Postagem Dag Vulpi 20/04/2011
Os atuais padrões de produção e
consumo de energia estão apoiados nas fontes fósseis (petróleo, gás natural e
carvão mineral), o que gera emissões de poluentes locais, gases de efeito
estufa e põem em risco o suprimento a longo prazo do planeta, por serem
finitas. É preciso mudar esses padrões, incentivar a economia de energia e
estimular o uso das energias renováveis (solar, eólica e biomassa). Nesse
sentido, o Brasil apresenta uma condição bastante favorável em relação ao resto
do mundo.
Não existe uma fonte de energia que
só tenha vantagens. Não há energia sem controvérsia, mas a nuclear, pelo poder
destruidor que tem qualquer vazamento de radiação, não deve ser utilizada para
produzir eletricidade, ao menos em nosso país, onde existem tantas outras
opções.
Fica evidenciado que, desde 2005, a
indústria nuclear intensificou seu agressivo lobby em diversos países da
região, com forte influência nos setores legislativos e da política energética,
tentando impor a implantação de usinas, sob o falso argumento de que a energia
nuclear é uma fonte “limpa”, segura e contribui para combater o aquecimento
global.
Com a retomada discutível e
equivocada do Programa Nuclear Brasileiro, reiniciando as obras de construção
de Angra 3, e os planos do Ministério de Minas e Energia de instalar no
Nordeste usinas nucleares – a região do Brasil com maior potencial eólico e
solar -, nada mais atual que discutir as razões contrárias a instalação de
usinas nucleares no território nacional.
A opção nuclear para geração de
energia elétrica no Brasil e no Nordeste, em particular, não permite resolver
os atuais problemas energéticos, e contribuirá para com outros problemas sem
solução à vista.
A seguir são apresentadas,
sucintamente, as razões para rejeitar as usinas nucleares, vistas sob os
seguintes aspectos:
- segurança energética,
- econômico,
- ambiental,
- social,
- riscos,
- proliferação e militarização
nuclear,
- sustentabilidade energética,
- democracia.
Segurança
energética
A segurança energética é um fator
prioritário para o país e aumentará com a diversificação da matriz energética.
Do ponto de vista da produção de energia, segundo a Empresa de Planejamento
Energético-EPE, o país tem folga no abastecimento, podendo suprir as
necessidades de energia elétrica, com as atuais taxas previstas de crescimento,
por mais 5 anos. Portanto é puro oportunismo, criar uma relação direta entre os
atuais apagões, que tem ocorrido freqüentemente no país todo, com a necessidade
da instalação de usinas nucleares para evitá-los. Como que se os atuais apagões
fossem decorrentes do desabastecimento, e novamente repetiríamos 2001/2002. Os
defensores desta tecnologia associam enganosamente a instalação das novas
usinas nucleares como solução aos apagões, que são ocorrências recorrentes do
próprio modelo mercantilista empregado no país.
O fundamento principal para a
construção de novas usinas de geração é de que existe uma previsão de
crescimento da economia (sem que se questione a natureza do crescimento) e de
que, em função disso, há necessidade de se ofertar mais energia para atender a
esta demanda, construindo novas usinas.
Projeções do consumo futuro de
energia dependem do tipo de desenvolvimento e crescimento econômico que o país
terá. Existem vários questionamentos sobre os cálculos oficiais que apontam
para taxas extremamente elevadas de expansão do parque elétrico brasileiro para
atender a uma pretensa demanda. O que essa previsão esconde é o fato de
praticamente 30% da energia elétrica ofertada pelo país é consumida por seis
setores industriais: cimento, siderurgia, produção de alumínio, química, o ramo
da metalurgia que trabalha com ferro e papel/celulose – 30% somente para seis
setores. São exatamente eles que puxam o consumo da energia elétrica para cima,
os chamados setores eletro-intensivos. Precisamos urgentemente discutir:
energia para que? E para quem?
Temos de fugir dessa idéia míope de
discutir qual a melhor fonte. A melhor fonte de energia é aquela que não é
consumida. Não consumir energia significa ter uma política de aumento da
eficiência energética, situação da qual estamos muito longe ainda. Os
resultados oficiais apresentados nesta área são pífios.
