quarta-feira, 27 de maio de 2020

Dilemas morais



Dilemas são momentos nos quais há hesitação ou inquietação quanto as nossas decisões. Experimenta-se, também, uma série de emoções e sensações, o que pode resultar em angústia. Não se trata, entretanto, de um sentimento de culpa ou de um conflito, simplesmente. Se, por exemplo, alguém experimenta uma demanda moral para agir de determinada maneira, mas possui interesses contrários a essa ação, muitos filósofos diriam que esse não é um dilema genuinamente moral.

dilema moral envolve uma situação na qual um agente está moralmente obrigado a agir, e ele ou ela precisa escolher entre duas ou mais ações possíveis, sendo que realizar uma implica em não realizar a(s) outra(s). Um questionamento surge naturalmente: como podemos aceitar que alguém esteja moralmente obrigado a realizar duas ações conflitantes?

Não seria muito difícil escolher entre desmarcar um compromisso, pessoal ou profissional, e levar uma pessoa acidentada ao hospital. Considera-se que algumas ações possam anular outras – não ao desconsiderar seus valores ou implicações morais, mas ao colocá-los em segundo plano diante do contexto da situação –, pois o valor moral que fundamenta essas ações se sobrepõe ao(s) valor(es) que fundamentam as outras opções. Muitos dilemas do cotidiano consistem exatamente na dificuldade de avaliar essa característica anuladora.

A filósofa Philippa Foot abordou muitos dilemas em seus textos e idealizou um dos mais conhecidos exemplos no meio acadêmico:

“Edward é condutor de um bonde cujos freios falharam. No trilho adiante dele, estão cinco pessoas. As margens são tão íngremes que elas não serão capazes de sair do trilho a tempo. O trilho tem um desvio à direita e Edward pode virar o bonde para este lado. Infelizmente, há uma pessoa neste trilho. Edward pode virar o bonde matando esta pessoa, ou ele pode abster-se de virar o bonde, matando os cinco. ” (THOMSON, 1976, p. 206)

A situação aproximasse do cotidiano, quando nos encontramos entre a ação e a omissão. A solução de Philippa Foot, em todo caso, toma por base a distinção entre os deveres positivos, nos quais temos uma obrigação para agir, como cuidar de crianças, e os negativos, que consistem em ações que devemos evitar, como matar um assaltante, que teriam precedência.

Judith Jarvis Thomson associa esse caso ao de um juiz que é confrontado com a exigência de que um crime seja julgado. Embora a polícia não tenha nenhum suspeito, cinco reféns morrerão se o juiz não apresentar um culpado. Os casos são certamente distintos. O condutor precisa decidir entre dois deveres negativos, o de evitar matar cinco pessoas e o de evitar matar uma pessoa, mas o médico está entre um dever negativo e outro positivo, a saber o de prestar ajuda. Por que aceitaríamos ser permissível matar um no caso do bonde, mas não aceitaríamos matar um no caso do médico?

Judith Thomson propôs uma importante revisão do exemplo original de Philippa Foot, que se tornou conhecido como o dilema do bonde. Em sua modificação, um transeunte está próximo ao local em que o bonde trava, o que traz a oportunidade de alterar a trajetória do bonde através de uma alavanca:

“Parecerá, talvez, para alguns até mesmo menos evidente que a moralidade requeira do transeunte que vire o bonde do que a moralidade requerer do condutor que vire o bonde; talvez alguns se sintam até mais desconfortáveis com a ideia de o transeunte virar o bonde do que com a ideia de o condutor virá-lo. [...] Sua escolha é, portanto, entre acionar a alavanca, caso no qual ele mata um, e não acionar a alavanca, caso no qual deixa cinco morrerem.” (THOMSON, 1985, p. 1398, tradução nossa)

A intuição de que matar um é pior do que deixar cinco morrerem é colocada em cheque com essa revisão!

