quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Cynara Menezes: O medo do hétero diante do gay

Por: Cynara Menezes 
Outro dia, numa festa, um grupo de homens comentava numa rodinha que um amigo tinha virado gay. Separou da mulher e virou gay. Assim, como quem descobre de um dia para o outro que prefere uva a maçã. “Eu sempre achei que ele levava jeito”, disse um deles. Não foi o suficiente para acalmar os demais. Reparei na risada um tanto nervosa daqueles machos cinquentões, como se aquele acontecimento tivesse o poder de balançar suas certezas, de lhes plantar uma pulga atrás da orelha: será que eu também…? Não foi a primeira vez que presenciei conversas do gênero. Ao contrário, elas têm se tornado cada vez mais frequentes.
Tenho notado também que, nos últimos tempos, volta e meia aparece uma notícia bizarra envolvendo se tornar homossexual num piscar de olhos. Literalmente. Em novembro passado, veio à tona a história do jogador de rúgbi britânico que, ao acordar do coma após sofrer um AVC, se descobriu gay, pintou o cabelo, emagreceu, começou a malhar na academia e arranjou um namorado. “Sei que parece estranho, mas quando ganhei consciência, imediatamente me senti diferente. Não estava mais interessado em mulheres, eu era definitivamente gay. E nunca tinha sentido atração por homens antes”, jurou o rapaz.
Na semana passada, uma transexual americana de 40 anos revelou que se chamava Ted, era felizmente casado com uma mulher e tinha dois filhos, até que, em uma tarde ensolarada de primavera, foi picado por uma abelha. Seu organismo passou então a perder testosterona, o hormônio masculino. Ao passar as mãos sobre sua pele e senti-la macia, gostou da metamorfose e resolveu ir mais fundo: fazer uma cirurgia de mudança de sexo. Ao contrário do jogador de rúgbi, porém, ela admitiu que, quando criança, brincava de se vestir de menina e tinha sentimentos ambíguos em relação à sua identidade.
Vejo dois sintomas aí: um é a relativa conveniência da situação. Deve ser bem mais cômodo atribuir a homossexualidade a um AVC ou a uma picadura (ops) de abelha do que admitir que sempre sentiu atração por pessoas do mesmo sexo. Algo como: “Ah, eu era superhetero e tinha três namoradas, até que um raio caiu na minha cabeça numa sexta-feira 13 e virei gay”. Ou: “Eu tinha uma família adorável com mulher e cinco filhos, mas um dia tomei por engano uma caixa de paracetamol e agora me sinto atraído por homens”. Num passe de mágica, contorna-se o conflito com a família e a sociedade: foi só um efeito colateral, gente.
Outro sintoma, mais subjetivo, é o completo pânico heterossexual que vejo por trás dessas notícias. “Quer dizer que eu também posso virar gay assim, sem mais nem menos?” Tenho observado que, com a maior divulgação da causa gay e a maior visibilidade dos próprios homossexuais, o mundinho hétero entrou em polvorosa. Como se os machos tivessem se transformado em uma espécie em extinção. Como se a homossexualidade fosse contagiosa e os que se salvarem da “praga” não fossem resistir ao meteoro que irá se chocar contra a Terra em 2014, matando todos os heterossexuais, assim como aconteceu com os dinossauros: bum! Ah, vocês não estavam sabendo disso? Brincadeirinha…
(Um terceiro sintoma poderia ser o desejo oculto de alguns de que o tal raio da homossexualidade caísse de uma vez por todas em sua cabeça. “Que alívio!” Mas esse eu deixo para os psicanalistas.)
Honestamente, rapazes? Não entendo do que vocês sentem tanto medo. Alguns dos homens mais bem resolvidos que eu conheci confessaram já ter sentido dúvidas em relação a sua sexualidade. Outros – menos numerosos, é verdade – até assumiram ter tido uma ou outra experienciazinha com o mesmo sexo, na infância e até depois dela. Relaxem, garotos. Tenho certeza que vai haver menos homofobia e mais tolerância no mundo no dia em que todo macho do planeta for capaz de admitir que pelo menos em algum momento da vida, por fugaz que fosse, passou pela sua cabeça que… Talvez… Quem sabe? E o que é que tem de mal nisso?
"Liberdade é a liberdade dos que pensam diferente." (Rosa Luxemburgo)

4 comentários:

  1. O texto é um tanto engraçado, mas não serve para todos os homens. Sou perfeitamente hetero, e nunca pratiquei violências contra homossexuais. Já trabalhei no carnaval, e fui demitido por chefes gays. Não me tornei homofóbico nem depois disso. O que ocorre é que há alguns homens que, por sadismo puro e simples, gostam de bater nos outros – em alguém, em qualquer um. Na falta de pretexto melhor, elegem os homossexuais. Nada que cadeia não resolva. É um santo remédio. Ademais, há uma contradição no comportamento de alguns homens, que fazem programas com travestis, e, depois, falam mal do homossexualismo. Namoradas e esposas já foram infectadas dessa forma, o que explica a má imagem que adquirimos junto às mulheres, por causa desses caras. Verdadeiros homens, mesmo que frequentassem a prostituição, boicotariam os travestis. Finalmente, eles são uma ameaça também aos heteros. Todos se lembram do vandalismo contra o Centro de Tradições Nordestinas em São Paulo, em 1992 (para ficar num exemplo). O mais irritante é que eles ainda se dizem nacionalistas. Mas como podem ser nacionalistas, e atacar um lugar que abriga a cultura nacional, que representa a alma do Brasil?

    Jorge Christian Rodrigues Cunha

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  2. Se o mundo é gay sinto muito mas não farei parte dele, pois tenho um filho e não gostaria de vêlo namorando outro rapaz, isso não é moral, ético e muito menos natural, vão ler a bíblia bando de degenerados.

    Paulo Glauber

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  3. E será que algum dia a bíblia deixará de ser usada como um código de conduta e leis absolutas por alguns? E será que as pessoas perceberão que nem sempre existiu essa ideia de homo/heterosexualismo? E poderemos então fazer uso dos antigos hábitos gregos? Haverá a possibilidade de ter relações entre pessoas e não apenas interação entre os sexos? O amor superará as barreiras geradas pelas distinções de gênero que alguns insistem em usar? E o “muro de Berlim sexual” será derrubado quando?

    GWL

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  4. Adorei o texto! Divertido, irônico, claro e leve. Sou gay e fico muito feliz quando vejo textos que abordam a intolerância dessa forma. Espero que ele ajude outros a refletir sobre as mazelas de não tolerar quem é diferente.

    Bruno

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