quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

"Mártires" e Mártires: Comparando as Experiências de África e Israel

 


"O que a África e Israel têm em comum: eles são povos mártires. O que os diferencia? Israel soube se apropriar da sua história, reescrevê-la e criar um complexo de culpa eterna nos povos que foram a causa do seu sofrimento e do seu genocídio".(ESCRAVIDÃO VERSUS HOLOCAUSTO).


Dag Vulpi - 21/02/2024

Na trajetória histórica de povos marcados por adversidades, tanto a África quanto Israel emergem como testemunhos de sofrimento e resiliência. No entanto, a forma como cada um abraça e molda sua narrativa histórica diferencia significativamente essas duas realidades.

A história é como um tecido entrelaçando as vivências de diferentes povos ao longo dos séculos. Ao explorar as experiências de África e Israel, torna-se evidente que ambos carregam o fardo de mártires, mas é na maneira como lidam com essa herança que suas trajetórias divergem.

Israel, após o Holocausto, soube habilmente se apropriar de sua história, transformando-a em um elemento central de sua identidade nacional. A habilidade de reescrever o passado e criar uma narrativa que perpetua a memória das atrocidades sofridas permitiu que Israel construísse um complexo de culpa eterna nos povos que foram, em grande parte, responsáveis por seu sofrimento e genocídio.

Essa narrativa, somada à criação do Estado de Israel, desencadeou discussões sobre responsabilidade, reparação e as complexidades morais envolvidas. A capacidade de transformar o sofrimento em um instrumento de construção de identidade é um fenômeno singular que define a experiência israelense.

Por outro lado, a África enfrenta desafios distintos em sua relação com o passado. Marcada pela colonização, escravidão e conflitos pós-coloniais, a África muitas vezes lida com uma história que foi moldada por influências externas. A apropriação de sua própria narrativa é um processo em constante evolução, com diversos países e comunidades buscando redefinir seu papel no contexto global.

As semelhanças e diferenças entre as experiências de África e Israel são cruciais para reconhecer a complexidade dessas narrativas e as implicações éticas envolvidas na construção da memória coletiva. Ambos os povos, de maneiras únicas, buscam compreender, honrar e transcender as marcas do sofrimento, desafiando-nos a refletir sobre a natureza da identidade, responsabilidade histórica e o papel da memória na construção de um futuro comum.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Africa do Sul acusa Israel de cometer Apartheid em Gaza


Ministra das Relações Exteriores da África do Sul, Naledi Pandor

Dag Vulpi - 20/02/2024

É evidente que a ONU não reconheceria prontamente as alegações globais de genocídio perpetrado pelo Estado de Israel contra os palestinos. Afinal, foi a própria ONU que desempenhou um papel crucial na criação do Estado de Israel no território originalmente designado para a Palestina. Na época, a organização enfrentou a complexa tarefa de resolver um problema que não foi originado pela Palestina, mas sim pelas atrocidades cometidas pela Alemanha Nazista de Hitler durante a Segunda Guerra Mundial.

Ao estabelecer o Estado de Israel, a ONU buscava oferecer uma solução duradoura para as comunidades judaicas que haviam sido vítimas de perseguições e do Holocausto. No entanto, essa decisão histórica também desencadeou um conflito complexo e contínuo na região, envolvendo direitos territoriais e aspirações nacionais.

Embora o contexto histórico seja inegavelmente desafiador, é crucial que a comunidade internacional, incluindo a ONU, busque abordar as preocupações legítimas sobre os direitos humanos na atualidade, sem ignorar as raízes complexas e históricas do conflito israelense-palestino. Uma abordagem equilibrada e colaborativa é essencial para encontrar soluções que respeitem os direitos de todas as partes envolvidas e promovam a paz duradoura na região.

Após a ONU descartar as alegações de "genocídio" contra Israel, a África do Sul levanta a voz, alegando que o país do Oriente Médio está perpetrando práticas de apartheid na região de Gaza. As tensões entre os dois países atingem novos patamares, enquanto a África do Sul expressa preocupações sobre a situação dos direitos humanos na Palestina.

Em meio a um cenário geopolítico já conturbado, a relação entre Israel e a África do Sul atinge um ponto crítico, após a Organização das Nações Unidas (ONU) rejeitar as alegações de "genocídio" feitas contra Israel. A África do Sul, por sua vez, intensifica suas críticas, alegando que o Estado do Oriente Médio está perpetuando práticas de apartheid na região de Gaza.