No Brasil, o consumo de energia per
capita ainda é pequeno e é indispensável que o consumo de energia cresça para
promover o desenvolvimento sustentável. No entanto, nada impede que o uso de
tecnologias modernas e eficientes sejam introduzidas logo no início do processo
de desenvolvimento sustentável, acelerando com isso o uso de tecnologias
eficientes (aquecimento solar da água, eletricidade solar, geradores eólicos,
geração distribuída,…). Contrapondo assim ao pensamento de que, para haver
desenvolvimento, é preciso que ocorram impactos ambientais, devido a geração,
transporte e uso da energia.
A conservação de eletricidade reduz
o consumo e posterga a necessidade de investimentos em expansão da capacidade
instalada, sem comprometer a qualidade dos serviços prestados aos usuários
finais. A eficiência energética é, sem dúvida, a maneira mais efetiva de ao
mesmo tempo reduzir os custos e os impactos ambientais locais e globais,
suportando assim, conjuntamente com as fontes solar, eólica e biomassa; a
segurança energética do país.
Aspectos
econômicos
Do ponto de vista econômico, o custo
de uma central nuclear é enorme, da ordem de R$ 10 bilhões. Geralmente este
valor está aquém dos valores finais da obra. Nas planilhas de custos é
subestimado (até não levado em conta) os custos de armazenamento dos resíduos,
da desmontagem da central após sua vida útil e limpeza de locais contaminados,
o reforço da linha elétrica para distribuição, e os serviços de fiscalização e
segurança, entre outros. O chamado descomissionamento, representa o custo de
desmontagem definitiva e descontaminação das instalações das usinas nucleares
após o encerramento das suas operações. É preciso que se tenham garantias
absolutas de que esse trabalho será levado a cabo com seriedade, e que as
instalações e resíduos das usinas não serão simplesmente abandonados
contaminados após o seu fechamento.
Como exemplo do que estamos falando,
centrais nucleares que estão sendo planejadas atualmente na Finlândia, já estão
custando o dobro do estimado antes do começo da obra. Já nos Estados Unidos, as
usinas implantadas entre 1966 e 1986 tiveram, em média, custos 200% acima do
previsto.
A história do nuclear mostra que
esta sempre foi e continua a ser, mesmo com a nova geração de reatores, uma
indústria altamente dependente de subsídios públicos. Isto significa que quem
vai pagar a conta da imensa irresponsabilidade de se implantar estas usinas em nosso
país, será a população de maneira geral, e em particular os consumidores, que
pagarão tarifas cada vez mais caras.
Desde 2005, um dos mais conceituados
centros tecnológicos do mundo, o Massachusetts Institute of Technology, tem
assegurado que a energia nuclear não é competitiva sem subsídios. À mesma
conclusão chegaram estudos publicados pelos jornais The New York Times e The
Financial Times. Outro estudo ainda, publicado pela National Geographic Brasil
(agosto 2005) aponta na mesma direção. E mais recentemente a revista britânica
New Scientist listou argumentos que desfavorecem a energia nuclear: não
sobrevive sem subsídios, os custos para pesquisa e desenvolvimento são
altíssimos e também são insuportáveis os custos da disposição do lixo nuclear e
do descomissionamento dos reatores, assim como a segurança nas usinas.
Para os brasileiros o maior impacto
da instalação de usinas nucleares será nas tarifas. De 2001 a 2010, o aumento
acumulado das tarifas de energia chegou a 186%, enquanto no mesmo período o
IPCA (índice oficial de inflação do governo) acumulou 86%, segundo a Associação
Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia Elétrica (Abrace). E projeta que
até 2014, o preço da energia subirá mais de 30%. Pagamos uma das mais altas
tarifas do mundo, e com tendência de aumento. Sem nenhuma dúvida pode-se
afirmar que o uso da eletricidade nuclear irá contribuir ainda mais para a
elevação das tarifas de energia elétrica no Brasil.
