Postagem indicada pela leitora Elizabeth Bispo
Nossa. Que
jeito à queima roupa de começar esta conversa. Mas não tem outro. Os tempos
hoje são tuiterísticos, acelerados e diretos, como registra, aliás, a famosa
piada do coelhinho, em pleno desfrute de seu harém “tá bom, não foi?” (note-se:
essa frenética interpelação às orelhudas e macias parceirinhas, sempre ecoa
quase uma centena de vezes, antes de a piada acabar de ser contada.)
Ou aquele
chiste, no qual uma impaciente namorada termina por DM (direct message, no
twitter) seu último e deletável relacionamento. “Ai, gato, foi legal enquanto
durou. #partiumudanças.”
Assim, a seco.
Como rapadura sem caldo de cana, telegrama sem abraço ou pão dormido sem
manteiga. Vai um sexo aí, rima com anúncio de sandubas naturebas, vendidos por
ambulantes roucos e sudorentos, nas sempre lotadas praias cariocas.
Sem contar que
“pegar” hoje é um verbo que não tem nada a ver com pegar o ônibus, o filho na
escola, uma carona com o colega de trabalho. O papo é mais ou menos esse, entre
a galera acesíssima da geração y, depois de — não se sabe quantos — energéticos
misturados a bebidas destiladas, nas baladas: “E aí, brô, pegou muitas?” E o
outro: “Ih, mano, contei 11, acho.” “Pô, eu te passei véio, 15 minas tá bom pra
você?”
Questões
semelhantes comicham entre meus afoitos neurônios. Será que houve mesmo uma
dissociação e esquartejamento ontológico-afetivo entre sexo e amor. Algo do
tipo: “É pra agora ou pra viagem” nos fast-junk-foda-se dos McComes da
madrugada.
A razão de
tamanha reflexão e curiosidade adveio de fato viralizado em todas as mídias,
sobretudo nas redes sociais. O leilão de uma exemplar boneca inflável, a
Valentina (metafórico nome de protagonista de ficção científica, em versão
ocidental tridimensional do gênero shoujo mangás (do japonês 少女,
menina) presente nos excitantes quadrinhos japoneses.
Lances para o
acesso à sua exótica virgindade, seu almejado hímen de cyberskin, — pele
artificial desenvolvida pela NASA, quase idêntica à humana — a certa altura
ultrapassaram, a cifra de R$ 100 mil — conforme notícias nos jornais.
Olhos verdes,
cabelos castanhos, boca carnuda, seios grandes e pele sedosa. Esta é Valentina.
Irretocável, sublinhariam alguns. Não. Sugere prosaicos encaixes de
articulações, frisariam outros.
“No site de compra, você pode escolher cor de cabelo, de olhos, bunda, estatura, forma física. Você monta como quiser”, revela Rodolfo Elsas, sócio do buscador on-line Sexônico e organizador da Mostra Internacional de Bonecas Infláveis, em SP.
Para você e
suas ilações tremularem nas bases sinápticas de sua atônita massa encefálica,
saiba que a feira de bonecas infláveis também costuma oferecer modelos
masculinos acenando enleios com Barack Obama e Justin Bieber.
Decididos a
realizar este cobiçadíssimo fetiche, os interessados precisaram se cadastrar no
site e dar um lance pela virgindade da boneca.
O feliz
ganhador da noite inesquecível, porém, depois de consumada a conjunção
carnal-emborrachada, tem que devolver, aos prantos, que seja, a heroica
Valentina ao proprietário de origem, compromisso assegurado em contrato
previamente firmado junto ao seu dono (travestido, neste particular, de gigolô
pós-moderno). Infelizmente a partir de então, o futuro de Valentina — e o de
outras bonecas disponíveis no site — como garota de programa já está selado.
Acompanhamos
também a disputa internacional pela jovem catarinense Catarina Migliorini, de
20 aninhos, cujo anódino hímen foi arrematado por um empresário oriental. O
leilão foi finalizado em R$ 1,5 milhão.
Está bom para
você? Vai um sexo aí?
Praticidade,
fundos de investimento concupiscentes, loterias federais genitais, grande
prêmio nacional intravaginal, ou maxi herança erótica-programada.
É desse modo
que os enlaces e acordos acontecem. Sem mais delongas. Na verdade, quando se
começa a tricotar assuntos correlatos, unem-se pontos inusitados e fluxos
associativos que entretecem situações afinadas.
Paralelamente
ao desfile de bonecas infláveis, nos extasiamos com projeções holográficas
mirabolantes, como as exibidas nos shows da cantora virtual Hatsune Miku, que
conduzem ao delírio milhares de obcecados fãs. O projeto concebido pela Crypton
Future Media, no Japão, estrutura-se, por equivalência, a um mega-anime
pluridimensionado.
Especulemos em
uníssono: e se dispuséssemos neste instante de um espelho refletindo a exótica
situação, como numa variante tautológica do tema. Mocinhas de carne e osso
fazendo o possível e o impossível para se transformar em bonecas na vida real.
Como a já mundialmente conhecida adolescente ucraniana, Valeria Lukyanova,
aspirante definitiva, depois de submeter-se a várias cirurgias plásticas, ao
status de Barbie Humana.
Esta narrativa,
embora atice zonas do nosso longínquo imaginário, não possui, entretanto nada
de irreal, pois catalisa enredos transmidiáticos de storytellers
contemporâneos. Parodiando a ficção, a Barbie também encontrou o seu Ken
(boneco-gente ou rapaz embonecado ) no cotidiano. Se o casal será feliz para
sempre é outra história, embutida em um destino indecifrável.
Vimos,
portanto, que os trailers acima exibidos, de caráter sensório-experiencial, se
constituem de elásticas e aparentemente infindáveis vertentes.
Novos ou
velhos fatos, alguns deprimentes, bizarros, retorcidos, entranhados sem dúvida
em carências psicossexuais de toda ordem, solidão e medos relacionais
extremados.
Fato é que,
como nos antigos álbuns de cartolina de figurinhas de recortar e montar, ou o
desafiador encaixe de peças plásticas — vide as junções de partes de um cubo
mágico — ou ainda a acoplagem de um minucioso quebra-cabeças, apresenta-se uma
irrevogável e urgente questão. A cabeça, o tronco e os membros dos seres ditos
humanos (aos quais por enquanto pertenço) precisam se casar de novo.
Como o café se
cumplicia ao leite. O arroz com o feijão. A pipoca com o cinema. A fome com a
vontade de comer. E o desejo — ah, o desejo… — com o tesão ( mas, por favor,
que seja tesão de carne e osso, bem entendido).
*Graça Taguti é Escritora e professora
Da Revista Bula
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