O Brasil
solidificou ao longo de décadas uma política fiscal insana, onde os mais pobres
pagam a conta da sonegação, da corrupção e da ineficiência administrativa. Pior
ainda é saber que os responsáveis por uma das maiores dívidas tributárias do
mundo são exatamente os que menos temem ser cobrados. São os afortunados sócios
do Clube do Trilhão.
O amargo ajuste
fiscal, propagado como único remédio para tirar o Brasil da crise, tem uma
lógica tão simples quanto perversa:
1- aumentar
impostos sobre o consumo, fazendo os pobres e a classe média gastarem mais e
consumirem menos;
2 – subir a
taxa de juros para controlar a inflação, multiplicando ainda mais o lucro de
bancos e rentistas;
3 – cortar o
orçamento de políticas públicas essenciais: saúde, educação, segurança,
infraestrutura... A velha receita tecnocrata, sem o menor compromisso com o
bem-estar social.
No entanto, os
oráculos que defendem a tese da pimenta no olho do povo sequer mencionam a
importância do combate à sonegação e muito menos cogitam sobre a execução
fiscal de grandes devedores inscritos na Dívida Ativa da União (DAU) como
essenciais para a recuperação econômica do país.
No caso da
sonegação, denunciada pelo painel Sonegômetro, estamos falando de mais de 10%
do Produto Interno Bruto brasileiro que vai pelo ralo, sendo que 80% desse
valor passam por sofisticados sistemas de lavagem de dinheiro.
Não bastasse a
tunga estratosférica dos sonegadores, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
consolidou no mês de julho mais de R$1,162 trilhão em débitos tributários
inscritos na DAU. Você não leu errado, caro leitor. Isso representa mais de 8
mil vezes o prejuízo do Mensalão1, mais 580 vezes o que foi revelado pela operação
Lava Jato e mais de 60 vezes o que se descobriu da operação Zelotes.
Entre os
membros desse verdadeiro Clube do Trilhão destacam-se 12.547 empresas que atuam
nos mais influentes segmentos da economia: indústria, comércio, finanças,
agronegócio, construção, entre outros. Elas representam menos de 1% das
empresas do país, mas devem atualmente R$723,38 bilhões em tributos,
equivalente a 62% de todo estoque tributário da Dívida Ativa da União. Cabe
aqui ressaltar que não foram incluídos nesta conta os débitos previdenciários e
do FGTS. Além disso, a estimativa é que a DAU ultrapasse 1,5 trilhão até o
final do ano.
Muitas são as
razões que podem levar uma pessoa física ou jurídica à inadimplência
tributária. E é muito importante distinguir o inadimplente do sonegador. No
entanto, principalmente entre as organizações mais poderosas, é comum a irônica
prática de se declarar o tributo sem a menor intenção de pagá-lo. As empresas
que assim o fazem, ganham um tempo precioso até para decidirem se vão ou não
pagar os impostos declarados. E, quando pagam, o fazem quase sempre em
condições bastante favoráveis.
Não
é de hoje que o país se transformou num paraíso para quem sonega, registra
empresas de fachada, lava dinheiro e comete toda espécie de crimes contra o
sistema tributário. Anualmente, cerca de 10% do PIB são sonegados e o governo
parece não se importar nem um pouco em fortalecer os instrumentos de combate à
sonegação. Afinal, o que são os mais de R$500 bi que o Sonegômetro registrou em
2014?5 Com toda certeza, se a vida não fosse tão fácil para os sonegadores
no Brasil, não seria tão difícil para os demais brasileiros.
Conheça os maiores devedores
de tributos por segmento econômico
Veja
abaixo os débitos tributários inscritos na Dívida Ativa da União, consolidados
até julho, divididos por segmento produtivo, através da CNAE (Classificação
Nacional das Atividades Econômicas):
Veja a classificação dos
devedores por Unidade da Federação
As
condições especiais oferecidas aos que atrasam ou se negam a pagar impostos no
Brasil são exemplo de que a indulgência do governo não tem limites. Em vez de
investir na eficiência da execução fiscal, o Estado brasileiro premia seus
devedores com pacotes de refinanciamentos, perdões de multas, de juros e, não
raramente, com a extinção total dos débitos em decorrência da prescrição dos
prazos processuais. Agora o governo acena com mais uma promoção imperdível para
quem possui dinheiro no exterior “não declarado” e deseja trazê-lo de volta ao
Brasil: basta pagar 35% de impostos para se livrar de qualquer multa ou
processos. É a verdadeira lavagem de dinheiro institucionalizada, travestida
de mal menor.
Esquizofrenia Fiscal
O
que garante essa doce vida para os sonegadores? O sucateamento da
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN e o descaso com a carreira de
Procurador da Fazenda Nacional, que têm por missão Constitucional recuperar
judicialmente os tributos devidos e não pagos por pessoas físicas e jurídicas[6].
