Dag Vulpi - 04 de Março de 2024
Da mesma maneira que as formigas transportam seu alimento para o formigueiro, apresentando uma ampla variação nos tamanhos das folhas que cada uma carrega, ocorria também a diversidade nos tamanhos e pesos das cruzes que aqueles que haviam transcrito para uma vida além carregavam em sua longa jornada, em direção a um destino desconhecido, seja ao céu ou inferno, conforme o merecimento individual.
No entanto, há uma distinção entre pessoas e formigas, pois enquanto a formiga aceita de forma passiva carregar sua folha, independente do tamanho e peso, durante sua jornada ao desconhecido, um indivíduo que carrega uma cruz imponente em comparação às dos outros optou por reclamar. Ele sentia que não era justo carregar uma cruz tão grande, enquanto muitos dos seus semelhantes suportavam fardos consideravelmente menores, pois em sua visão, havia sido um cidadão justo durante sua vida.
Depois de ouvir repetidas queixas, o encarregado de manter a ordem no evento aproximou-se do reclamante e aconselhou-o a suportar o fardo que lhe fora determinado, afinal, cada um deve carregar sua própria cruz. Após acatar os conselhos, o homem decidiu seguir adiante, carregando consigo a sua imponente cruz. Entretanto, alguns minutos depois, ele retomou suas queixas. Dessa vez, não era mais o peso da cruz que o incomodava, pois já havia se acostumado a ele; agora, sua preocupação era ter identificado entre os demais penitentes três conhecidos do tempo em que ainda percorriam o mundo dos vivos, todos eles carregando cruzes notavelmente menores que a sua.
Sempre que ele lançava o olhar ao redor e avistava Fernando Henrique, uma figura que odiava, tendo inclusive, afirmado em um de seus pronunciamentos públicos, que o erro da ditadura foi não ter matado mais uns trinta mil, incluindo Fernando. Ao seu lado esquerdo, seguia o "comunista" Lula, considerado por ele o pior brasileiro a caminhar sobre a terra. E ao lado de Lula, a infeliz dentuça da Dilma, outra "maldita comunista" que ele havia ajudado a tirar do poder votando a favor do impeachment, não perdendo a oportunidade de humilhá-la ao exaltar o nome de seu algoz durante a ditadura militar. Todos os três carregando cruzes muito menores que a dele. Aí ele não se conteve, chamando novamente o responsável pelo cortejo. Mas dessa vez, ele queria reclamar diretamente com o chefão do evento.
Foi então que Deus fez uma exceção e foi ouvir o pranto do homem, curioso para entender os argumentos por trás da veemente reclamação. Deus aproximou-se, tentou acalmá-lo, explicando que havia reavaliado o livro de sua vida e que tanto o tamanho quanto o peso de sua cruz estavam de acordo com suas ações na terra. No entanto, Deus sabia que um dos maiores defeitos daquele cidadão, quando em vida, era não aceitar as coisas como realmente eram. Exemplo disso era sua recusa em aceitar resultados eleitorais contrários às suas expectativas. E a presença de muitos que o mimavam durante sua vida, registrados naquela caminhada, também acabou influenciando na decisão que estaria por vir.
Percebendo que as manifestações de apoio a ele eram iminentes, Deus concedeu-lhe o direito de trocar sua cruz com alguém que ele considerava merecedor de um fardo mais pesado que o dele. Sentindo-se vitorioso, ele conseguiu vencer "no grito" naquela situação. Observou o fardo dos demais, olhou para Fernando, para Luiz e, por fim, para Dilma. Pensou consigo mesmo: agora eu acabo com aquele sorriso amarelo daquela dentuça.
Ele explicou a Deus que não era nada pessoal, mas havia decidido trocar sua cruz pela de Dilma, a "comunista". Deus concordou, e para evitar manifestações em seu apoio, concedeu o pedido. Instantaneamente, a enorme cruz que ele carregava passou para as costas de Dilma, e a dela, muito menor, apareceu em suas costas. Porém, para sua surpresa, a cruz dela, apesar de ser bem menor, pesava muito mais do que aquela que ele havia trocado.
Desesperado, percebeu que Dilma virou-se para ele, deixando à mostra suas enormes "canjicas". Então ela o agradeceu, talvez por ingenuidade ou sarcasmo, sabe-se lá: “Muito obrigado, comedor de pão com leite condensado. Foi bom saber que você não é rancoroso e, mesmo demonstrando me odiar em vida, fez essa gentileza de trocar sua cruz que é levinha pela minha, que pesava dez vezes mais. Pode estar certo de que, caso nós formos para o mesmo local e você concorrer a algum cargo eletivo, terá meu voto”. Então, ela virou-se para Luiz, piscou para o "cumpanheiro" e continuou sua jornada com aquela enorme, porém levíssima cruz às costas.
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Dag Vulpi