A acusação sul-africana não apenas adiciona um capítulo complexo às relações internacionais já delicadas, mas também amplia o debate sobre os direitos humanos na Palestina. Enquanto Israel nega veementemente as acusações de apartheid, a África do Sul argumenta que as políticas e práticas em Gaza estão causando segregação e violações dos direitos fundamentais dos palestinos.

O incidente destaca a divisão persistente na comunidade internacional em relação ao conflito israelense-palestino, com diferentes nações adotando perspectivas diversas. A crescente tensão entre Israel e a África do Sul agora lança luz sobre as complexidades diplomáticas e as implicações regionais, enquanto ambos os lados defendem suas posições e a busca por uma solução justa continua a ser um desafio espinhoso na arena global.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Navegando pelos Desafios da Era Digital para o Bem-Estar Pessoal e Relacionamentos


Dag Vulpi

A sociedade contemporânea foi presenteada com a dádiva da conectividade instantânea, mas junto com ela emergiu uma cultura que demanda presença online constante. A pressão por responder a mensagens instantaneamente, manter-se atualizado nas redes sociais e participar de conversas virtuais ininterruptas cria um ambiente onde o descanso e o desconectar-se tornam desafios crescentes.

Estamos imersos em uma era digital marcada pela velocidade das informações, interconexão global e avanços tecnológicos incessantes. Este cenário oferece oportunidades extraordinárias, mas também impõe desafios significativos à nossa saúde mental, relações interpessoais e ao equilíbrio geral da vida.

Uma sombra silenciosa se forma: a pressão por estar sempre online. Essa constante conectividade molda nossas vidas, gerando não apenas a ansiedade da hiperconexão, mas também minando nossa capacidade de concentração e reflexão. Afinal, quais são os verdadeiros custos dessa busca constante pela presença digital?

Estudos recentes têm lançado luz sobre os efeitos psicológicos desse uso excessivo da tecnologia. A ansiedade da FOMO (Fear of Missing Out) tornou-se uma sombra constante, alimentada pelo constante bombardeio de informações nas plataformas digitais. A sensação de estar sempre "conectado" pode levar a altos níveis de estresse, impactando negativamente o nosso bem-estar emocional.

Além disso, a constante estimulação digital tem efeitos tangíveis em nossa capacidade de concentração e reflexão. A multitarefa digital, muitas vezes vista como uma habilidade valiosa, na verdade, pode fragmentar nossa atenção e prejudicar a qualidade do pensamento profundo. Estamos constantemente pulando de uma notificação para outra, raramente permitindo que nossas mentes se aprofundem em uma única tarefa. A perda de momentos de contemplação e silêncio mental tem implicações diretas em nossa saúde mental. A reflexão, essencial para o autoconhecimento e crescimento pessoal, muitas vezes cede lugar a uma avalanche constante de estímulos externos. Essa falta de espaço mental pode contribuir para o aumento da ansiedade e do esgotamento, prejudicando a qualidade de vida.

Encontrar um equilíbrio saudável entre a conectividade online e o tempo offline torna-se crucial para preservar nossa saúde mental. Definir limites claros, adotar práticas de mindfulness e reconhecer a importância de períodos de desconexão são passos essenciais para contrabalançar os impactos negativos da constante conectividade. Ao fazer isso, podemos cultivar um ambiente digital mais consciente, promovendo não apenas a qualidade, mas também a sustentabilidade de nossas vidas digitais e analógicas.

Estratégias para uma Pausa Digital Consciente:

Encontrar momentos de tranquilidade e desconexão torna-se essencial para preservar nossa saúde mental e promover um equilíbrio saudável entre a vida online e offline. Estabelecer limites para o tempo de uso de dispositivos é o primeiro passo para uma desconexão significativa. Identificar períodos específicos do dia para desligar-se do mundo digital, como durante as refeições ou antes de dormir, cria espaço para a recuperação mental e emocional. Esses limites podem ser ajustados conforme as necessidades individuais, mas a chave está em estabelecer fronteiras que respeitem o tempo dedicado à vida offline.