Ora,
estamos diante de uma situação no mínimo incoerente, para não dizer
esquizofrênica. De um lado, vemos o Poder Executivo alardear que precisa cortar
R$ 80 bilhões do orçamento[7], aumentar impostos[8] e ainda pedalar para
cumprir um superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida
pública) de R$ 8,7 bi, ou 0,15 % do PIB (Produto Interno Bruto)9. Por outro
lado, esse mesmo governo sabe muito bem quem são os maiores devedores de
tributos, tem os instrumentos legais (e justos) para acionar judicialmente
esses maus pagadores, mas estranhamente mantem sucateada sua estrutura de
cobrança judicial.
E
já que estamos falando em justiça, devemos reconhecer que essa postura
complacente, principalmente quando o devedor de impostos pertence à elite, tem
sido uma triste regra em toda a história do Brasil, desde os tempos imperiais.
Mas, nem por isso devemos nos acomodar e deixar de responsabilizar os que agora
ocupam o poder. É preciso mudar.
Fato
é que nunca teremos um sistema tributário justo, nunca veremos uma
administração pública voltada efetivamente para os interesses da nação,
enquanto houver sonegadores e corruptos blindados por esquemas de corrupção,
apadrinhamento político, sem falar na rasa mediocridade de gestores públicos
acomodados e incompetentes. Afinal, não é por mera coincidência que
endinheirados devedores de impostos estejam entre os maiores doadores de
campanhas políticas.
É
verdade que o Brasil não tem a maior carga tributária do mundo. Mas, com
certeza, tem uma das mais injustas, pois sobretaxa excessivamente o consumo em
detrimento da renda, fazendo com que os mais pobres sintam muito mais o peso
dos impostos no dia a dia.
O
setor produtivo, em sua grande maioria formada por empreendedores sérios, que
lutam para manter seus negócios de pé, também sofre, e muito. Não é nada fácil
para qualquer empresa competir contra um concorrente que compra e vede sem
nota, ou que simplesmente declara mas não paga impostos.
Do
lado governamental, o mínimo que se espera de qualquer administração pública é
a responsabilidade fiscal de uma gestão. Não há democracia sem respeito às
leis, sem controle de gastos de acordo com a receita, sem segurança jurídica de
contratos, transparência na aplicação dos recursos arrecadados e, por fim, sem
compromisso com o bem público. Portanto, não há democracia que sobreviva sem
combater exemplarmente a corrupção e a sonegação.
Nesse
triste momento de crise política e econômica, de corte em investimentos,
aumento juros, desemprego e redução do poder de compra do brasileiro, fica a
pergunta: será esse o ajuste fiscal que o país precisa?
Mesmo
diante dessa realidade insustentável, o próprio governo reconhece, de acordo
com o relatório PGFN em Números, que somente em 2014 os PFNs conseguiram
impedir a perda de R$500 bi aos cofres públicos do país, evitando uma sangria
tributária que poderia ser bem maior. E mais: “Quando se acrescem à arrecadação
da Dívida Ativa da União os valores das vitórias judiciais e extrajudiciais da
PGFN, que refletem a manutenção do fluxo de arrecadação a União, observa-se que
a atuação da PGFN resultou em um retorno de mais de R$800,00 para cada R$1,00
(1 real) de despesa realizada em razão de suas atividades”.10
Nunca
é demais esclarecer, quando uma empresa é autuada pela fiscalização da Receita,
ou quando um bandido travestido de empresário é preso pela Polícia Federal, o
dinheiro desviado, sonegado, lavado, que pode estar no Brasil ou em bancos de
paraísos fiscais somente será recuperado aos cofres públicos pela ação judicial
de um Procurador da Fazenda Nacional (PFN), cuja carreira encontra-se sabotada
pelo próprio governo. A troco de quê?
Quem são os PFNs
Os
Procuradores da Fazenda Nacional (PFNs) são advogados públicos, concursados,
especialistas em direito tributário. Têm por missão constitucional garantir a
isonomia entre o devedor e o cidadão que paga seus tributos, através da
cobrança dos créditos da União, sempre em defesa do patrimônio da sociedade,
não de governos ou governantes.
A
carreira, no entanto, encontra-se sucateada e sobrecarregada, com sistemas
informatizados inoperantes, acúmulo de processos, quadro insuficiente de
procuradores, sem carreira de apoio e com remuneração defasada em comparação
com da Defensoria, Judiciário e Ministério Público.
Sempre
que o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional - SINPROFAZ - tem
a possibilidade de levar o painel Sonegômetro às ruas, leva também toda uma
campanha de educação fiscal e de conscientização tributária, sem nenhuma
conotação político-partidária. Enfim, para além do protesto, ressalta-se o
debate pela simplificação do sistema tributário e o fortalecimento das
estruturas de combate à sonegação e à corrupção. Por um Brasil com Justiça
Fiscal.
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