Para aqueles que afirmam que o
Brasil deve manter-se aberto para todas as possibilidades de aproveitamento na
geração e oferta de energia elétrica, a médio e longo prazo, o desvio de
recursos públicos para a opção nuclear será um verdadeiro obstáculo ao
estabelecimento de políticas de incentivo e promoção de energias renováveis no
país. O incentivo garantido às usinas nucleares deveria ser direcionado a
outras fontes de geração de energia, muito mais seguras e limpas, como a
eólica, solar e a biomassa.
O governo brasileiro mostra mais uma
vez que está disposto a bancar a construção de grandes empreendimentos
contraditórios e de resultados duvidosos, contrariando interesses divergentes
que não tem sido considerado e nem incorporado no processo de negociação e
decisão.
No caso de Angra III a estimativa de
custos da obra, que era de R$ 7,2 bilhões em 2008, pulou para R$ 10,4 bilhões
até o final de 2010, de acordo com a Eletronuclear. Isso sem contar os R$ 1,5
bilhão já empregado na construção e os US$ 20 milhões gastos anualmente para a
manutenção dos equipamentos adquiridos há mais de 20 anos. Desde 2008, o custo
de instalação por kW de Angra 3 subiu 44%, de R$ 5.330/kW para R$ 7.700/kW. Os
gastos em usinas nucleares são um sumidouro de recursos públicos, e quem pagará
por esta insanidade será o povo brasileiro.
Questão
ambiental
Do ponto de vista ambiental é uma
meia verdade, afirmações que as centrais nucleares não contribuem para os gases
de efeito estufa, e que são “limpas”.
Em operação rotineira, as centrais
nucleares pouco agridem o meio ambiente, porém expõem a sociedade ao risco de
acidentes que liberam na biosfera produtos de fissão nuclear de alta
radioatividade, que podem trazer conseqüências catastróficas a vida. Embora
pequeno, tal risco existe, e não pode ser negligenciado. Ademais, essas usinas
não resolveram o problema do que fazer com os rejeitos de alta radioatividade,
cuja deposição final demanda pesados investimentos.
Estima-se que estes rejeitos tenham
que ficar isolados durante milhares de anos.
Na geração da eletricidade nuclear a
produção de CO2 é muito pequena, mas se levarmos em conta o conjunto de etapas
do processo industrial (chamado ciclo do combustível nuclear), que transforma o
mineral urânio, desde quando ele é encontrado nas minas em estado natural até
sua utilização como combustível dentro de uma usina nuclear é produzido
quantidades consideráveis de gases de efeito estufa. Portanto, além das
elevadas emissões de carbono, geram resíduos tóxicos altamente radioativos e
contribui com agressões ambientais. Além de uma central nuclear consumir
elevados volumes de água para sua refrigeração, tendo sua instalação
obrigatoriamente ser próxima a grandes recursos hídricos (rios, mares, ….).
Portanto, se levarmos em conta todo
o ciclo para preparar o combustível nuclear que será “queimado” nas centrais,
pode-se afirmar que esta fonte energética é uma importante fonte de emissões,
que são produzidas na prospecção do mineral, na extração e no transporte de
urânio, no transporte dos resíduos para processamento ou armazenagem e no
futuro descomissionamento.
Vários estudos científicos têm
monstrado que o ciclo do urânio é um grande consumidor de energia e um forte
emissor de CO2. O estudo americano “Nuclear Power: The Energy Balance” (2005),
que compara as emissões de CO2 analisando o ciclo de vida de uma central
nuclear e de uma central a gás natural (com uma potência equivalente) chega à
conclusão que, no longo termo, com o decréscimo da qualidade das reservas de
urânio, a eletricidade nuclear provoca muito mais emissões que o gás natural
consumido na termoelétrica.
O cálculo que faz a Oxford Research
Group chega a 113 gramas de CO2 por kWh gerado. Isso é aproximadamente o que
produz uma central a gás. Portanto, existe um mito, um afã de descartar, cortar
e mostrar de maneira parcial a realidade desta fonte de energia.
Já de acordo com a metodologia de
Storm e Smith para o cálculo de emissões, o ciclo de geração por fontes
nucleares emite de 150 a 400 g CO2/kWh, enquanto o ciclo para geradores eólicos
emite de 10 a 50 g CO2/kWh.