Incorporar atividades offline em nossa rotina diária é fundamental para uma pausa digital consciente. Ler um livro, praticar exercícios físicos, meditar ou simplesmente caminhar ao ar livre são exemplos de atividades que nos permitem desconectar enquanto nutrimos outros aspectos de nossa vida. Esses momentos são oportunidades para recarregar as energias, estimular a criatividade e fortalecer os laços interpessoais.

A eficácia da desconexão está diretamente ligada à qualidade do tempo gasto online. Ao gerenciar conscientemente o tempo dedicado a aplicativos, redes sociais e entretenimento digital, podemos evitar o desperdício de horas preciosas e concentrar-nos em atividades mais significativas. Ferramentas de controle de tempo e aplicativos que monitoram o uso do dispositivo podem ser aliados valiosos nesse processo.

Adotar uma mentalidade consciente em relação ao uso da tecnologia é crucial para uma pausa digital bem-sucedida. Isso envolve avaliar regularmente como nos sentimos após períodos de desconexão, ajustar hábitos conforme necessário e estar atentos aos sinais de dependência digital. A consciência digital nos capacita a tomar decisões informadas sobre quando e como desconectar, garantindo que nossa relação com a tecnologia seja equilibrada e saudável.

Ao implementar essas práticas, podemos transformar a desconexão de uma mera pausa digital em uma jornada consciente em direção ao equilíbrio. Encontrar momentos de descanso e contemplação longe das telas não apenas revitaliza nossa mente, mas também fortalece nossa capacidade de enfrentar as demandas digitais com clareza e propósito

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

A Polarização Política Pós-2013 e a Ascensão da Truculência Direitista no Cenário Eleitoral Brasileiro


 

Dag Vulpi

Após os eventos marcantes de 2013, que culminaram no impeachment da presidente Dilma em 2016 e na prisão do ex-presidente Lula pela Lava Jato em 2018, observou-se uma transformação significativa no cenário político brasileiro. Grupos de direita, antes confinados ao mundo virtual, emergiram como protagonistas no processo eleitoral, destacando-se por sua intensa oposição ao PT. O discurso adotado, permeado por rótulos da Guerra Fria e termos modernos igualmente controversos, trouxe consigo uma onda de verborragia discriminatória e uma polarização que atingiu níveis preocupantes.

Nos anos que se seguiram aos conturbados eventos de 2013, o panorama político brasileiro experimentou uma metamorfose que foi além das mudanças no poder. Grupos de direita, uma vez relegados aos confins da internet, emergiram como atores-chave no cenário eleitoral, com uma agenda voltada para o combate ferrenho ao Partido dos Trabalhadores (PT). O impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016, e a subsequente prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2018, serviram como catalisadores para a ascensão desses grupos.

A retórica adotada pelos adeptos da direita extrapolou os limites do debate político saudável. Utilizando rótulos da Guerra Fria, como "comunistas", e termos modernos, como "bolivarianos", os críticos do PT construíram um discurso que ia além da mera discordância ideológica. A verborragia discriminatória atingiu proporções alarmantes, transformando a insatisfação em rancor e, posteriormente, em ódio.

A medida que as eleições se aproximavam, testemunhamos um fenômeno perturbador: casos de constrangimento em função de preferência política tornaram-se corriqueiros, enquanto relatos de violência verbal e até física em manifestações políticas ganhavam as manchetes. A disputa presidencial, longe de ser apenas uma troca de ideias e propostas, transformou-se em um campo de batalha onde a agressividade atingiu níveis raramente vistos.

Este fenômeno complexo exige uma análise mais profunda. Como a polarização política impacta a sociedade brasileira? Como podemos reconciliar diferenças e construir um diálogo mais saudável em meio a tanta hostilidade? Estas são questões cruciais que devemos enfrentar enquanto navegamos pelo turbulento cenário político do Brasil pós-2013.

sábado, 3 de fevereiro de 2024

Perspectivas Filosóficas Sobre a Construção, Organização e Formação da Mente


Dag Vulpi

Desde o século XVII até o final do século XIX, filósofos como John Locke, Immanuel Kant e Wilhelm Wundt lançaram as bases para compreendermos as complexidades da mente humana, explorando a origem do conhecimento, os mecanismos da cognição, percepção, apercepção e o processo de organização dos elementos mentais. Cada pensador, em sua época, desafiou paradigmas estabelecidos, contribuindo para uma narrativa evolutiva que moldou nossa compreensão da mente e da experiência humana.

