Relato do lobista
Nilton Antonio Monteiro, preso na Penitenciária da Gameleira, reproduzido na página do jornal eletrônico mineiro Novo Jornal, acusa
parlamentares tucanos de o pressionar para que não fale sobre a “Lista de
Furnas”, como ficou conhecido o esquema de corrupção investigado pela Polícia
Federal durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, montado
para financiar campanhas políticas e o enriquecimento ilícito de seus
operadores.
Leia, aqui, a íntegra da matéria:
“Em tempos obscuros da
democracia brasileira Graciliano Ramos, detido pela Polícia Política do regime
então vigente escreveu uma obra prima da literatura nacional, Memórias do
Cárcere. Mesmo sem o talento do escritor, o lobista Nilton Antonio Monteiro
narra o mix de terror, pressão, dinheiro e poder a envolver
notadamente o primeiro período em que ele foi preso.
“De acordo com (…)
documentos autenticados página por página para oNovo Jornal, ‘o fato foi
determinado ao delegado Márcio Nabak por influência do atual deputado federal
por Minas Gerais Eduardo Brandão de Azeredo (PSDB), do atual secretário de Governo,
Danilo de Castro, da juíza Rosimeire das Graças do Couto, do promotor Adriano
Botelho Estrela, da promotora Rita de Cássia Mendes Rolla, do ex-presidente da
OAB Seção de Minas Gerais, advogado Raimundo Cândido Júnior, do empresário e
ex-deputado federal Vittorio Medioli, do ex-tesoureiro de campanha do senador
Eduardo Azeredo, Cláudio Mourão, do empresário Antônio Pontes Fonseca,
proprietário da Calsete Siderúrgica Ltda., na cidade de Sete Lagoas e
integrantes da Felipe Amodeo Advogados Associados’.
“Para Nilton Antonio
Monteiro, a entrada do delegado Márcio Nabak na história, substituindo o colega
dele João Otacílio Silva Neto na qualidade de chefe do Deoesp, ‘teve exatamente
a finalidade de tentar desqualificar aLista de Furnas’, além de desqualificá-lo
pessoalmente.
“O lobista faz uma
acusação grave ao afirmar que antes de ser preso o delegado Nabak, já
substituindo João Otacílio, lhe fez ‘uma proposta milionária dizendo-se
portador da cifra de cinco milhões de reais provenientes dos cofres de Vittorio
Medioli, Antônio Pontes Fonseca e Felipe Amodeo, para ser dividido entre os
dois, para que todos os problemas fossem encerrados’, principalmente o caso a
envolver a Lista de Furnas.
“Para a viabilização
do pretendido bastava a Nilton Antonio Monteiro reconhecer como falsa a Lista
de Furnas, o que teria gerado sérias conseqüências para o deputado estadual
mineiro Rogério Corrêa, do Partido dos Trabalhadores – PT – e mais pessoas
ligadas a ele. Nilton afirmou não poder aceitar a proposta, ‘pois a lista é reconhecidamente
autêntica’.
“Além disso, o
delegado Márcio Nabak pediu todos os documentos envolvendo o secretário Danilo
de Castro. Principalmente o que consta o nome de José Tasso de Oliveira,
ex-diretor da Espírito Santo Centrais Elétricas S/A – Escelsa.
“Nilton acusa a
autoridade policial de ter desaparecido com peças do inquérito e salienta que
fez, sem sucesso, denúncias à Corregedoria da Polícia Civil, à Fazenda Pública
e ao Ministério Público de Minas Gerais.
“A primeira prisão
dele ‘ocorreu na porta da Corregedoria no dia 20 de outubro de 2011, ligada à
prisão, em Vila Velha, no Espírito Santo, de Maria Maciel de Souza,
posteriormente transportada para Belo Horizonte’.
“Horror
“De acordo com
Monteiro, primeiro os policiais foram com ele até a residência onde ele morava
e depois o conduziram ao Deoesp onde foram feitos dois autos provisórios de
apreensão de documentos. Na noite do mesmo dia, o prisioneiro foi conduzido
para o Departamento de Investigações – DI.