Segundo dados da Agência
Internacional de Energia Atômica (AIEA) considerando a mineração do urânio, o
transporte, o enriquecimento, a posterior desmontagem da usina e o
processamento e confinamento dos rejeitos radioativos, esta opção produz entre
30 e 60 gramas de CO2 por kWh gerado.
Verifica-se então grande contradição
nos números relacionados as emissões, e que existe uma polêmica e dúvidas sobre
a capacidade de emissão de gases de efeito estufa, ao utilizar o urânio para
gerar eletricidade. Creio que neste caso o aconselhável seja uma ação
preventiva, de não utilização desta fonte de energia.
No caso brasileiro, embora a
extração do urânio utilizado pelas usinas ocorra em território nacional, antes
ele vai para o Canadá, onde é transformado em gás e, em seguida, para a Europa,
onde é enriquecido. Reparem que só nestes deslocamentos, não só existe a
emissão de gases proveniente do transporte e do consumo de energia, mas também
um grande risco da exposição dos materiais radioativos, ao realizarem viagens
intercontinentais.
Aspectos
sociais
É comum os defensores da tecnologia
nuclear mencionarem com destaque, o impacto revolucionário de um empreendimento
de R$ 10 bilhões, pode representar na economia local. Do ponto de vista da
empregabilidade e dos ganhos financeiros para o município-estado que abrigar a
usina nuclear, há uma falsa retórica de que os investimentos automaticamente
favorecerão os moradores do entorno das instalações.
È bom lembrar aos desavisados que os
vendedores da usina são responsáveis pelo fornecimento da ilha nuclear, chamada
de Nuclear Steam Supply System (NSSS), e pelo layout da planta, o que
representa aproximadamente 20% do custo total do capital. Os custos restantes
são despendidos na contratação de empresas de engenharia e arquitetura e em
fornecedores de sistemas e componentes.
A ausência de companhias com
capacidade de projeto, fabricação e prestação de serviços de engenharia na
região, ou mesmo no país, acaba exigindo a contratação de empresas do exterior
e a realização de importações. Em geral, isso resulta em negociações que
consomem tempo, extensões de prazos de entrega, dificuldades com a qualidade,
transporte de equipamentos e outros problemas similares. Isso explica porque
alguns vendedores de usinas têm procurado expandir suas responsabilidades para
50% ou 60% do orçamento total da obra, a fim de ter maior controle sobre a
execução da usina.
Portanto não acreditem nestes
benefícios mágicos trazidos “pelo progresso” representado por uma usina
nuclear. Como exemplo, a época das obras da usina nuclear de Angra 1 chegou a
11 mil homens trabalhando no período de maior movimentação da obra. Eles
trouxeram também suas famílias e isso gerou um contingente humano imenso que a
cidade teve que abrigar. Muita gente veio de outros estados. E se instalou o
caos urbano sem que a cidade de Angra dos Reis pudesse atender os que chegavam
com os serviços básicos. A migração desordenada em grandes obras no país é uma
realidade incontestável.
Por outro lado, acreditar que a
mão-de-obra utilizada na construção e gerenciamento de uma usina nuclear no
Brasil/Nordeste seja mão-de-obra da região, é de que os royalties provenientes
da usina serão maciçamente aplicados em ações sociais e ambientais, é a mesma
coisa que acreditar em Papai Noel, Saci-Pererê, Mula sem Cabeça e tantas outras
figuras do imaginário popular.
Em comparação com a tecnologia
eólica ou solar, a energia nuclear cria poucos empregos. Energias renováveis
precisam de trabalhadores locais para a construção local e para a manutenção.
Os empregos são criados localmente e ficam no local, por isso as comunidades
ganham.
Riscos
Atualmente são feitas afirmativas
peremptórias de que as usinas nucleares apresentam alto grau de excelência
tecnológica, como principal fator de garantia da segurança e o aumento da
confiabilidade. Há uma tentativa de tranqüilizar as pessoas, afirmando que a
evolução tecnológica dos últimos 30 anos levou as usinas nucleares a se
modernizarem e serem praticamente imunes em relação a acidentes. São citadas
nos discursos “de perigo zero” as novas usinas que estão em estudos, às
chamadas de 4ª geração que utiliza o conceito de “falha para a segurança”.
