Por
Isabela Souza* no Politize
Uma
educação apartidária, sem doutrinação e livre de ideologias. Esses são os
princípios defendidos no projeto Escola sem Partido (ESP), que tem
despertado profunda polêmica. O tema ganhou força em 2015 e pode se tornar
ainda mais evidente no próximo governo, de Jair Bolsonaro.
O
que está em jogo é o modelo de educação escolar em vigência no Brasil. Afinal,
a Escola sem Partido garante a imparcialidade ideológica na educação pública ou
cria uma lei da mordaça para os professores? A seguir, vamos entender o
que exatamente propõe esse projeto e o que pensam seus críticos e apoiadores.
Para
começar, a Escola sem Partido pode significar duas coisas: a primeira delas é
um movimento formado sobretudo por pais e estudantes em defesa de uma
educação escolar neutra. Em segundo, a Escola sem Partido é também um projeto
de lei que busca estabelecer os deveres e direitos dos professores em sala
de aula, como forma de impedir que os docentes possam transmitir a seus alunos
suas visões de mundo. Vamos entender melhor a diferença?
O
Movimento Escola sem Partido
O
Escola sem Partido é um movimento criado em 2004 pelo procurador do estado de
São Paulo, Miguel Nagib. Segundo o site oficial do movimento, sua
motivação surge de uma preocupação com “o grau de contaminação político-ideológica
das escolas brasileiras”, pois:
“A
pretexto de transmitir aos alunos uma “visão crítica” da realidade, um exército
organizado de militantes travestidos de professores prevalece-se da liberdade
de cátedra e da cortina de segredo das salas de aula para impingir-lhes a sua
própria visão de mundo”.
O
Movimento é ainda hoje coordenado por Miguel Nagib e se define como uma
associação informal, independente, sem fins lucrativos e sem vinculações
política, ideológica ou partidária.
Como
forma de auxiliar pais e alunos que se sintam doutrinados pelos professores, o
movimento vem recebendo e divulgando diversos depoimentos. Mas não é só isso. O
movimento também deu origem a diversos projetos de lei nas Câmaras
Municipais, nas Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional. O
objetivo é criar mecanismos para que professores não possam doutrinar
ideologicamente seus alunos, ou seja, transferir aos estudantes suas
concepções morais e políticas.
Os
projetos de lei Escola Sem Partido
Seja
nas Assembleias ou no Congresso, os projetos de lei sobre a Escola
sem Partido possuem o objetivo de estabelecer os limites de atuação dos
professores em sala de aula, impedindo a promoção de suas crenças
particulares nos espaços formais de ensino.
Na Câmara
dos Deputados foram apresentados ao menos quatro projetos de lei
referentes à Escola sem Partido. Atualmente, o que está sendo debatido é
o PL 7180/14, de autoria do deputado federal Erivelton
Santana (PSC-BA). A ele foram apensados outros PLs de mesmo teor (assunto). Ser
apensado significa que todos os projetos de mesmo tipo e que tratem de um mesmo
assunto tramitam de forma conjunta, analisadas de forma separada, mas tendo
apenas um parecer final.
O PL 7180/14 busca alterar o artigo 3º da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB) para incluir entre seus princípios o
respeito às convicções dos alunos e de seus responsáveis. Nesse caso, os valores
familiares passariam a ter precedência (prioridade) sobre a educação
escolar. Aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa passariam a
ser tratados apenas na esfera privada (como a casa e a família) e não poderiam
fazer parte do currículo escolar.
Outra
mudança proposta pela Escola sem Partido diz respeito a um tema bastante
polêmico: a ideologia de gênero. O PL 10.577/2018, de autoria do deputado federal Cabo Daciolo
(PATRI/RJ) e apensado ao PL 7180/2014, propõe que:
“Ficam
vedadas em todas as dependências das instituições da rede municipal, estadual e
federal de ensino a adoção, divulgação, realização ou organização de políticas
de ensino, currículo escolar, disciplina obrigatória, complementar ou
facultativa, ou ainda atividades culturais que tendam a aplicar a ideologia de
gênero, o termo gênero ou orientação sexual.”
Proposta
semelhante aparece no apensado PL 10.659/2018, de autoria do deputado Delegado Waldir
(PSL-GO), que estabelece a “Não interferência e respeito às convicções religiosas,
morais, religiosas e políticas do aluno, vedada a adoção da ideologia de gênero
ou a orientação sexual.”
Houve
também um projeto de lei apresentado ao Senado pelo senador Magno
Malta (PR/ES). O Projeto de Lei do Senado (PLS) 193/2016 também propunha a
inclusão do “Programa Escola sem Partido” nas diretrizes da LDB. Na época o
Senado Federal realizou uma consulta pública no Portal
e-cidadania para saber a opinião da população sobre o projeto. Foram cerca
de 199 mil votos favoráveis e 210 mil votos contrários. Contudo, no ano
seguinte o senador retirou seu projeto do regime de tramitação, fazendo com que
ele fosse arquivado.
Afinal,
existe educação neutra?
De
acordo com a procuradora do Ministério Público Federal (MPF), Deborah
Duprat, um ensino neutro não existe no mundo real, pois todos nós estamos
inseridos em sociedade e, por isso, expressamos nossas concepções ao nos
comunicarmos. O convívio com pessoas diferentes, que tenham distintas
convicções, é essencial para a formação dos indivíduos.