Ao longo dos séculos, filósofos influentes foram protagonistas na jornada da compreensão humana. John Locke, no século XVII, redefiniu a aquisição do conhecimento ao negar ideias inatas, propondo uma "lousa vazia" pronta para ser preenchida pela experiência. No século XVIII, Immanuel Kant revelou a percepção como uma construção ativa, desafiando a visão tradicional de que era simplesmente a soma de partes sensoriais. No mesmo caminho, Wilhelm Wundt, no final do século XIX, desvendou a apercepção, defendendo que a organização dos elementos mentais cria compostos psíquicos únicos, transcendendo a simples soma de características.

Essas perspectivas filosóficas, entrelaçadas no tempo, formam uma tapeçaria complexa de ideias sobre como a mente humana adquire conhecimento, interpreta o mundo ao seu redor e organiza seus pensamentos. Cada filósofo contribuiu com uma peça única para esse quebra-cabeça, desencadeando reflexões que ecoam até os dias atuais. Nesse contexto, a busca pelo entendimento da mente humana continua a desafiar, inspirar e moldar nosso percurso intelectual.

COGNIÇÃO

No século XVII, o filósofo inglês John Locke traçou os alicerces da compreensão do processo cognitivo ao desafiar as ideias contemporâneas sobre a origem do conhecimento. Locke, em sua obra visionária, delineou uma abordagem revolucionária que moldaria o entendimento da mente humana por gerações.

John Locke, um dos grandes pensadores do Iluminismo, deixou um impacto duradouro na compreensão da mente humana e do processo cognitivo. Ao contrário de contemporâneos que sustentavam a existência de ideias inatas, Locke postulou que a mente, ao nascer, é uma "tabula rasa" - uma lousa vazia, desprovida de conhecimento prévio.

Para Locke, o processo cognitivo começa com a experiência sensorial. Ele argumentava que todas as ideias derivam da sensação ou reflexão, sendo a sensação proveniente da experiência direta com o mundo físico e a reflexão originada da mente revisando e organizando essas experiências.

A mente, segundo Locke, age como uma operária ativa, organizando e combinando as impressões sensoriais para formar ideias mais complexas. Esse processo de sensação e reflexão é fundamental para a construção do conhecimento, e Locke enfatizava a importância de experiências tangíveis na formação das ideias.

O filósofo acreditava que as ideias resultantes não são simples reproduções das sensações originais, mas sim uma síntese criativa. A mente, ao refletir sobre as sensações, gera conceitos e abstrações cada vez mais complexos. Dessa forma, o processo cognitivo, para Locke, é uma atividade dinâmica e contínua, moldando a mente ao longo da vida.

As contribuições de Locke para a psicologia cognitiva e a filosofia da mente são inegáveis. Sua visão da mente como uma "tabula rasa" influenciou futuros pensadores, incluindo empiristas e behavioristas. Ao descrever o processo cognitivo como uma construção ativa a partir da experiência, Locke forneceu um alicerce crucial para a compreensão moderna da mente humana e da forma como adquirimos conhecimento.

PERCEPÇÃO

No século XVIII, o filósofo alemão Immanuel Kant lançou luz sobre os complexos mecanismos da percepção humana, desafiando visões tradicionais e propondo uma abordagem revolucionária. Kant argumentava que a experiência de um objeto não é simplesmente a soma de suas partes sensoriais, mas uma construção ativa da mente.

Immanuel Kant, figura central no Iluminismo, deixou um legado impactante ao abordar o processo de percepção humana com uma perspectiva inovadora. Diferentemente de seus predecessores, Kant propôs que a percepção não é uma mera soma de partes sensoriais, mas uma organização ativa desses elementos pela mente.

Para Kant, a mente humana não é uma simples espectadora do mundo, mas uma participante ativa na construção do significado. Ele introduziu o conceito de "a priori" e "a posteriori", argumentando que a mente contribui com estruturas inatas ("a priori") que moldam a percepção, mas ainda assim, essa percepção é enriquecida por experiências sensoriais específicas ("a posteriori").