Em geral, os dilemas trabalhados em filosofia são experimentos de pensamento, desenvolvidos para explicitar nossas intuições e questioná-las. Em outros casos, servem para refletirmos nas explicações teóricas dos valores morais. Além dos dilemas elaborados filosoficamente, há outros dilemas, como a escolha de Sofia, por exemplo. Temos também, em um contexto mais amplo, o dilema de Abraão, descrito no livro de Gênesis, entre obedecer a Deus e sacrificar o próprio filho.
O importante é perceber que o caráter ficcional dos dilemas não elimina sua relevância para a reflexão moral.

Marco Aurélio Caetano Oliveira é Mestre em Filosofia (UFRJ, 2012)
Especialista em Planejamento, Implementação e Gestão da Educação (UFF, 2015)
Graduado em Filosofia (UFRJ, 2010)


Referências:

FOOT, Philippa. The problem of abortion and the doctrine of double effect. In: Virtues and Vices and Other Essays in Moral Philosophy. Los Angeles: University of California Press, 1978. p. 19-32.

_____. Moral Dilemmas Revisited. In: Moral Dilemmas and other topics in Moral Philosophy. Oxford: Clarendon Press, 2002. p. 175-188.
THOMSON, Judith Jarvis. Killing, letting die and the trolley problem. The Monist, v. 59, n. 2, p. 204-217, apr. 1976. Disponível em: <https://doi.org/10.5840/monist197659224> Acesso em: 30.04.2018.

_____. The Trolley Problem. The Yale Law Journal, v. 94, n. 6, p. 1395-1415, may 1985. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/796133>. Acesso em: 20.03.2018.
Texto originalmente publicado em https://www.infoescola.com/filosofia/dilemas-morais/

A autonomia do observado, segundo a Hermenêutica


Por André Luis Silva da Silva

A partir da tradição sustentada por Dilthey, se pretendeu estabelecer uma teoria geral do modo como as objetivações da experiência humana podem ser interpretadas, defendendo a autonomia do objeto de interpretação, e à possibilidade de uma objetividade histórica na elaboração de interpretações válidas.

Dilthey adaptou o conceito de hermenêutica de Schleiermacher, como método de compreensão (doutrina ou teoria da arte de interpretar textos), tomando por base “uma análise da compreensão como tal e, incluindo no âmbito das suas investigações sobre o desenvolvimento das ciências do espírito, também prosseguiu no desenvolvimento da hermenêutica”. Schleiermacher colocou a hermenêutica, como doutrina da arte da compreensão, e enquanto disciplina, na relação com a gramática, a retórica e a dialética, sendo tal metodologia formal (HEIDEGGER, 2012).

A tradição hermenêutica de Heidegger e Gadamer orientou-se para a questão mais filosófica do que a interpretação em si mesma, defendendo que o ato da compreensão está ligado à descrição do que é; ”está a fazer ontologia e não metodologia”. Conforme seus opositores, ambos são críticos destrutivos da objetividade e pretendiam “mergulhar a hermenêutica num pântano de relatividade, sem quaisquer regras” (PALMER, 1986).

Heidegger avançou propondo que a hermenêutica, em seu significado mais moderno, seja abordada muito menos no sentido estrito de uma teoria da interpretação, mas que persiga o significado original do termo gregohermêutiká - que deriva de Hérmes, o deus mensageiro dos deuses - na realização do hermenéien (do comunicar), ou seja, da interpretação da faticidade que conduz ao encontro, visão, maneira e conceito fático. Entende ele por fático “algo que é”, articulando-se por si mesmo sobre um caráter ontológico, o qual é desse modo.

Já para Mannheim, a interpretação se ocupa da mais profunda compreensão do sentido, pois em seu conteúdo mais autêntico este somente pode ser compreendido ou interpretado. Assim sendo, as abordagens qualitativas trabalham com construtos sociais, cuja importância será reconhecida no processo interativo de pesquisa e de interpretação dos dados coletados (MANNHEIM, 1964).

Licenciatura Plena em Química (Universidade de Cruz Alta, 2004)
Mestrado em Química Inorgânica (Universidade Federal de Santa Maria, 2007)

Referências:
HEIDEGGER, Martin.  Ontologia – Hermenêutica da Faticidade. Petrópolis: Editora Vozes, 2012.
PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1986.
MANNHEIM, Karl. Beiträge zur Theorie der Weltanschaungsinterpretation. Neuwied: Luchterhand, 1964.

