O pensador
Leonardo Boff respondeu, num artigo, às críticas do blogueiro de Veja Reinaldo
Azevedo contra Oscar Niemeyer. Para Reinaldo, que publicou três textos sobre o
assunto em seu blog, o brilhante arquiteto brasileiro era “metade gênio e
metade idiota”. Em seu último post, o colunista menciona que Niemeyer foi a capa
da última edição da revista, “com todas as honras”.
De acordo com
o filósofo, Reinaldo se assemelha a um escaravelho, popularmente chamado de besouro
rola-bosta, “que vive dos excrementos de animais herbívoros, fazendo rolinhos
deles com os quais, em sua toca, se alimenta”. Boff diz que “algo semelhante
fez o blog de Azevedo na VEJA online: foi buscar excrementos de 60 e 70 anos
atrás” para atacar o artista brasileiro.
Como muitos
leitores do blogueiro diante dos posts sobre Niemeyer, o filósofo assegura:
“Quem diz ser Oscar Niemeyer um idiota apenas revela que ele mesmo é um idiota
consumado”. Leia abaixo a íntegra de seu artigo:
Oscar
Niemeyer, a Veja online e o Escaravelho
Com a morte de
Oscar Niemeyer aos 104 anos de idade ouviram-se vozes do mundo inteiro cheias
de admiração, respeito e reverência face a sua obra genial, absolutamente
inovadora e inspiradora de novas formas de leveza, simplicidade e elegância na
arquitetura. Oscar Niemeyer foi e é uma pessoa que o Brasil e a humanidade
podem se orgulhar.
E o fazemos
por duas razões principais: a primeira, porque Oscar humildemente nunca
considerou a arquitetura a coisa principal da vida; ela pertence ao campo da
fantasia, da invenção e do lúdico. Para ele era um jogo das formas, jogado com
a seriedade com que as crianças jogam.
A segunda,
para Oscar, o principal era a vida. Ela é apenas um sopro, passageira e
contraditória. Feliz para alguns mas para as grandes maiorias cruel e sem
piedade. Por isso, a vida impõe uma tarefa que ele assumiu com coragem e com
sérios riscos pessoais: a da transformação. E para transformar a vida e
torná-la menos perversa, dizia, devemos nos dar as mãos, sermos solidários uns
para com os outros, criarmos laços de afeto e de amorosidade entre todos. Numa
palavra, nós humanos devemos aprender a nos tratar humanamente, sem considerar
as classes, a cor da pele e o nível de sua instrução.
Isso foi que
alimentou de sentido e de esperança a vida desse gênio brasileiro. Por aí se
entende que escolheu o comunismo como a forma e o caminho para dar corpo a este
sonho, pois, o comunismo, em seu ideário generoso, sempre se propôs a
transformação social a partir das vítimas e dos mais invisíveis. Oscar Niemeyer
foi um fiel militante comunista.
Mas seu
comunismo era singular: no meu modo de ver, próximo dos cristãos originários
pois era um comunismo ético, humanitário, solidário, doce, jocoso, alegre e
leve. Foi fiel a esse sonho a vida inteira, para além de todos os avatares
passados pelas várias formas de socialismo e de marxismo.
Na medida em
que pudemos observar, a grande maioria da opinião pública mundial, foi unânime
na celebração de sua arte e do significado humanista de sua vida. Curiosamente
a revista VEJA de domingo, dedica-lhe 10 belas páginas. Outra coisa, porém, é a
revista VEJA online de 7 de dezembro com um artigo do blog do jornalista
Reinado Azevedo que a revista abriga.
Ele foi a voz
destoante e de reles mau gosto. Até agora a VEJA não se distanciou daquele
conteúdo, totalmente, contraditório àquele da edição impressa de domingo.
Entende-se porque a ideologia de um é a ideologia do outro. Pouco importa que o
jornalista Azevedo, de forma confusa, face às críticas vindas de todos os
lados, procure se explicar. Ora se identifica com a revista, ora se distancia,
mas finalmente seu blog é por ela publicado.
Notoriamente,
VEJA se compraz em desfazer as figuras que melhor mostram nossa cultura e que
mais penetraram na alma do povo brasileiro. Essa revista parece se envergonhar
do Brasil, porque gostaria que ele fosse aquilo que não é e não quer ser: um
xerox distorcido da cultura norte-americana. Ela dá a impressão de não amar os
brasileiros, ao contrário expõe ao ridículo o que eles são e o que criam. Já o
titulo da matéria referente a Oscar Niemeyer da autoria de Azevedo, revela seu
caráter viciado e malevolente: “Para instruir a canalha ignorante. O gênio e o
idiota em imagens”. Seu texto piora mais ainda quando, se esforça, titubeante,
em responder às críticas em seu blog do dia 8/12 também na VEJA online com um
título que revela seu caráter despectivo e anti-democrático:”Metade gênio e
metade idiota- Niemeyer na capa da VEJA com todas as honras! O que o bloco dos Sujos
diz agora?” Sujo é ele que quer contaminar os outros com a própria sujeira de
uma matéria tendenciosa e injusta.
