidato que melhor sirva os seus interesses. Então é essa a "democracia plena" da qual Hillary Clinton fala sem parar?
Como está amplamente provado pelos exemplos de todas as nações que a imitam, a "democracia" ao estilo americano geralmente resulta em governos grosseiramente corruptos ocupados por estelionatários e ladrões. Então o melhor que a "democracia plena" da Sra. Clinton tem a oferecer não passa de um "governo dos ricos, pelos ricos e para os ricos"? Não podemos negar, entretanto, que a "democracia plena" dos EUA é a "melhor democracia que o dinheiro pode comprar."
No caso da pequena ilha do Caribe, se você levar em conta que Cuba vem sendo continuamente ameaçada e agredida durante mais de meio século pela maior superpotência nuclear do planeta - incluindo invasão militar e repetidas tentativas de assassinato contra Fidel Castro - poderá facilmente entender a estratégia altamente defensiva da segurança nacional cubana. Vivendo sob um assédio dessa magnitude, quem é que pode desenvolver uma "democracia plena"?
Podemos realmente dizer que a democracia cubana é menos "plena" do que a americana? Na verdade, muitos poderiam acrescentar pesados adjetivos quanto a "plena de quê" a democracia americana realmente é. Quando se trata de pecados contra a Verdadeira Democracia, quem é capaz de atirar a primeira pedra?
E não se trata apenas da injusta e irracional exclusão de Cuba. Há ainda tópicos fundamentais como a ameaça à segurança regional representada pela militarização do Atlântico Sul e das Malvinas promovida por americanos e ingleses, ou o agravamento de problemas sociais decorrentes da pobreza, fome, relações comerciais distorcidas e injustas, uma perversa dominação cultural, e a assim-chamada "guerra às drogas." A narco-violência tomou conta de países produtores de drogas como o México, Colômbia e Bolívia, respingando nos demais países da região.
A abordagem dos EUA é enfrentá-la como um problema militar, policial e de segurança no interior desses países produtores, justificando assim a "assistência militar e de segurança" a regimes clientes dos EUA, como a Colômbia e o México. Ao mesmo tempo, os EUA ignoram inteiramente a real raiz do problema, representada pela astronômica e bilionária demanda por drogas existente nas sociedades americana e européia. Isso sem falar nos lucros também astronômicos auferidos pelo sistema bancário internacional, que funciona como uma gigantesca lavanderia para "reciclar e regurgitar" a renda do tráfico.
Isso reflete não apenas o quanto as sociedades dos EUA e da Europa são doentias, mas também o quanto o seu assim-chamado "soft power" (a dominação cultural) - filmes de Hollywood, séries de TV, rap music, MTV e outros instrumentos da Guerra Psicológica global - promove e instala uma cultura global pró-drogas, voltada principalmente para os jovens.
Tomemos a fome, a pobreza e problemas sociais conexos, por exemplo. Na Argentina, Equador, Bolívia, Paraguai, México e Brasil, eles estão intimamente ligados às muitas décadas de grosseira exploração por uma estrutura bancária-financeira global que engendrou, consolidou e administrou enormes, desnecessárias e ilegítimas fraudes de Dívidas Nacionais. Dessa maneira, centenas de bilhões de dólares foram drenados da região, graças a governos de generais comprados a bom preço, e rumaram para o Norte para financiar a "democracia plena" americana.
Via PLN
Ao contrário dos anos anteriores, todavia, não houve consenso entre os participantes quanto a uma declaração oficial final, em grande parte por que os Estados Unidos e seus poucos aliados regionais opõem-se sequer a tocar nesses assuntos, e a Cúpula foi encerrada em meio a um pesado silêncio.
Cuba tem sido barrada de participar dessas Cúpulas, por que foi expulsa da OEA em 1963 no auge da Guerra Fria - logo após a Crise dos Mísseis Cubanos protagonizada por Kennedy e Khruschev, o momento mais próximo de um confronto nuclear já vivido pelo nosso planeta. Durante os anos da Guerra Fria, os EUA impuseram sobre a América Latina estratégias de segurança regional centradas na "guerra global contra o comunismo"; hoje essas estratégias foram atualizadas para o papel da região na "guerra global contra o terrorismo."
O fato de que há desde 1982 nas ilhas Malvinas uma base militar britânica armada de ogivas nucleares, ou de que George W. Bush reativou a 4ª Frota dos EUA no Atlântico Sul em 2008, ou de que nos últimos quarenta anos tem havido uma maciça presença, oficial ou não, de operadores militares americanos, britânicos e israelenses na Colômbia, Paraguai, México e Argentina, é completamente ignorado pela grande imprensa.
Nesse 6º e mais recente encontro dessa Cúpula, as coisas não correram nada bem para a política hemisférica dos Estados Unidos: para começar o anfitrião presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos (foto), disse logo de cara na abertura formal do conclave que "será inaceitável a convocação de quaisquer futuras Cúpulas em que Cuba não esteja presente." Esse é sem dúvida um discurso que aponta para uma orientação bem diferente do ex-presidente colombiano Álvaro Uribe, um notório capacho de Washington que inundou o seu país com tropas americanas. Sob o pretexto da "guerra global contra as drogas," essas forças foram usadas sistematicamente para assassinar sindicalistas e opositores políticos.