Nestas usinas, afirmam que quando
ocorrem falhas de operação, estas são corrigidas, levando a uma condição mais
segura do que a anterior, ou seja, a correção das falhas se dá automaticamente,
sem requerer necessariamente a intervenção dos operadores. Como se isto
bastasse e fosse suficiente para impedir acidentes. É só verificar e comparar,
que mesmo com os enormes avanços tecnológicos da indústria aeronáutica,
acidentes ocorrem, como foi o caso do Airbus 330-200 da Air France/AF 477,
pérola da indústria aeronáutica no que diz respeito à automatização e
segurança.
E mais recentemente terremoto
seguido de tsunami que atingiu usinas nucleares no Japão, as mais seguras do
mundo. Houve vazamento de radiação (12/03/2011) de um reator do complexo
nuclear de Fukushima Daiichi localizado ao norte de Tóquio (250 km), após uma
explosão ter arrebentado o telhado da instalação depois do grande terremoto
(11/03/2011), com vazamento de radiação. Os efeitos imediatos deste acidente
nuclear, anunciados oficialmente foram de 160 pessoas contaminadas pela
radiação, e 170.000 retiradas do entorno do reator, com uma área de exclusão que
foi aumentando de 3 km, passando a 10 km e atualmente de 20 km de raio em torno
do reator acidentado.
Sem dúvida a segurança das usinas
nucleares teve avanços importantes, mas, seu relativo controle é suscetível a
fatores humanos e da natureza. Não podemos apagar dos arquivos da memória,
acidentes nucleares ocorridos nos últimos anos. Em Three Mile Island, na
Pensilvânia – Estados Unidos em 1979, e em Chernobyl, na Ucrânia, 1986. Nos
dois casos, os acidentes foram causados por falhas que provocaram um superaquecimento
no reator, e vazamento de material radioativo para a atmosfera.
Sempre há um risco de contaminação
com radiação, independente se a usina nuclear funciona perfeitamente com um bom
sistema de segurança. Emissão de isótopos radiativos de césio e estrôncio
sempre acontece. Isso é uma contaminação “normal”, conhecida na linguagem
internacional como contaminação “standard” das usinas nucleares. Acidentes com
vazamento de radioatividade já aconteceram em várias usinas nucleares no mundo.
A população sofre mais tarde de doenças graves como leucemia, aumentando o
nível de mortandade. Além da contaminação do lençol freático e das terras se
tornarem impróprias ao plantio e criação de animais.
E mais: parte do lixo nuclear
produzido na usina precisa ser depositado de forma totalmente isolada do meio
ambiente em um período de tempo que pode chegar a mais de 240 mil anos. E até
agora a tecnologia para garantir isso de forma perfeita ainda não existe.
A radioatividade dos resíduos do
urânio processado nas centrais é muito elevada, com graves riscos para a saúde
pública durante dezenas a centenas de milhares de anos. Ainda não foi
encontrada uma solução satisfatória para o tratamento dos resíduos, hoje
armazenados em locais temporários. Este é um pesado legado para as gerações
futuras.
Mas, infelizmente, mesmo o controle
rigoroso na operação da usina e em todo processo produtivo do elemento
combustíve,l não nos livra de outros tipos de risco como roubo de rejeitos
radioativos, ataques terrorista, terremotos, falhas humanas e mecânicas. E as
conseqüências de um acidente nuclear são desastrosas, afetando a presente e
futura geração.
A nova geração de reatores nucleares
em construção na Finlândia (Olkiluoto 3) e na França (Flamanville 3),
apresentados como a vanguarda do renascimento do nuclear, têm registrado uma
série de atrasos, derrapagens orçamentais e problemas técnicos de segurança. Na
Finlândia, o prazo de conclusão da central foi adiado por dois anos e os custos
de construção quase que duplicaram para um valor de R$ 11,5 bilhões, com várias
falhas na construção a implicar potenciais riscos de segurança. Na França, os
problemas são semelhantes, tendo já sido mandada parar a construção pela
Agência de Segurança Nuclear francesa por vários problemas técnicos de
segurança registrados.
