A segunda pessoa mais poderosa do hemisfério ocidental chegou em Washington na segunda-feira. Mas a pessoa mais poderosa passou a maior parte do dia embrulhando ovos de páscoa no Gramado Sul da Casa Branca. Dilma Rousseff comanda uma economia maior que a da Grã-Bretanha, um oceano de petróleo, e goza de uma taxa de aprovação de 77% - algo que Barack Obama nem sonha em conseguir. No entanto, todo mundo exceto Barack Obama queria vê-la esta semana. Os reitores de Harvard e do MIT (ambos mulheres, a propósito) convidaram Dilma a ir a Boston. Até mesmo a Câmara de Comércio dos EUA se assanhou - certamente a primeira vez em que essa cidadela do capitalismo fica tão excitada em receber uma ex-guerrilheira marxista. Somente Obama se fez de difícil.
Os dois presidentes tiveram uma curta reunião, e uma coletiva conjunta de imprensa mais curta ainda, durante a qual o americano não olhou a brasileira nos olhos nenhuma vez. O único impulso aos laços bilaterais que saiu dessa confabulação foi um acordo para promover a importação de cachaça - uma ótima notícia para os adeptos de uma caipirinha, mas não exatamente um acordo de importância histórica. E Obama sequer dispensou a Dilma as honras de uma visita oficial; ele mal ficou com ela por duas horas. "Obama poderia tê-la convidado para jantar," resmungou um membro da comitiva brasileira. "Ou a uma visita ao Kennedy Center."Os líderes da India e da China são recebidos com pompa e circunstância quando estão na cidade. Vladimir Putin é um operador grande o suficiente para que Sarah Palin o espione da sua cabana no Alaska. Mas o Brasil é o país do BRICS que não merece o mesmo respeito, em pleno 2012. Na América ainda falamos do Brasil como um país de 2ª classe, o que seria algo ridiculamente condescendente mesmo se o nosso país não estivesse nas garras de um congresso rejeccionista, e de uma Suprema Corte politicamente motivada. Contudo de todas as grandes economias emergentes - uma frase também ridícula, pois faz tempo que eles emergiram, enquanto aqui na América e na Europa a economia parece estar encolhendo rumo à extinção - o Brasil é a que representa a menor ameaça geopolítica significativa, e oferece as maiores vantagens, como todos esses presidentes de grandes corporações estão cansados de saber.
Então, por que Obama, que já demonstrou a sua habilidade como dançarino de salsa, evita dar uns passinhos de samba também? É inevitável imaginarmos que, em um ano eleitoral, a Casa Branca esteja relutante em dar cartaz a uma economia muito mais bem sucedida do que a americana, onde um robusto crescimento e a redução da desigualdade caminham de mãos dadas. Mas eu temo que a verdadeira razão seja mais simples: nas classes de história, a primeira lição que os americanos aprendem sobre a política externa dos EUA é a Doutrina Monroe - o príncípio enunciado dois séculos atrás de que a América Latina é o nosso quintal, onde fazemos o que queremos e dizemos a todos os outros para não se meterem. A idéia de que um país latino-americano possa efetivamente servir de modelo está além da nossa compreensão. Agora, pela primeira vez, uma segunda potência está emergindo no quarteirão, mas nós os gringos continuamos a pensar que podemos mantê-los na linha com um grande porrete.
Cada vez mais, os Estados Unidos parecem estar conduzindo uma política externa do tipo Norma Desmond*: tendo alucinações de que não envelheceu nem enrugou, incapaz de aceitar que o mundo está mudando, e que o seu poder está em declínio. Os eleitores parecem estar plenamente cientes de que os dias da incontestada supremacia americana se foram, o que torna ainda mais patético o fato de nossos governantes ainda serem incapazes de aceitar o novo estado de coisas.
[*Norma Desmond é a personagem interpretada por Gloria Swanson no filme Sunset Boulevard de 1950, uma grande atriz do cinema mudo que continua a achar que é uma grande estrela, mesmo depois qur todos a esqueceram.]
Tudo isso veio à tona esta semana, tanto na substância quanto na aparência da visita de Dilma. Um objetivo sobre o qual quase todo mundo concorda é por um fim à exigência de vistos para os turistas do Brasil - ainda que a multidão de brasileiros que eu vi invadindo um shopping-center de Miami no mês passado seja uma prova de que nada vai impedi-los de continuar chegando (o brasileiro é o turista estrangeiro com o maior gasto per capita nos Estados Unidos, espatifando US$5.000 por visitante, em média). Contudo a Casa Branca anunciou na segunda-feira que as regras dos vistos continuam inalteradas, e trombeteou como se isso fosse uma grande vantagem, que leva "apenas 35 dias" para ganhar esse cobiçado carimbo em seu passaporte junto ao consulado de São Paulo.
Um projeto de lei destinado a relaxar essas regras burocráticas está atolado no Senado. O medo, naturalmente, é que o turista brasileiro aproveite-se para emigrar ilegalmente para os Estados Unidos. O que vem apenas mostrar o quanto o governo americano está viajando na maionese; com a economia brasileira bombando do jeito que está, e o desemprego galopante (20%) nos Estados Unidos, só um louco pensaria em emigrar do Brasil para os EUA hoje - ilegalmente ou não.
Jason Farago é um escritor e crítico baseado em Nova York que contribui regularmente para a London Review of Books, Monocle e outras revistas. Ele também é o editor de The Bugle, uma publicação americana sobre cultura e ecologia.
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