O que se quer
insinuar com os tipos de formulação usados? Que brasileiro não pode ser gênio;
os gênios estão lá fora; se for gênio, porque lá fora assim o reconhecem, é
apenas em sua terceira parte e, se melhor analisarmos, apenas numa quarta
parte. Vamos e venhamos: Quem diz ser Oscar Niemeyer um idiota apenas revela
que ele mesmo é um idiota consumado. Seguramente Azevedo está inscrito no número
bem definido por Albert Einstein: “conheço dois infinitos: o infinito do
universo e o infinito dos idiotas; do primeiro tenho dúvidas, do segundo
certeza”. O articulista nos deu a certeza que ele e a revista que o abriga
possuem um lugar de honra no altar da idiotice.
O que não
tolera em Oscar Niemeyer que, sendo comunista, se mostra solidário, compassivo
com os que sofrem, que celebra a vida, exalta a amizade e glorifica o amor.
Tais valores não cabem na ideologia capitalista de mercado, defendida por VEJA
e seu albergado, que só sabe de concorrência, de “greed is good” (cobiça é
coisa boa), de acumulação à custa da exploração ou da especulação, da falta de
solidariedade e de justiça em nível internacional.
Mas não nos
causa surpresa; a revista assim fez com Paulo Freire, Cândido Portinari, Lula,
Dom Helder Câmara, Chico Buarque, Tom Jobim, João Gilberto, frei Betto, João
Pedro Stédile, comigo mesmo e com tantos outros. Ela é um monumento à razão
cínica. Segue desavergonhadamente a lógica hegeliana do senhor e do servo;
internalizou o senhor que está lá no Norte opulento e o serve como servo
submisso, condenado a viver na periferia. Por isso tanto a revista quanto o
articulista revelam um completo descompromisso com a verdade daqui, da cultura
brasileira.
A figura que
me ocorre deste articulista e da revista semanal, em versão online, é a do
escaravelho, popularmente chamado de rola-bosta. O escaravelho é um besouro que
vive dos excrementos de animais herbívoros, fazendo rolinhos deles com os
quais, em sua toca, se alimenta. Pois algo semelhante fez o blog de Azevedo na
VEJA online: foi buscar excrementos de 60 e 70 anos atrás, deslocou-os de seu
contexto (ela é hábil neste método) e lançou-os contra Oscar Niemeyer. Ela o
faz com naturalidade e prazer, pois, é o meio no qual vive e se realimenta
continuamente. Nada de surpreendente, portanto.
Paro por aqui.
Mas quero apenas registrar minha indignação contra esta revista, em versão
online, travestida de escaravelho por ter cometido um crime lesa-fama. Reproduzo
igualmente dois testemunhos indignados de duas pessoas respeitáveis: Antonio
Veronese, artista plástico vivendo em Paris e João Cândido Portinari, filho do
genial pintor Cândido Portinari, cujas telas grandiosas estão na entrada do
edifício da ONU em Nova York e cuja imagem foi desfigurada e deturpada,
repetidas vezes, pela revista-escaravelho.
Oscar
Niemeyer e a imprensa tupiniquim – Antonio Veronese
Crítica
mesquinha, que pune o Talento, essa ousadia imperdoável de alçar os cornos
acima da manada. No Brasil, Talento, como em nenhum outro país do mundo, é
indigerível por parte da imprensa, que se acocora, devorada por inveja
intestina. Capitania hereditária de raivosos bufões que já classificou a voz de
Pavarotti de ruído de pia entupida; a música de Tom Jobim de americanizada;
João Gilberto de desafinado e Cândido Portinari de copista…
Quando morre um homem de Talento, como agora o grande Niemeyer, os raivosos bufões babam diante do espelho matinal sedentos de escárnio.
Não discuto a
liberdade da imprensa. Mas a pergunta que se impõe é como um cidadão, com a
dimensão internacional de Oscar Niemeyer, (sua morte foi reverenciada na
primeira página de todos os grandes jornais do mundo) pode ser chamado, por um
jornalista mequetrefe, num órgão de imprensa de cobertura nacional, de
metade-gênio-metade idiota? Isso após sua morte, quando não é mais capaz de
defender-se, e ainda que sob a desculpa covarde, de reproduzir citação de
terceiros…
O
consolo que me resta é que a História desinteressa-se desses espasmos da
estupidez. Quem se lembra hoje dos críticos da bossa nova ou de Villa-Lobos? Ao
talent, no entanto, está reservada a reverência da eternidade.
Antonio
Veronese
••••••••••••••••••
Meu caro
Antonio,
Que beleza o
seu texto, um verdadeiro bálsamo para os que ainda acreditam no mundo de amanhã
nascendo do espírito, da fé e do caráter dos homens de hoje!
Não é toda a
imprensa, felizmente. Há também muita dignidade e valor na mídia brasileira.
Mas não devemos nos surpreender com a revista semanal. Em termos de vileza, ela
sempre consegue se superar. Ela terá, mais cedo ou mais tarde, o destino de
todas as iniquidades: a vala comum do lixo, onde nem a história se dará o
trabalho de julgá-la.
Os arquivos do
Projeto Portinari guardam um sem número de artigos desta rancorosa revista,
assim como de outras da mesma editora, sobre meu pai, Cândido Portinari e
outros seus companheiros de geração. Sempre pérfidos, infames e covardes, como
este que vem agora tentar apequenar um grande homem que para sempre enaltecerá
a nossa terra e o nosso povo.
Caro amigo, é
impossível ficar calado, diante de tanta indignidade.
Com o carinho
e a admiração do Professor João Candido Portinari (portinari@portinari.org.br)
Via Pensador Anônimo
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