“– Onde fiquei junto a
40 outros presos num ambiente imundo e nojento, todas as pessoas como eu
dormindo no chão’.
“Pela manhã, o
prisioneiro foi conduzido sob escolta para depor perante o delegado Márcio
Nabak e o promotor Adriano Botelho Estrela, que Nilton Antonio Monteiro acusa
de ‘pertencer ao grupo ligado ao secretário Danilo de Castro’. À noite, Nilton
retornou ao DI onde dormiu. Foram lavrados mais dois autos de apreensão na
presença do senhor promotor e com a assistência da defesa.
“À noite, conta o
depoente, há horas tantas um grupo de policiais abriu a porta do xadrez e
empurrou para dentro outro preso – segundo ele, um negro bastante forte.
“– Eu não conseguia
dormir e estava atento, preocupado com toda a situação. O novo preso vasculhou
todo o ambiente com o olhar e se dirigiu para o meu lado, me derrubando e
pisando fortemente em meu pescoço. Pensei que ia ser morto.
“Mas os demais presos
intervieram, gritaram muito e os policiais em serviço acabaram por retirar o
agressor do local. Na opinião de Nilton Antonio Monteiro, ‘isso aconteceu a
mando de alguém’. Ele confessa que o episódio o deixou bastante abalado. Depois
ele foi transferido para o Ceresp Gameleira, tendo ficado preso durante quatro
meses antes de ser libertado para posteriormente ser novamente detido.
“Intervenção do Poder
“Ainda detido no
Ceresp Gameleira, conta Nilton Antonio Monteiro, certa manhã ele foi retirado
da cela para conversar com o delegado Márcio Nabak que voltou a fazer
referência a uma proposta que tinha para lhe apresentar. Porém, antes de dizer
do que se tratava pediu-lhe para acompanhá-lo a uma sala mais reservada onde
estavam os deputados federais tucanos Rodrigo de Castro, filho do secretário
Danilo de Castro, Marcos Pestana, ex-secretário estadual da Saúde no governo
Aécio Neves, atual presidente do PSDB mineiro e Domingos Sávio, que foi líder
da bancada do PSDB também no governo do atual senador por Minas Gerais.
“A conversa, segundo
Monteiro, foi iniciada por Nabak afirmando-lhe que aquela era a última chance
que ele teria para negar a autenticidade da Lista de Furnas em troca de uma
deleção premiada capaz de comprometer o deputado estadual petista Rogério
Correa e pessoas a ele ligadas.
“O depoente acusa o
deputado Rodrigo de Castro, Mascos Pestana e Domingos Sávio de se referirem ao
PT ‘como partido de bandidos’, ‘tendo Rodrigo argumentado que os petistas pagam
muito bem. Marcos Pestana por sua vez queria saber de outros documentos que eu
pudesse ter comigo, se algum envolvia o senador Aécio Neves. Rodrigo de Castro
só queria saber de documentos envolvendo o nome do pai dele e se eu tinha algum
tipo de ligação com o deputado estadual Durval Ângelo, do PT’. Foram muitas as
insistências feitas, ‘sempre com o Márcio Nabak insistindo em delação premiada
e afirmando que o deputado Rogério Correa é bandido’. Mas diante da resistência
de Nilton Monteiro, ‘os deputados foram embora e eu voltei para a prisão’. Se
Nilton Antonio Monteiro tivesse aceitado as condições do grupo seria chamado,
como foi dito a ele o promotor Adriano Botelho, Estrela para testemunhar os
procedimentos legais.
“– A respeito desse
assunto eu escrevi para os deputados estaduais Rogério Correa e Durval Ângelo,
informando o que tinha acontecido.
“Segunda prisão
A segunda prisão de
Nilton Monteiro ocorreu nas dependências da Fazenda dos Parreiras, em posse do
depoente, quando ele lá estava tratando de negócios envolvendo a propriedade e
que ele discordava por entender que eram procedimentos “executados” para de
alguma forma comprometê-lo.