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Equívoco


Dag Vulpi 04/05/20

Ninguém está imune ao equívoco. E durante nossas vidas, certamente o cometeremos mais de uma vez.
"Proveniente do latim aequivocus, a palavra equívoco significa uma falácia que consiste numa afirmação com um significado diferente do que seria apropriado ao contexto, ou seja, a utilização da mesma palavra, mas com um sentido diferente, distorcendo o que seria na realidade dos fatos. Que pode ser entendido de diversas maneiras ou admitir diferentes explicações. ambígua."
Normalmente, porém nem sempre, os equívocos são cometidos por má interpretação, cuja situação permite entendimentos diversos.
Ao formar opinião a partir de suposições, o risco de cometer um equivoco é muito maior. Ao supor, despreza-se a regra elementar de sempre desconfiar quando determinada situação sugerir mais de uma maneira de ser compreendida.
"Dito" isso, não para justificar o equívoco do protagonista, mas sim para valorar o reconhecimento do erro. Trago abaixo uma ilustração para minhas considerações.
Confira:
Erick Vidigal, que apoiou eleição de
Bolsonaro em 2018, divulgou na sexta-feira (1) uma "carta aberta".
"Estou devendo desculpas aos meus alunos, às pessoas que sempre seguiram minhas orientações e para as quais eu dei essa infeliz orientação. Eu me arrependo, eu me iludi, como minha gente, como milhões de brasileiros. A gente estava na ânsia de ver as coisas mudarem e acabei me deixando levar por uma retórica populista, que é atraente. O discurso da moral e da ética não tinha como eu não apoiar, sendo membro da Comissão da Ética Pública. Isso me motivou. Depois eu percebi que foi uma apropriação indevida de um discurso que não é implementado na prática. É só um discurso, uma fachada."
O desabafo é do advogado Erick Vidigal, doutor e mestre em direito pela PUC de São Paulo, um dos seis conselheiros da CEP (Comissão de Ética Pública), que funciona no Palácio do Planalto vinculada ao presidente da República, Jair Bolsonaro. Durante a campanha eleitoral de 2018, Vidigal foi um dos subscritores de um "manifesto pela democracia, Brasil em debate. Juristas em apoio a Jair Bolsonaro".

Deixem ele curtir seu jetski sossegado


Dag Vulpi 10/05/20
Afinal, o "mito" já nos confortou com vários de seus belos discursos.
- "É só uma gripezinha!"
- "Um resfriadozinho!"
- "Brasileiro precisa ser estudado, não pega nada.Pode pular no esgoto que nada acontece!"
- "E daí?"
- Ele "é "messias" mas não faz milagre."
- Ele "não é coveiro."
- Ele "é a constituição."
"CALA A BOCA Oquei!!!!"
Não tem nada demais "ele" brincar de fake news como no caso do falso churrasco só para fazer um punhado de jornalistas de idiotas. Afinal, durante a campanha ele fez toda uma nação de idiota valendo-se desse mesmo expediente.
Os críticos do bolsonarismo não estão criticando o "mito" somente pelo fato de ele passear de jetski exatamente no dia em que o país que ele governa quebra o triste recorde de dez mil mortes em decorrência da Covid-19. Nem por ele brincar de Fake News. O problema está no descaso com o qual ele trata seu povo. Com a falta de sensibilidade com os familiares que perderam seus entes queridos para essa pandemia. As críticas estão no seu boicote diuturno ao isolamento social. Está na forma como comete os mesmos erros que prometeu combater quando em campanha eleitoral. Está na volta da maldita e velha política do toma-lá-dá-cá com os políticos mais rastaqueras desse país. Está na demissão de ministros que teriam sido escolhidos a dedo e por critérios exclusivamente técnicos. Como nos casos do Mandetta e do Moro. Mas, que acabaram sendo exonerados exatamente por estarem fazendo o que deles se esperava. Um cumprindo as determinações da Organização Mundial da Saúde e das demais instituições internacionais da área, já o outro, por cumprir os ditames das leis e em acordo com o que determina a Constituição do país.
É incompreensível essa forma incondicional com a qual 'alguns' bolsonaristas seguem o seu líder. Apoiaram o então juiz Sérgio Moro durante toda a lava jato e festejaram sua indicação para o ministério da justiça. Porém, bastou ele fazer uma crítica ao "mito", para que todos se voltassem contra ele.
A estória de que ele é "messias" mas não faz milagre é conversa pra boi dormir. Ele faz milagre sim. Ou conseguir transformar bandido em santo e santo em bandido não é milagre?