Infelizmente o presidente Hugo Chávez da Venezuela, que vem sendo a voz mais veemente quando se trata de denunciar abertamente a ilegítima ingerência americana na região, não pôde comparecer à Cúpula por estar ainda em Cuba, submetendo-se a um tratamento contra o câncer. Os presidentes Daniel Ortega (Nicarágua) e Rafael Correa (Equador) boicotaram a Cúpula em protesto pela ausência de Cuba. Da sua parte, a secretária de Estado americana Hillary Clinton disse que "deve haver uma oportunidade de uma transição para uma democracia plena em Cuba," antes que este país possa ser recebido de novo na OEA.
Democracia plena? Ninguém pode afirmar que o regime cubano seja uma democracia ideal (seja lá o que isso signifique), mas o regime americano também está longe de ser um modelo edificante. Há por acaso uma "democracia plena" nos EUA (ou no Reino Unido, na Europa, no Brasil ou no México), onde a eleição de todos os seus presidentes, vice-presidentes, governadores, senadores, deputados e prefeitos é sistemática, direta e proporcionalmente ligada a quantas centenas de milhões - mesmo bilhões - de dólares são gastos em propaganda e campanhas eleitorais? Que tipo de "democracia" é essa?
O próprio presidente Barack Obama está sentindo o aquecimento da frigideira do "Poder Econômico" neste ano eleitoral ao enfrentar Mitt Romney, cuja maior virtude é ter acumulado uma formidável fortuna pessoal de mais de 250 milhões de dólares. Claramente, o debate político não é em torno de idéias, mas centrado em imensas pilhas de dinheiro ajuntadas em gabinetes de Washington e Nova York - seja ele o seu dinheiro pessoal como no caso de Romney e da dinastia Bush, ou dinheiro corporativo vindo dos cofres da Halliburton, Goldman Sachs, ExxonMobil, Enron, AIG e JPMorganChase em apoio ao candidato que melhor sirva os seus interesses. Então é essa a "democracia plena" da qual Hillary Clinton fala sem parar?
Como está amplamente provado pelos exemplos de todas as nações que a imitam, a "democracia" ao estilo americano geralmente resulta em governos grosseiramente corruptos ocupados por estelionatários e ladrões. Então o melhor que a "democracia plena" da Sra. Clinton tem a oferecer não passa de um "governo dos ricos, pelos ricos e para os ricos"? Não podemos negar, entretanto, que a "democracia plena" dos EUA é a "melhor democracia que o dinheiro pode comprar."
No caso da pequena ilha do Caribe, se você levar em conta que Cuba vem sendo continuamente ameaçada e agredida durante mais de meio século pela maior superpotência nuclear do planeta - incluindo invasão militar e repetidas tentativas de assassinato contra Fidel Castro - poderá facilmente entender a estratégia altamente defensiva da segurança nacional cubana. Vivendo sob um assédio dessa magnitude, quem é que pode desenvolver uma "democracia plena"?
Podemos realmente dizer que a democracia cubana é menos "plena" do que a americana? Na verdade, muitos poderiam acrescentar pesados adjetivos quanto a "plena de quê" a democracia americana realmente é. Quando se trata de pecados contra a Verdadeira Democracia, quem é capaz de atirar a primeira pedra?
E não se trata apenas da injusta e irracional exclusão de Cuba. Há ainda tópicos fundamentais como a ameaça à segurança regional representada pela militarização do Atlântico Sul e das Malvinas promovida por americanos e ingleses, ou o agravamento de problemas sociais decorrentes da pobreza, fome, relações comerciais distorcidas e injustas, uma perversa dominação cultural, e a assim-chamada "guerra às drogas." A narco-violência tomou conta de países produtores de drogas como o México, Colômbia e Bolívia, respingando nos demais países da região.
A abordagem dos EUA é enfrentá-la como um problema militar, policial e de segurança no interior desses países produtores, justificando assim a "assistência militar e de segurança" a regimes clientes dos EUA, como a Colômbia e o México. Ao mesmo tempo, os EUA ignoram inteiramente a real raiz do problema, representada pela astronômica e bilionária demanda por drogas existente nas sociedades americana e européia. Isso sem falar nos lucros também astronômicos auferidos pelo sistema bancário internacional, que funciona como uma gigantesca lavanderia para "reciclar e regurgitar" a renda do tráfico.
Isso reflete não apenas o quanto as sociedades dos EUA e da Europa são doentias, mas também o quanto o seu assim-chamado "soft power" (a dominação cultural) - filmes de Hollywood, séries de TV, rap music, MTV e outros instrumentos da Guerra Psicológica global - promove e instala uma cultura global pró-drogas, voltada principalmente para os jovens.
Tomemos a fome, a pobreza e problemas sociais conexos, por exemplo. Na Argentina, Equador, Bolívia, Paraguai, México e Brasil, eles estão intimamente ligados às muitas décadas de grosseira exploração por uma estrutura bancária-financeira global que engendrou, consolidou e administrou enormes, desnecessárias e ilegítimas fraudes de Dívidas Nacionais. Dessa maneira, centenas de bilhões de dólares foram drenados da região, graças a governos de generais comprados a bom preço, e rumaram para o Norte para financiar a "democracia plena" americana.
Via PLN
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