Kant rejeitou a ideia de que conhecemos o mundo exatamente como ele é em si mesmo, propondo que percebemos o mundo através de categorias mentais inatas. Ele destacou a importância da subjetividade na percepção, argumentando que a mente não é uma tela passiva, mas sim um participante ativo na criação do significado.

A percepção, para Kant, envolve uma síntese ativa dos dados sensoriais, organizados pela mente para formar uma experiência unificada. Essa abordagem revolucionária influenciou não apenas a filosofia, mas também campos como a psicologia cognitiva e a neurociência.

As ideias de Kant sobre o processo de percepção desencadearam um debate duradouro sobre a natureza da realidade e a contribuição da mente na construção do conhecimento. Seu legado persiste como um marco na compreensão da percepção humana, desafiando-nos a considerar não apenas o que percebemos, mas como participamos ativamente na criação do nosso mundo perceptivo.

APERCEPÇÃO

No final do século XIX, o psicólogo alemão Wilhelm Wundt lançou as bases para uma compreensão mais profunda da mente humana com sua teoria inovadora da apercepção. Wundt argumentou que o processo de organização dos elementos mentais não era uma simples soma, mas uma síntese criativa que dava origem a novas propriedades.

Wilhelm Wundt, muitas vezes considerado o pai da psicologia experimental, deixou uma marca indelével ao introduzir a teoria da apercepção no final do século XIX. Contrariando visões contemporâneas que reduziam a mente a uma soma de partes isoladas, Wundt defendeu que o processo de organização dos elementos mentais formava uma síntese criativa, gerando propriedades únicas nos compostos psíquicos resultantes.

A apercepção, segundo Wundt, era mais do que uma simples percepção; era a capacidade da mente de interpretar, organizar e atribuir significado aos estímulos sensoriais. Ele propôs que a mente desempenhava um papel ativo na síntese dos elementos, transcendendo a simples combinação de partes. Essa síntese criativa não apenas organizava os elementos mentais, mas também conferia novas características aos compostos psíquicos que emergiam desse processo.

A lei das resultantes psíquicas, como formulada por Wundt, encontrava expressão nas funções aperceptivas, que envolviam atividades como imaginação e compreensão. A mente, ao interpretar os estímulos sensoriais, atribuía-lhes significado com base nas experiências pessoais, emoções e conhecimento acumulado.

A teoria da apercepção de Wundt contribuiu significativamente para a psicologia ao enfatizar a natureza ativa e dinâmica da mente humana. Suas ideias influenciaram não apenas a psicologia experimental, mas também contribuíram para o desenvolvimento de abordagens mais abrangentes, como a psicologia cognitiva. A compreensão da apercepção como um processo de síntese criativa continua a moldar a forma como percebemos a mente e sua capacidade única de dar significado ao mundo ao nosso redor.

A escola como aparelho de formação para a cidadania nos Sistemas Prisionais




I Seminário Regional de Ensino e Relações Étnico-Raciais

"Para além das celas de aula: a efetividade do direito à educação e sua importância na ressocialização dos presos".
Molaynni Cerillo Santos*
Eliane Gonçalves da Costa**

