Por Dag Vulpi
Entre o Sol que gira e o silêncio que fica.
Caminhava devagar pelo bosque, quando avistei um garoto sentado
num banco.
Era o único banco livre — largo o bastante para
dois, mas ocupado por um pequeno viajante do tempo.
Aproximei-me e perguntei se poderia fazer-lhe companhia.
Ele
sorriu, e com a gentileza natural dos jovens, respondeu que seria um
prazer.
Sentei-me. O vento trazia o cheiro úmido das folhas, e o sol
filtrava-se por entre as copas, em tons de ouro velho.
Conversamos
um pouco — sobre o dia, os pássaros, o silêncio.
Até que
ele disse algo que me deteve o pensamento:
“Meu pai o conhece. Disse que o senhor foi professor dele na universidade.
E que, certa vez, escreveu um pequeno texto durante uma aula de filosofia.
Talvez nem todos tenham anotado, mas ele guardou o seu texto na capa de um livro.
Lembro que ele o leu pra mim quando eu era pequeno…
Era sobre o Sol, as flores e os pássaros... o senhor ainda se recorda?”
Sorri, surpreso e comovido.
Disse-lhe que me lembrava —
talvez não palavra por palavra, mas o suficiente para reviver a
essência.
Ele pediu então que eu o recitasse, para que pudesse
gravar e mostrar ao pai.
O bosque ficou mais silencioso. Apenas uns bentevis se faziam
ouvir ao longe.
Fechei os olhos e, em voz baixa, disse o que me
veio da alma:
O Silêncio do Giro
Observo o giro do Sol.
As flores ainda o seguem — fiéis à
claridade, como se nada houvesse mudado.
Os insetos cumprem o
mesmo rito,
e os pássaros cruzam o céu com a pressa antiga de
quem acredita no destino.
Tudo permanece em movimento.
Só eu pareço ter
desacelerado.
Vejo o mundo girar, mas já não sinto o impulso
de acompanhá-lo.
Há muito, compreendi: o universo não espera.
Ele gira, e
nesse giro leva o esplendor e o esquecimento,
a promessa e a
ruína.
Tudo o que nasce dança um pouco — e depois silencia.
O Sol atravessa o tempo com a dignidade de quem já incendiou
eras.
As flores se inclinam, belas mesmo quando murcham.
Os
insetos persistem em sua breve eternidade.
E os pássaros —
esses, sim — ainda traçam no ar o desenho da liberdade.
Mas em mim, o movimento é outro.
Já não é o giro da vida
— é o giro da lembrança.
Um rodar manso, quase imóvel,
feito
de ecos, de ausências, de um sossego que só o cansaço concede.
Descubro, então, que o tempo não é linha — é espiral.
E
cada volta nos traz mais perto do centro,
onde tudo se
recolhe,
onde o som do mundo se torna murmúrio,
onde o
olhar, em vez de buscar, apenas aceita.
O Sol ainda gira, e as flores o seguem.
Giram os insetos, os
pássaros, o vento.
E eu — ainda giro, mas por
dentro.
Devagar.
Profundamente.
Como quem já entendeu
que o sentido da vida
não está no movimento,
mas no
instante em que paramos para escutá-lo.
Quando terminei, o menino me olhava em silêncio.
Pediu que
eu repetisse, para gravar.
Ele ajeitou o celular e, enquanto eu
recitava novamente, um vento leve fez balançar os girassóis ao
redor.
Então senti uma mão em meu ombro.
Era o pai — meu antigo aluno.
Ele sorria, emocionado.
“O senhor lembra de mim?” — perguntou.
“Claro”, respondi. “Seu filho acabou de me contar sobre o texto.”
“Então o senhor tem mais dois minutos?”, disse ele. “Quero lhe mostrar uma coisa.”
Foi até o carro e voltou com um livro, já gasto.
Abriu a
capa e me mostrou o que estava escrito ali.
“Nem preciso ler —
sei de cor”, disse, antes de recitar, com firmeza e ternura, o
texto que escrevera há tantos anos:
O Giro da Vida
Eu observo o giro do Sol.
E as flores que o seguem em
harmonia...
Os insetos que as acompanham...
E o voo
sincrônico dos pássaros seguindo os insetos...
Gira o sol e as
flores,
giram os insetos e os pássaros,
giro eu, giramos
todos nós.
Desde que a memória se fez em mim, um espetáculo silente e
eterno se repete: o universo é uma espiral de movimento onde cada
ser encontra o seu compasso.
Há uma beleza nostálgica em
testemunhar essa coreografia diária, um lembrete de que tudo — e
todos — estamos interligados num vasto e vigoroso giro.
Eu contemplo e sinto... O sol em seu trânsito solene, levando a
luz de outrora...
E as flores que o aclamam, na rítmica
harmonia da perda e do renascer...
Os insetos, rápidos e
gentis, que as cortejam...
E o voo sincrônico e audacioso dos
pássaros, na esteira do tempo já voado...
Gira, e se incendeia o sol e as flores em sua órbita.
Giram,
e trovejam os insetos e os pássaros no ar.
Giro eu, pleno dessa
força e carregando o tempo, e num eco profundo, giramos todos nós.
Ficamos em silêncio.
O pai, o filho e eu — três giros de
uma mesma espiral.
Depois, trocamos um abraço breve e seguimos
nossos caminhos, cada um levando consigo um fragmento do outro.
Reflexão final
O tempo é um mestre paciente.
Ensina-nos que a vida não
é feita de repetições, mas de retornos —
e que cada retorno
carrega uma nova tonalidade.
O texto que um dia celebrei com
vigor, hoje repito com doçura e resignação.
Talvez esse seja
o verdadeiro giro:
o que nos transforma, sem deixar de ser o
mesmo.

Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua visita foi muito importante. Faça um comentário que terei prazaer em responde-lo!
Abração
Dag Vulpi