domingo, 2 de novembro de 2025

O Banco do Tempo

 


Por Dag Vulpi

Entre o Sol que gira e o silêncio que fica.

Caminhava devagar pelo bosque, quando avistei um garoto sentado num banco.
Era o único banco livre — largo o bastante para dois, mas ocupado por um pequeno viajante do tempo.

Aproximei-me e perguntei se poderia fazer-lhe companhia.
Ele sorriu, e com a gentileza natural dos jovens, respondeu que seria um prazer.

Sentei-me. O vento trazia o cheiro úmido das folhas, e o sol filtrava-se por entre as copas, em tons de ouro velho.
Conversamos um pouco — sobre o dia, os pássaros, o silêncio.
Até que ele disse algo que me deteve o pensamento:

Meu pai o conhece. Disse que o senhor foi professor dele na universidade.
E que, certa vez, escreveu um pequeno texto durante uma aula de filosofia.
Talvez nem todos tenham anotado, mas ele guardou o seu texto na capa de um livro.
Lembro que ele o leu pra mim quando eu era pequeno…
Era sobre o Sol, as flores e os pássaros... o senhor ainda se recorda?”

Sorri, surpreso e comovido.
Disse-lhe que me lembrava — talvez não palavra por palavra, mas o suficiente para reviver a essência.
Ele pediu então que eu o recitasse, para que pudesse gravar e mostrar ao pai.

O bosque ficou mais silencioso. Apenas uns bentevis se faziam ouvir ao longe.
Fechei os olhos e, em voz baixa, disse o que me veio da alma:


O Silêncio do Giro

Observo o giro do Sol.
As flores ainda o seguem — fiéis à claridade, como se nada houvesse mudado.
Os insetos cumprem o mesmo rito,
e os pássaros cruzam o céu com a pressa antiga de quem acredita no destino.

Tudo permanece em movimento.
Só eu pareço ter desacelerado.
Vejo o mundo girar, mas já não sinto o impulso de acompanhá-lo.

Há muito, compreendi: o universo não espera.
Ele gira, e nesse giro leva o esplendor e o esquecimento,
a promessa e a ruína.
Tudo o que nasce dança um pouco — e depois silencia.

O Sol atravessa o tempo com a dignidade de quem já incendiou eras.
As flores se inclinam, belas mesmo quando murcham.
Os insetos persistem em sua breve eternidade.
E os pássaros — esses, sim — ainda traçam no ar o desenho da liberdade.

Mas em mim, o movimento é outro.
Já não é o giro da vida — é o giro da lembrança.
Um rodar manso, quase imóvel,
feito de ecos, de ausências, de um sossego que só o cansaço concede.

Descubro, então, que o tempo não é linha — é espiral.
E cada volta nos traz mais perto do centro,
onde tudo se recolhe,
onde o som do mundo se torna murmúrio,
onde o olhar, em vez de buscar, apenas aceita.

O Sol ainda gira, e as flores o seguem.
Giram os insetos, os pássaros, o vento.
E eu — ainda giro, mas por dentro.
Devagar.
Profundamente.
Como quem já entendeu que o sentido da vida
não está no movimento,
mas no instante em que paramos para escutá-lo.

Quando terminei, o menino me olhava em silêncio.
Pediu que eu repetisse, para gravar.
Ele ajeitou o celular e, enquanto eu recitava novamente, um vento leve fez balançar os girassóis ao redor.
Então senti uma mão em meu ombro.

Era o pai — meu antigo aluno.
Ele sorria, emocionado.

“O senhor lembra de mim?” — perguntou.
“Claro”, respondi. “Seu filho acabou de me contar sobre o texto.”
“Então o senhor tem mais dois minutos?”, disse ele. “Quero lhe mostrar uma coisa.”

Foi até o carro e voltou com um livro, já gasto.
Abriu a capa e me mostrou o que estava escrito ali.
“Nem preciso ler — sei de cor”, disse, antes de recitar, com firmeza e ternura, o texto que escrevera há tantos anos:

O Giro da Vida

Eu observo o giro do Sol.
E as flores que o seguem em harmonia...
Os insetos que as acompanham...
E o voo sincrônico dos pássaros seguindo os insetos...
Gira o sol e as flores,
giram os insetos e os pássaros,
giro eu, giramos todos nós.

Desde que a memória se fez em mim, um espetáculo silente e eterno se repete: o universo é uma espiral de movimento onde cada ser encontra o seu compasso.
Há uma beleza nostálgica em testemunhar essa coreografia diária, um lembrete de que tudo — e todos — estamos interligados num vasto e vigoroso giro.

Eu contemplo e sinto... O sol em seu trânsito solene, levando a luz de outrora...
E as flores que o aclamam, na rítmica harmonia da perda e do renascer...
Os insetos, rápidos e gentis, que as cortejam...
E o voo sincrônico e audacioso dos pássaros, na esteira do tempo já voado...

Gira, e se incendeia o sol e as flores em sua órbita.
Giram, e trovejam os insetos e os pássaros no ar.
Giro eu, pleno dessa força e carregando o tempo, e num eco profundo, giramos todos nós.


Ficamos em silêncio.
O pai, o filho e eu — três giros de uma mesma espiral.
Depois, trocamos um abraço breve e seguimos nossos caminhos, cada um levando consigo um fragmento do outro.


Reflexão final

O tempo é um mestre paciente.
Ensina-nos que a vida não é feita de repetições, mas de retornos —
e que cada retorno carrega uma nova tonalidade.
O texto que um dia celebrei com vigor, hoje repito com doçura e resignação.
Talvez esse seja o verdadeiro giro:
o que nos transforma, sem deixar de ser o mesmo.

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