sexta-feira, 19 de agosto de 2022

A Prisão Preventiva nos crimes de Ameaça e Descumprimento de Medida Protetiva da Lei Maria da Penha. (Princípio da Homogeneidade)

 


Do Jusbrasil

Os crimes praticados no âmbito doméstico ocupam o “topo” das maiores demandas criminais levadas ao judiciário na contemporaneidade, ao lado de outros “astros” dos tipos legais, como tráfico de drogas, furto, roubo e etc.

As violências físicas, morais, sexuais e patrimoniais decorrentes das relações íntimas de afeto desdobram-se em uma série de crimes, entretanto, no presente trabalho nos restringiremos aos crimes de Ameaça e Descumprimento de Medida Protetiva , vejamos:

“Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.”

Normalmente no dia a dia forense, a prisão preventiva no âmbito da Lei Maria da Penha pelo crime de ameaça decorre da prática do crime de Descumprimento de Medida Protetiva, consubstanciada no art. 24-A da 11.340/06:

“Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos.”

O fundamento legal para o decreto prisional para o crime de Ameaça associado com o crime de Descumprimento de Medida Protetiva encontra-se no art. 313 do Código de Processo Penal:

“Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:

I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;

(...) III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; GRIFOS

O mencionado artigo acaba sendo a resposta positiva e negativa dos questionamentos feitos nesse singelo trabalho, uma vez que o inciso I traz o início da nossa discussão.

De certo que não estamos relativizando o grande problema social que a violência doméstica representa, por outro lado, deve ser apontado que a prisão preventiva decretada nas hipóteses acima narradas, destoam do conteúdo constitucional e infraconstitucional que trata da matéria.

O art. 33 do Código Penal diz:

“Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

(...)§ 2ºº - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;

b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;

c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.” GRIFOS

Analisando os art. 24-A A da Lei 11.340 0/06 (Descumprimento de Medida Protetiva), observamos que o mencionado tipo legal possui pena de detenção de 03 meses a 2 dois anos e o do art. 147 7 (Ameaça) do Código Penal l, pena de detenção de 1 a 06 meses.

Fazendo a somatória no patamar máximo (o que no caso concreto é muito difícil acontecer) de uma eventual condenação do acusado por ambos os crimes teríamos uma pena de 2 anos e 06 meses de detenção, nos moldes do art. 33 3 § 2ºº, alínea c do Código Penal l o condenado não reincidente poderia cumprir a pena desde o início em REGIME ABERTO.

Diante da concatenação de todos os dispositivos jurídicos acima colacionados, concluo, que não é cabível a prisão preventiva nos aludidos crimes com fundamento nos princípios da Proporcionalidade e Homogeneidade, vejamos:

“o Princípio da Proporcionalidade vai nortear a conduta do juiz frente ao caso concreto, sem perder de vista a densidade do fumus commissi delicti e do periculum libertatis. Deverá valorar se esses elementos justificam a gravidade das consequências do ato e a estigmatização jurídica e social que irá sofrer o acusado. Jamais uma medida cautelar poderá se converter em uma pena antecipada, sob pena de flagrante violação à presunção da inocência”. (Lopes Junior, Aury, Direito Processual penal, 17ª ed. – São Paulo, Saraiva, 2020, pág .647).

“Como desdobramento do princípio da proporcionalidade cabe mencionar o princípio da homogeneidade das medidas cautelares. Quando se vislumbra que, no final, não será imposta a prisão, não se justifica a medida cautelar da prisão ( CPP, art. 283§ 2º). Que sentido tem prender uma pessoa no curso da instrução criminal se, no final, não será imposta a pena de prisão. (...) é desproporcional e nada homogêneo decretar a prisão preventiva quando já se sabe que será imposta uma pena alternativa. Quando, pela quantidade da pena, logo se percebe que o réu não ficará preso, não se justifica a prisão cautelar (como regra geral).” (GOMES, Luiz Flávio et al. Prisão e medidas cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. 2.ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p.55).

Nos dizeres do douto Aury Lopes Jr. a prisão cautelar não pode simbolizar uma antecipação da pena, o que torna o decreto prisional no crime de Descumprimento de Medida Protetiva e Ameaça ainda mais absurdo, uma vez que ao final do eventual decreto condenatório não será cabível pena em regime fechado.

O princípio da Homogeneidade com bem elucidou o inigualável LFG, não permite a prisão cautelar de prisão, quando ficar consubstanciado que ao final do processo não será imposta a aludida pena.

Infelizmente, o judiciário temeroso com as repercussões midiáticas que possam surgir, tem decretado a prisão cautelar mesmo que a propedêutica jurídica nos leve a um caminho oposto.

Ao que parece, tem sido uma tentativa de sanear eventual “erro ou omissão” do legislador, pois, se quisesse tratar tais crimes com mais rigor, o legislador deveria ter elevado as penas em abstrato dos crimes de Ameaça e Descumprimento de Protetiva.

Nos remetendo ao princípio da individualização da pena que segundo a lição de Rogério Sanches:

“A individualização da resposta estatal ao autor de um fato punível deve ser observada em três momentos: a) na definição, pelo legislador do crime e sua pena. (...)” (Cunha, Rogério Sanches, Manual de direito penal :parte geral, 8. Ed.rev., ampl. e atual. – Salvador: JusPODIVM, 2020, pág. 127)

Como se observa, o legislador quando eleva um determinado bem jurídico ao patamar de ser considerado como um fato penalmente punível, exerce a individualização da resposta ao fato punível definindo qual conduta será considerada criminosa e a sua pena.

Com a devida vênia, os magistrados quando decretam a Prisão Preventiva nas hipóteses acima elencadas além de se apartarem dos princípios da Proporcionalidade e Homogeneidade, conferem gravidade aos crimes de maneira diversa da que fora concebida pelo legislador.

Pois, se fosse a sua vontade trazer patamar de gravidade abstrata maior aos crimes aqui tratados, o teria feito por meio de elevação das penas.

Sendo assim, não pode o judiciário compensar esse “erro” legislativo as custas da liberdade dos jurisdicionados, fazendo que se cumpra uma pena (a prisão cautelar é uma pena sem trânsito em julgado) que jamais será alcançada no deslinde final do processo.

Concluindo, nas hipóteses de Descumprimento de Medida Protetiva e Ameaça praticadas no âmbito doméstico, é cabível no máximo Medidas Cautelares diversas da Prisão por serem mais adequadas ao tratamento dado pelo legislador aos mencionados crimes.

Marília-SP.

BIBLIOGRAFIA.

Lopes Junior, Aury, Direito Processual penal, 17ª ed. – São Paulo, Saraiva, 2020, pág .647.

GOMES, Luiz Flávio et al. Prisão e medidas cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. 2.ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p.55.

Cunha, Rogério Sanches, Manual de direito penal :parte geral, 8. Ed.rev., ampl. e atual. – Salvador: JusPODIVM, 2020, pág. 127.

 

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