“Ele conta que
caminhava em companhia do seu sogro quando dois policiais saíram por detrás de
árvores e lhe deram voz de prisão, não permitindo que ele, que estava sem
camisa, pudesse pelo menos voltar na sede da fazenda para se trajar por
completo. Foi algemado com as mãos para trás e conduzido a uma viatura
descaracterizada. Nilton tem desconfianças de que um ex-funcionário da fazenda
telefonou avisando os policiais que ele estava no local. Algemado, ele conta
que foi ‘arrastado uns 200 metros’, sendo conduzido para a Delegacia de Venda
Nova. Uma longa viagem.
“Antes de chegar à
prisão, pelo menos por três vezes os policiais que o detiveram, sem exibir o
devido mandado de prisão, pararam em locais variados e o deixaram sozinho no
interior do veículo, dando-lhe ‘oportunidade de fuga’, o que ele em momento
algum tentou, presumindo ser aquilo uma manobra para existir a oportunidade de
execução sumária sob o argumento de tentativa de fuga. As saídas eram
demoradas, perto de matagais e os policiais postados à distância que lhe
permitiria tentar escapar, porém, sob o risco de tombar por disparos de armas
de fogo potentes e de longo alcance. Em uma dessas paradas ele escutou um dos
seus captores dizer: ‘O cabrito está preso’. Em outra ocasião os autores da
prisão receberam um papel cujo conteúdo até hoje Nilton Monteiro não sabe do
que se trata. Até então a sua prisão era caracterizada mais por arbitrariedades
do que legalidades, principalmente a ausência de um advogado de defesa. No
trajeto os policiais ainda foram à casa de um delegado no bairro Santa Amélia,
‘onde outro papel cujo teor eu também desconheço foi buscado’. De lá a viatura
seguiu para Venda Nova.
‘Quando chegaram à
Delegacia de Polícia de Venda Nova, eles me colocaram no ‘coró’ (cela na gíria
dos presos comuns’. Nilton reclama que ficou muito tempo sem comer e só aí foi
oferecido a ele um lanche que ele se recusou a comer ‘temendo ser envenenado’.
Quando ia jogar o alimento ao lixo outro preso disse que comeria, mas Nilton o
advertiu:
“– Se você quer comer
que coma, mas se morrer envenenado eu não terei culpa nenhuma.
“Mesmo assim o preso
se alimentou e nada aconteceu. Enquanto ele comia o telefone celular dele tocou
e depois de terminada a conversa Nilton perguntou a ele se poderia usar o
aparelho, o que foi consentido, oportunidade em que Monteiro se comunicou com a
família para dizer que do momento da sua prisão até àquela hora estava sem a
assistência de um advogado, sem camisa (apesar do tempo bastante frio) e sem
comer. Monteiro ficou até aproximadamente meia noite em Venda Nova, horário em
que foi transferido para o Deoesp onde dormiu algemado tanto nos pulsos quantos
nas pernas, inclusive com a utilização de correntes nos tornozelos.
Posteriormente Nilton Antonio Monteiro foi informado que ele não poderia ter
dormido naquelas dependências e de outro fato bastante grave, sem ter sido
submetido a um Auto de Corpo de Delito. Tais fatos já estão comunicados ao
Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Os mesmos episódios encontram-se relatados
à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
“Nilton Antonio
Monteiro só foi transferido novamente para o DI depois dos policiais rodarem
muito com ele por diversos lugares, já num domingo, quando a sua prisão
ocorrera no sábado. Porém, nesse ínterim foi convocado a depor perante a
delegada da Polícia Federal Josélia Braga da Cruz. Foi sugerido a Nilton
Antonio Monteiro, pela delegada, a sua ida para o presídio de segurança máxima
da Papuda, em Brasília, por questões de segurança e proteção de testemunha. Segundo
ele, a delegada federal ‘desempenhou o seu papel com extremo profissionalismo’.
Dela ouviu da impossibilidade de transferência para a Nelson Hungria, que
abriga igualmente presos da esfera federal indo parar no complexo penitenciário
de Neves onde ficou até 17 de maio de 2012 ‘sob intensa vigilância, porém, sem
sofrer nenhum mau trato’. Ao contrário da PF, a polícia mineira pretendia que
Nilton Antonio Monteiro ficasse detido no Departamento de Investigações – DI.