Da análise dos dados divulgados no INFOPEN – Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias –, verifica-se que a maioria das pessoas presas em presídios brasileiros não concluiu o ensino fundamental e muitas são analfabetas. Embora o acesso à educação seja um direito do preso, poucas unidades prisionais do país têm escola. Nessas unidades, as quantidades de vagas na escola não são suficientes para atender à comunidade prisional, o que viola o artigo 18 da Lei nº 7.210/84, Lei de Execução Penal – LEP. A escolarização no sistema prisional, por não atender a todos, é vista como um benefício. Essa visão de “benefício” (e não de direito) é reforçada pela remição de pena prevista no artigo 126, §1º da LEP, segundo a qual, para cada três dias de aula, o aluno tem um dia a menos na pena. A pesquisa tem como propósito refletir sobre a realidade da educação oferecida nos presídios capixabas e pensar uma proposta pedagógica para a educação prisional. Serão analisados os documentos que trazem à tona as diretrizes nacionais para educação escolar nas prisões, de publicação recente, e sua aplicação à realidade das unidades prisionais do Espírito Santo, dialogando com o referencial empírico das representações dos presos e dos sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, ressaltando e contextualizando suas vozes. Será utilizada como ferramenta de pesquisa a entrevista semiestruturada e grupo focal. Será utilizado como base teórica Michel Foucault (2004, 2012 e 2014), Guilherme de Souza Nucci (2013) e Elizabeba Rebouças Rebouças Tomé Praciano (2007) para discutir a evolução histórica da função da pena de prisão. Na perspectiva pedagógica a educação prisional será pensada a partir da interculturalidade tendo como base teórica Vera Maria Ferrão Candau (2012), Tomaz Tadeu da Silva (1994), Paulo Freire (2017) e Carlos Willians Jaques Morais (2013). No Estado do Espírito Santo a população carcerária era de 19.413 pessoas em junho de 2016, sendo que 64% estavam na faixa etária de 18 a 29 anos. A porcentagem da população carcerária que não concluiu o ensino fundamental é de 62% distribuídos da seguinte forma: 3% analfabetos, 6% alfabetizados sem cursos regulares e 53% de pessoas que têm o ensino fundamental incompleto. Apesar da potencial demanda para os cursos de educação de jovens e adultos, em junho de 2016 apenas 19% da população carcerária capixaba estava envolvida em alguma de ensino escolar, compreendida nessa categoria as atividades de alfabetização, formação de ensino fundamental até ensino superior, cursos técnicos (acima de 800 horas de aula) e curso de formação inicial e continuada (capacitação profissional, acima de 160 horas de aula).
A escola é uma instituição essencial na constituição do indivíduo.

Sua função principal é justamente formar o social. Sendo a escola um aparelho de formação para a cidadania, com significativa contribuição no processo de transformação estrutural da sociedade, o acesso a ela no sistema prisional é indispensável. Quando pensamos a função da escola nessa perspectiva e compreendemos a prisão como, de alguma forma, uma falha da sociedade e da escola enquanto um aparelho da sociedade, verificamos que levar a educação para o espaço prisional é criar um procedimento de ressocialização e de tentar cumprir o que num primeiro momento não foi possível dentro da escola comum. Logo, ao garantir a assistência educacional às pessoas privadas de liberdade, estamos reintegrando o preso a sociedade. A educação tem um papel fundamental no processo de ressocialização, mas para que seja eficiente no seu intento ressocializador ela precisa ser diferenciada, principalmente nas prisões. A educação prisional deve estar pautada numa pedagogia decolonial e intercultural, que possibilite ao preso se (re)construir e se reconhecer como sujeito de direitos e deveres perante a sociedade; deve ser uma educação prática que possibilite ao preso ser inserido no mercado de trabalho e, assim, ter alternativa além do crime, quebrando o estigma de que o presídio é escola de criminalidade. Conhecer e analisar a educação oferecida nas prisões e sua adequação a função social da pena, formulada pela Lei de Execução Penal, constitui uma importante contribuição para orientar a atuação do Poder Público e fomentar o debate social sobre a função e a organização das prisões no país.
Pensar uma proposta para a educação nas prisões voltada para o processo de ressocialização das pessoas em privação de liberdade contribuirá para diminuição do índice de reincidência criminal, freando o aumento da população carcerária.
Palavras-chave: Educação prisional. Direito à educação.
Ressocialização. Educação de adultos presos.
*Mestranda do Programa de Pós-graduação em Ensino na Educação Básica,
PPGEEB – CEUNES/UFES. Graduação em Letras/UFES. Bacharel em Direito pela Faculdade de Aracruz – FAACZ. Advogada. Professora do curso de Direito da Faculdade MULTIVIX. E-mail: molaynnicerillo@hotmail.com
**Pesquisadora e Professora no Programa de Pós- graduação em Ensino na Educação Básica, PPGEEB – CEUNES/UFES. Doutora em Letras/UNESP.
Mestre em Literatura e Crítica Literária, PUC/SP. E-mail
elianecoordena@gmail.com"

Sobre o Blog

Este é um blog de ideias e notícias. Mas também de literatura, música, humor, boas histórias, bons personagens, boa comida e alguma memória. Este e um canal democrático e apartidário. Não se fundamenta em viés políticos, sejam direcionados para a Esquerda, Centro ou Direita.

Os conteúdos dos textos aqui publicados são de responsabilidade de seus autores, e nem sempre traduzem com fidelidade a forma como o autor do blog interpreta aquele tema.

Dag Vulpi

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