A
reportagem do Centro de Referência em Educação Integral, que inclui
conversas com diferentes especialistas, explica como um tema abordado pelo
professor leva consigo sua visão de mundo. O que o professor não pode fazer é
mostrar ao aluno apenas sua visão, mas sim proporcionar aos
estudantes acesso a diferentes pontos de vista sobre um mesmo
assunto. Sendo impossível a neutralidade, passa a ser equivocada a determinação
em lei de algo que não pode ser atingido.
Um
exemplo é a abordagem de temas como a proibição do trabalho infantil ou do
trabalho escravo em uma aula de história. Nesse caso, qualquer forma do
professor ensinar o assunto (sendo contra ou a favor) é um juízo de valor. Mas
nem por isso o docente deve deixar de apresentar aos alunos os argumentos
contrários ao seu posicionamento.
Assim,
os especialistas contrários à Escola sem Partido afirmam que o projeto expressa
uma visão equivocada sobre a possibilidade de uma educação neutra, o
que também acaba incentivando uma “lei da mordaça” que ameaça a liberdade de
expressão e de cátedra dos professores.
Outro
fator que levanta questionamentos sobre a Escola sem Partido é a pressuposição
de que os estudantes são indivíduos facilmente influenciáveis e incapazes de
refletir sobre aquilo que o professor ensina em sala de aula. De acordo com a
diretora da Fundação SM, Pilar Lacerda:
“Cada
estudante chega à escola com sua história, aprendizados, religião, cultura
familiar. O que a escola faz é ensinar a refletir, a duvidar, a perguntar, a
querer saber mais. Não existe isso do professor fazer ‘cabeça do estudante’. À
medida que o estudante lê, pesquisa, escreve e se aprofunda, ele vai dando
sentido pra história dele. Escola é o lugar de muitas opiniões. De ouvir a do
outro e formar a própria”
Para
os especialistas entrevistados pelo Centro de Referências em Educação
Integral, os defensores da Escola sem Partido se equivocam ao supor que
alunos são “folhas em branco” e que formam uma audiência cativa que pode ser
doutrinada e influenciada pelos professores a seguir determinado pensamento
ideológico.
Segundo reportagem
da Nova Escola, o EsP se baseia em estudos teóricos anteriores a 1960, década
em que pesquisas começaram a mostrar que as pessoas, mesmo jovens, refletem
sobre as mensagens que recebem, as comparam com outras mensagens recebidas no
ambiente familiar e em distintos círculos sociais (como os amigos, a mídia, a
igreja e até mesmo outros professores) e só assim é que definem aquilo em que
acreditam ou não.
A
escola sem partido é constitucional?
Outro
fator que aparece com frequência no debate é a constitucionalidade do projeto
de lei sobre a Escola sem Partido. O site oficial do Programa apresenta
um parecer sobre a constitucionalidade do anteprojeto de lei (que é
um estudo para dar base a projetos de lei sobre a EsP nas três esferas de
governo).
II
– liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o
saber;
III
– pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de
instituições públicas e privadas de ensino;
Assim,
se o anteprojeto de lei é considerado inconstitucional, as leis que lhe servem
de fundamento também serão, afirma o movimento.
Por
outro lado, o doutor em Direito Constitucional Paulo Blair afirmou em entrevista
ao Painel Eletrônico da Câmara dos Deputados que não existe ensino sem
visão do mundo e, ainda, que a ideologia não é defeito mas sim uma
condição humana. Por isso, considera que qualquer ação que busque coibir a
manifestação de ideias em sala de aula é inconstitucional.
Em
2016, o Ministério Público Federal (MPF) encaminhou ao Congresso Nacional
uma nota técnica declarando inconstitucional o projeto de lei que
inclui na LDB o Programa Escola sem Partido. A nota tinha como responsável
Deborah Duprat, procuradora federal dos Direitos do Cidadão e mostrava como o
projeto coloca em vigilância constante os docentes, o que seria uma forma de
ferir a liberdade de ensinar:
“O
projeto subverte a atual ordem constitucional por inúmeras razões: confunde a
educação escolar com aquela fornecida pelos pais e, com isso, os espaços
públicos e privado, impedem o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas,
nega a liberdade de cátedra e a possibilidade ampla de aprendizagem e contraria
o princípio da laicidade do Estado – todos esses direitos previstos na
Constituição de 88“.
Estão
para ser julgadas no Supremo Tribunal Federal (STF) a três Ações
Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que questionam a Escola Livre, um
projeto semelhante à Escola sem Partido, aprovado no estado de Alagoas em
2016. Neste caso, o que está em questão é a constitucionalidade de uma lei
estadual que versa sobre tema de competência da esfera federal – no caso, as
diretrizes e bases da educação. Ainda assim, a expectativa é que a decisão do
STF seja um indicativo sobre a posição do Tribunal frente aos projetos de lei
da EsP, especialmente aquele que pode ser aprovado pelo Congresso.
O
futuro da escola sem partido
A
votação da PL 10.659/2018 já foi adiada no Congresso algumas
vezes. Também é incerta a posição do STF sobre o tema. E você, já sabe o
que pensa sobre a Escola sem Partido? Compartilhe com a gente!
*Isabela
Souza
Estudante
de Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e
assessora de conteúdo do Politize!.
escola sem censura e doutrinaçao.
ResponderExcluirSou professora e como tal, é claro que compartilharei minhas vivências com os meus alunos. Porém como crianças, eles aprenderão tanto comigo, como com os familiares, a moral e a ética para um bom convívio em sociedade. Já o mundo que terão que explorar, também as ensinará. Caberá a essas crianças, adolescentes ou jovens, fazerem suas escolhas, como nós fizemos um dia: Cada um sendo responsável por elas e colhendo assim exatamente o que plantou. Abraços
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