Hoje as autoridades competentes estão redobrando cuidados para que nenhum tipo
de agressão ocorra a ele e membros da sua família.
“Confirmação
“O deputado estadual
Rogério Correa, do PT, confirmou estar protocoladas na Comissão de Direitos
Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais as cartas enviadas por Nilton
Antonio Monteiro denunciando a trama que estava sendo armada, frisando que o
seu colega Durval Ângelo também recebeu as mesmas informações. Além do mais,
Rogério Correa disse ter encaminhado a denúncia ao Ministério Público de Minas
Gerais ‘que não tomou providências’.
“Ele comenta que o
delegado Márcio Nabak repassou à revista Vejainformações tentando
incriminá-lo e posteriormente ao jornal O Estado de Minas, levando o
deputado federal Domingos Sávio, (PSDB/MG), da cidade de Divinópolis, Centro
Oeste de Minas, a pedir a cassação do mandato dele, Rogério.
“– Entretanto a
situação era tão absurda que o próprio governo do Estado não conseguiu
mobilizar a sua base, tendo vários parlamentares se rebelado contra a situação
contra a qual se levantou também o presidente do Poder Legislativo, deputado
Diniz Pinheiro.
“Lembrou ainda que foi
de ‘valor inestimável’ a coragem do deputado Antônio Júlio, do PMDB, que
declarou, através da mídia, que a Lista de Furnas é verdadeira, acrescentando
ele próprio ter sido beneficiado ao comparecer pessoalmente perante Dimas
Fabiano e receber o montante de R$ 200 mil.
“O representante
petista disse ter sido informado também da visita feita pelos deputados
federais Marcos Pestana, Domingos Sávio e Rodrigo de Castro ao Ceresp Gameleira
para, a mando do senador Aécio Neves e do secretário Danilo de Castro, tentar
com a colaboração do delegado Márcio Nabak obter de Nilton Antonio Vieira a sua
implicação.
“A revista Veja está
sendo processada, observa Rogério Corrêa. Quanto ao jornal O Estado de
Minas, ele lembra que a Justiça já determinou o pagamento de multa e que o
próximo passo, que a Lei prevê caso não lhe sejam assegurados os seus direitos,
‘é a prisão do diretor responsável’. Ele ainda estuda qual atitude irá tomar em
relação ao delegado Márcio Nabak. ‘O caso é idêntico! O mesmo que Policarpo fez
com Calinhos Cachoeira, tentaram repetir aqui em Minas’.
Consultado, o deputado
Marcus Pestana respondeu: ‘O fato narrado nunca ocorreu e deve ser mais uma
fantasia do estelionatário Nilton Antônio Monteiro. É uma grosseira e deslavada
mentira. Portanto, tal fato inexistente envolvendo um conhecido falsário não
merece comentários’.
“Os deputados Domingo
Sávio e Rodrigo de Castro, igualmente consultados, nada responderam até o
fechamento desta matéria.
“Ressaltando, contudo,
que fica reservado aos mesmos o direito legal de acrescentarem a esta matéria
suas versões.
“A Comissão de
Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), encarregada
de apurar os fatos ocorridos e narrados através de correspondências enviadas do
cárcere por Nilton Monteiro a seus integrantes, promete emitir nota a respeito.
“Novo Jornal entregou
possível vídeo feito por celular do encontro para ser periciado.
“Nossa reportagem
solicitou, sem sucesso, do Ceresp Gameleira a lista de presença dos visitantes
do dia que possivelmente ocorreram os fatos denunciados.
“A Comissão Nacional
de Direitos Humanos informa que requisitará as imagens de vídeo da entrada do
presídio.
“A Comissão de Ética
da Câmara dos Deputados informou que só se pronunciará sobre o fato após ser
consultada oficialmente por quem de direito”.
A Lista de Furnas foi
recentemente denunciada também pela revista semanal independente Carta
Capital.
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Dag Vulpi