Até agora não se tem notícias de que
algum acidente em usinas de geração de energia tenha tido proporções
semelhantes a Chernobyl e o desastre de Fukushima Daiichi. Ainda que Itaipu
fosse destruída, e a maior parte da Argentina fosse por água abaixo, não ficariam
seqüelas em gerações sucessivas a exemplo do que ocorreu na Ucrânia e no Japão.
Outro fator de extrema preocupação,
descrito no Relatório da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável da Câmara dos Deputados publicado em 2006, é que o Estado
brasileiro está longe de ter a estrutura necessária para garantir a segurança
das atividades e instalações nucleares. Nesse documento são apontadas graves
falhas na fiscalização e monitoramento do setor nuclear, destacando, entre
outros problemas, a duplicidade de funções da Comissão Nacional de Energia
Nuclear – CNEN atua, ao mesmo tempo, como Requerente, Operadora, Prestadora de
Serviços, Licenciadora e Fiscalizadora de si própria.
Vale lembrar que, em setembro de
2011, completara 21 anos da contaminação com Césio 137 em Goiânia, que vitimou
milhares de pessoas e ficou conhecido como o maior acidente radiológico do
mundo.
Proliferação
e militarização nuclear
No Brasil, historicamente, a relação
entre o uso da energia nuclear para fins energéticos e para fins militares é
muito estreita. O Programa Nuclear Brasileiro surgiu durante a ditadura militar
e até hoje atende demandas de alguns setores das forças armadas, fascinados
pelo poder que a energia nuclear lhes traz. Outros grupos de interesse fazem
“lobby”, como setores industriais “preocupados” com o risco de um apagão,
grupos de cientistas pelo prestígio e oportunidades de novas pesquisas e pelo
comando do processo, os fornecedores de equipamentos e as empreiteiras, por
motivos óbvios.
A exportação e a proliferação
contínua de tecnologia nuclear aumentam significativamente o risco de
proliferação de armas nucleares, existindo o risco de novos Estados se tornarem
novas potências nucleares.
Mesmo neste cenário de degradação
ambiental e social, a ameaça de nuclearização da América Latina é real, com o
Brasil dividindo com a Argentina a liderança nessa corrida. Ambos têm jazidas
de urânio significativas, processo de enriquecimento em curso, usinas e
minireatores. O Brasil já tem acordo de cooperação com a Venezuela, que firmou
acordo com a Rússia para cooperação na produção de equipamentos. Outros países
da América do Sul estão discutindo a fonte nuclear como alternativa para suas
demandas de energia, como a Bolívia, Equador e Uruguai. O Peru e o Chile que
planejam construir usinas nucleares.
A ressurreição do Programa Nuclear
Brasileiro é mais um dos indícios da estratégia governamental de tornar o
Brasil uma potência atômica. O dinheiro empregado no programa, para a
construção e funcionamento de novas usinas núcleoelétricas, permitirá a
lubrificação de todas as suas engrenagens. A cada usina que construímos
aumentaremos o volume de urânio que produzimos, aumentando assim o saldo com
que se espera entrar definitivamente como sócios no Clube Atômico, e para tal é
necessário ter a bomba atômica.
Devemos evitar para nosso país
problemas de geopolítica que são gerados pelo o ciclo de combustível nuclear, a
tal ponto que depois das tensões com a Coréia do Norte, atualmente o Irã está
em sério perigo de ter seu território invadido militarmente por estar
enriquecendo urânio para geração nuclear.
Abrir mão da energia nuclear
significa um importante passo para evitar o perigo de uma nova onda de
proliferação nuclear, dada a natureza dual da energia nuclear, que se presta
tanto para aplicações pacíficas como militares, sem falar dos problemas físicos
de segurança nuclear. Não devemos nos esquecer do que afirmou o físico Robert Oppenheimer,
responsável pela construção da primeira bomba atômica, quando visitou o Brasil,
em 1953: “Quem disser que existe uma energia atômica para a paz e outra para a
guerra, está mentindo”.