ARREPENDIMENTO



Dag Vulpi 05/05/20

É mais que compreensível, diria até esperado, que a pessoa se arrependa por cometer um erro.

Se por um lado o equívoco é um erro, por outro, o arrependimento é uma virtude que nos leva a mudar de opinião ou de comportamento em relação ao erro acontecido.

As consequências decorrentes dos equívocos cometidos são as balizadoras do nível de arrependimento. Quanto mais danosas as consequências, maior será o nível de arrependimento.

Tomemos por exemplo alguns equívocos trágicos, ocorridos ao longo da história e que "cobraram", um aínda cobra, um preço muito alto da humanidade.

"Apesar de suas enormes diferenças, Hitler, Mussolini e Chávez percorreram caminhos que compartilham semelhanças espantosas para chegar ao poder. Não apenas todos eles eram outsiders com talento para capturar a atenção pública, mas cada um deles ascendeu ao poder porque políticos do establishment negligenciaram os sinais de alerta e, ou bem lhes entregaram o poder (Hitler e Mussolini), ou então lhes abriram a porta (Chávez)."

["Como as democracias morrem" de Steven Levitsky]

"Dito" isso, com o intuito de alertar meus leitores da gravidade de um equívoco e a proporção que nosso ARREPENDIMENTO poderá atingir, trago abaixo uma ilustração para minhas considerações.

Confira:

"Surgira uma séria disputa entre o cavalo e o javali que viviam num mesmo pasto. E, como o javali a todo momento destruía a relva e turvava a água, o cavalo tomou a decisão de vingar-se. Então, o cavalo foi a um caçador e pediu ajuda para se vingar. O caçador concordou, mas disse: “Se deseja derrotar o javali, você deve permitir que eu ponha esta peça de ferro entre as suas mandíbulas, para que possa guiá-lo com estas rédeas, e que coloque esta sela nas suas costas, para que possa me manter firme enquanto seguimos o inimigo. ” O cavalo aceitou as condições e o caçador logo o selou e bridou. Assim, com a ajuda do caçador, o cavalo logo venceu o javali, e então disse:“ Agora, desça e retire essas coisas da minha boca e das minhas costas.” “Não tão rápido, amigo”, disse o caçador. “Eu o tenho sob minhas rédeas e esporas, e por enquanto prefiro mantê-lo assim.”

[“O javali, o cavalo e o caçador”, Fábulas de Esopo]

Moral: Assim, muitas pessoas, movidas por uma cólera irracional, caem elas mesmas submissas a outrem, por desejarem vingar-se dos inimigos.

Passadores de pano.


Dag Vulpi - 12/05/20
Ao mesmo tempo em que passam pano para os erros do "mito", essas mesmas pessoas execram outros políticos por terem cometido crimes assemelhados ou idênticos.
Oras bolas. Porquê o político dessas pessoas pode, porém, quando o erro é cometido por outro elas ficam tão indignadas?
Precisamos ser coerentes com o que defendemos. Justos nas nossas avaliações e honestos com nossos princípios.
Nunca tive problemas com isso, muito ao contrário, sempre foi muito fácil criticar os erros cometidos nos governos Collor, FHC, Lula, Dilma, Temer e agora continua sendo fácil criticar o do Bolsonaro. E sabem porquê pra mim foi fácil? Muito simples. Eu não tenho político corrupto de estimação!

Sobre o Blog

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