sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Preconceito afasta transexuais do ambiente escolar e do mercado de trabalho


Rafaela Damasceno foi uma das primeiras transexuais a entrar em uma universidade pública no Brasil, em 1999. O que parecia uma grande conquista, no entanto, acabou virando pesadelo. Após sofrer discriminação e perseguição em sala de aula, Rafaela, hoje com 39 anos, resolveu abandonar o curso de geografia na Universidade Federal de Goiás (UFG).

“Eu era vista como se fosse um bicho num zoológico. As pessoas iam lá na faculdade que eu estudava, passavam por mim no corredor, chegavam no final do outro corredor e perguntavam: 'onde é que está a transexual que estuda aqui?'.  Eu me sentia como um animal. Não parecia ser normal eu estar dentro da universidade”, diz Rafaela que largou os estudos a um ano de se formar.
“Eu era vista como se fosse um bicho num zoológico", conta a transexual Rafaela Damasceno sobre o período em que frequentou a universidade - Wilson Dias/Agência Brasil
Ela conta que, à época, ainda não havia conseguido trocar o nome em todos os documentos. Alguns professores se recusavam a chamá-la pelo nome social e outros, simplesmente, “pulavam” o seu nome na hora da lista de chamada. “Havia uma professora que dizia que naquela sala de aula tinha gente que tinha que estar em outro lugar, não na universidade. Tinha que estar no salão de cabeleireiro ou na cozinha de alguém”, comenta.

Hoje, Rafaela estuda para entrar na faculdade de novo e concluir a graduação em geografia. Ela também quer ingressar no mestrado.

O preconceito que Rafaela enfrentou na universidade é vivido cotidianamente por muitos jovens nas escolas brasileiras. Apesar de uma portaria do Ministério da Educação (nº 1.612 de 2011) assegurar a transexuais e travestis o direito a serem tratadas pelo nome social, a violência contra essa população é uma realidade.

Pessoas transexuais são aquelas que não se identificam com o gênero com o qual nasceram. Mulheres trans são pessoas que nasceram com a genitália masculina, mas se reconhecem como mulheres e exigem ser tratadas dessa forma. Homens trans, por sua vez, são aquelas pessoas que tiveram o gênero feminino atribuído na infância, mas se identificam como homens.

“Falta educação escolar para nós. Você tem ideia do que é chegar em uma escola sendo uma mulher transexual e a pessoa da escola dizer que poderia te matricular, mas não garantir a sua integridade? Como é que uma instituição não garante a integridade de um de seus membros, sendo travesti ou sendo qualquer outro tipo de pessoa”, desabafa Aline Marques, presidenta da organização não governamental Grupo de Resistência de Travestis e Transexuais (Gretas), de São Paulo.

Fabiana Melo Oliveira, 32 anos, conta que precisou esconder a identidade durante todo o período escolar. “Venho de uma família católica, muito rígida. Estudei em colégio de padre. Tive que terminar a escola, o ensino fundamental e o médio. Entrei na faculdade de psicologia, mas do segundo para o terceiro período eu tive que sair - foi quando eu não aguentei mais. Tive que mostrar a minha identidade de gênero, quem eu era mesmo”, conta.

Ela lembra que enfrentou resistência por parte dos pais, mas hoje recebe apoio da família. “Somente depois de um ano, de eu começar a fazer hormonoterapia [tratamento com hormônios femininos], de o meu pai ver todo o processo e de eu dizer que queria fazer a cirurgia de transgenitalização [mudança de sexo]. Quando ele me viu depois de um ano e meio, ele falou que eu era a filha mais nova dele.”
Fabiana Melo Oliveira, 32 anos, conta que precisou esconder a identidade durante todo o período escolar - Wilson Dias/Agência Brasil
Mercado de trabalho
Além das dificuldades em permanecer nas escolas e faculdades, as transexuais enfrentam outro grande desafio: conseguir um emprego. De acordo com Cris Stefanny, presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra), 90% das travestis e transexuais são obrigadas a entrar na prostituição para se sustentar. “Simplesmente não há oportunidades de trabalho. As poucas que não estão nas ruas estão em serviços subalternos, ou limpando o chão ou como cabeleireiras”, afirma.

Rafaela atribui a dificuldade em conquistar uma vaga no mercado de trabalho à transfobia. “Temos companheiras que têm curso superior, mestrado. Você deixa seu currículo. Quando a pessoa vê que é uma transexual - porque normalmente colocamos o nome de registro – ela diz: muito bem, seu perfil é maravilhoso. Mas coloca [o currículo] dentro da gaveta e você pode saber que eles não te chamam, infelizmente”, desabafa.

Aline Marques, 37 anos, também luta por mais oportunidades de emprego. Ela abandonou a escola ainda criança e entrou para a prostituição aos 17 anos. Hoje, aos 37, comemora o fato de ter saído das ruas há 7 meses. Aline faz parte do projeto Transcidadania, da prefeitura de São Paulo, que trabalha com o resgate e a reintegração social para a população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros) em situação de vulnerabilidade.
Aline Marques conta que abandonou a escola ainda criança e entrou para a prostituição aos 17 anos. Hoje, aos 37, comemora o fato de ter saído das ruas há 7 meses - Wilson Dias/Agência Brasil
A ideia do Transcidadania é, a partir de atividades de formação e capacitação para o mercado de trabalho, colaborar para a emancipação dessas pessoas e permitir que possam melhorar sua condição de vida. Os participantes recebem um auxílio de R$ 827,40 por mês para cumprir seis horas de atividades diárias.

“Eu tenho 100 companheiras [no projeto] que são guerreiras, que querem uma vida melhor, um mundo melhor, mais digno, que não querem estar se prostituindo, que não querem estar nessa margem de discriminação, de sofrimento. Elas querem estudar. Elas querem trabalhar. Nós precisamos ter o nosso próprio caminho de emprego porque nenhum ser humano sobrevive sem o trabalho”, destaca Aline.

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