Sustentabilidade
energética
A atual política energética e ambiental
adotada, lamentavelmente tem levado o Brasil a caminhar na contramão do que vem
sendo implementado em várias partes do mundo, que tem optado pelo uso de fontes
renováveis de energia, não só na geração de energia elétrica, mas também no
aquecimento de água solar que evita o consumo de eletricidade nos chuveiros. A
noção de sustentabilidade energética descarta a eletricidade de origem nuclear
como uma solução sustentável.
Na atual política de expansão da
oferta de energia para o país, fica evidente o tratamento especial dado para a
construção de mega-hidrelétricas na região Amazônica, de termoelétricas a
carvão mineral e óleo combustível e a instalação de usinas nucleares.
Esse gigantismo para mega-obras,
típico de mentes tecnocráticas e autoritárias, beira a insensatez, pois, dada a
atual crise ambiental global, são recomendadas obras menores, que valorizam
matrizes energéticas com fontes de energia renováveis, que menos agridem o meio
ambiente, e com produção descentralizada.
Se há um país no mundo que goza das
melhores oportunidades ecológicas e geopolíticas para ajudar a formular um
outro mundo necessário para toda a Humanidade, este país é o nosso. Ele é a
potência das águas, possui a maior biodiversidade do planeta, as maiores
florestas tropicais, a possibilidade de uma matriz energética menos agressiva
ao meio ambiente – à base da água, do vento, do Sol, das marés, das ondas do
mar e da biomassa.
Entretanto, ainda não acordamos para
isso. E tudo isso nós temos em abundância. Nos fóruns mundiais vive em
permanente estado de letargia política, inconsciente, “deitado eternamente em
berço esplêndido”. Não despertando para as suas possibilidades e para a sua
responsabilidade em face da preservação da Terra e da vida.
Em nosso país existem várias
alternativas para aumentar a oferta de energia sem a construção de novas
centrais, uma delas é incentivando a eficiência energética. Também são
evidentes a abundancia dos recursos renováveis: solar, eólico e da biomassa
para a diversificação e complementação da matriz energética. Simplesmente as
vantagens comparativas destes energéticos renováveis não são levadas em conta.
Opções energéticas e a
eficientização de processos e equipamentos são apresentadas pelos estudiosos da
UNICAMP, USP, CHESF, UFPE, que levam em conta as possibilidades de redução da
energia na demanda tanto do lado da oferta, como do lado do consumo. Além de
apresentarem como fontes renováveis: a energia solar para aquecimento da água e
para produção de eletricidade, energia eólica, usinas térmicas a bagaço
de cana (bioeletricidade) e restos de produtos agrícolas, e energia das ondas
do mar.
Democracia
A indústria nuclear é por sua
natureza secreta e sem transparência. Em alguns países, foi criada uma polícia
especializada para cuidar dos materiais radioativos contra o roubo pelos
“terroristas”. Com este argumento, a indústria nuclear contribui para a
diminuição dos direitos democráticos da sociedade, porque cria um “Estado de
Segurança”.
A segurança das usinas geradoras e
demais instalações nucleares (tratamento e enriquecimento de urânio, fabricação
de elementos combustíveis, reprocessamento de combustíveis irradiados,
depósitos de rejeitos etc.) implica importantes e custosos aparelhos policiais.
Assim, países que optem pelas usinas nucleares em seus sistemas elétricos
poderão ser forçados a adotar métodos próprios de Estados policiais.
É fundamental a necessidade de se
discutir mais a questão energética. O debate de idéias e o confronto de
interesses são instrumentos decisivos na formulação de uma estratégia
energética sustentável e democrática. Daí a necessidade de ampliar os espaços
de debate, hoje restritos aos gabinetes dos especialistas.
No caso da energia nuclear
informações técnicas, econômicas, financeiras, de segurança, relatórios
operativos, entre outros documentos são muitas vezes considerados sigilosos e
não disponíveis publicamente. Esta fonte de energia acentua o caráter
autoritário na condução da política energética no país.
Heitor Scalambrini Costa é
professor associado da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), graduado em
Física pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP/SP), Mestrado em
Ciências e Tecnologias Nucleares na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e
Doutorado em Energética, na Universidade de Marselha/Comissariado de Energia
Atômica (CEA)-França.
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Dag Vulpi