Por Fernando Brito·
21/03/2017
O
mais completo post de análise do dantesco episódio da condução coercitiva do
blogueiro Eduardo Guimarães foi escrito, agora há pouco, por Luís Nassif. Em
uma democracia, a este momento, os órgãos de controle do Judiciário estariam se
movendo para enquadrar o abuso inominável de “encaçapar” alguém num camburão
para que revele uma fonte de informação, ainda mais quando o próprio juiz move
um processo contra esta pessoa. Coisa de delegacia da roça nos anos 50, mas que
conta com o beneplácito de nossas altas luzes judiciárias.
Com o caso
Eduardo Guimarães, Moro atravessa o Rubicão
Luis Nassif, no GGN
Vamos entender porque, para
efeito da Lava Jato, o caso Eduardo Guimarães torna-se um divisor de águas – da
mesma maneira que o episódio da condução coercitiva de Lula.
O episódio Lula, mais a
vazamento dos grampos de Lula e Dilma, afastou de vez a presunção de isenção da
Lava Jato e mostrou seu alinhamento com o golpe de Estado em curso.
A condução coercitiva de
Eduardo Guimarães expõe de forma inédita o uso do poder pessoal arbitrário de
Moro para retaliar adversários. Não se trata mais de luta política, ideológica,
de invocar as supinas virtudes da luta contra a corrupção para se blindar: da
parte de Sérgio Moro, a operação atende a um desejo pessoal de vingança.
Peça
1 – as pinimbas de Guimarães com Moro
Com seu Blog Cidadania,
Eduardo é um crítico implacável da Lava Jato. E autor de uma representação
contra Sérgio Moro junto ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Em represália, Moro entrou com
uma ação contra Edu, baseada em uma frase mal construída. Na frase, Edu diz
(para o leitor) que as ações da Lava Jato irão ameaçar “seu emprego e sua
vida”, referindo-se ao emprego e vida do leitor.
Um Blog de ultradireita da
Veja interpretou que “seu emprego e sua vida” referia-se a Moro. Cada vez mais
ligado às milícias da ultradireita, Moro aproveitou a deixa para processar Edu.
O Tweet remetia para um artigo
onde Edu praticava seu esporte predileto: brigar com outros grupos de esquerda
(https://goo.gl/UvpKWo), e mostrar a situação de caos na economia, na qual
seriam destruídas o emprego e a vida das pessoas.
Moro tropelou completamente a
lei, que diz que um juiz não pode julgar um adversário.
Peça
2 – PF x MPF
A gestão vacilante do delegado
geral da PF, Leandro Daiello, deflagrou uma guerra de facções dentro da PF,
consolidada em diversos inquéritos abertos, de lado a lado, visando identificar
irregularidades.
Um dos inquéritos investiga
membros da Lava Jato, pela colocação de escuta ilegal na cela do doleiro
Alberto Yousseff.
Outra, procura identificar os
autores de um suposto dossiê contra a Lava Jato, cuja existência teria sido
denunciada pela Veja, nos tempos do jornalismo escabroso do diretor Eurípides
Alcântara – em uma capa em que mostrava Lula como uma jararaca.
Fui intimado pela PF a prestar
depoimento nesse inquérito através de carta precatória – já que o inquérito
corria em Brasília Ressalto que fui tratado com toda a fidalguia. Antes de
receber a intimação, telefonaram de Brasília dizendo que não era nada contra
mim.
Compareci no dia marcado e fui
informado do teor do dossiê, sobre o reino da família Arns em Curitiba.
Mostrava a influência do ex-senador Flávio Arns na APAE (Associação de Pais e
Amigos de Excepcionais) do Paraná. Depois, a maneira como seu sobrinho Marlus
Arns, metido em várias jogadas políticas no Estado, tornou-se titular de
praticamente todas as ações das APAEs do estado na vara de Curitiba. A diretora
jurídica era a esposa de Sérgio Moro. E Marlus tem um irmão dono de um curso de
direito à distância, tendo como professores procuradores e delegados da Lava
Jato. Finalmente, com a saída de Beatriz Catta Preta, Marlus assumiu diversos
clientes do milionário mercado de delação premiada.
Poderia ter lançado dúvidas
sobre a contabilidade desse curso à distância, mas me ative às informações que
consegui coletar na Internet, no Tribunal de Justiça de Curitiba e no site da
Secretaria de Educação do Estado.
Informei os delegados que
conhecia o conteúdo do material, mas que não recebera de ninguém pela relevante
razão de ter sido o autor da matéria original. O tal dossiê era meramente uma
cópia de um post antigo do Blog.
A ação contra Edu também se
insere nesse quadro de disputas internas da PF.
Peça
3 – MPF x PF
Há uma pesada disputa entre a
PF e o Ministério Público Federal pelo protagonismo da Lava Jato.
Ontem, durante congresso da
categoria em Florianópolis, o presidente da Associação Nacional dos Delegados
da PF, Carlos Eduardo Sobral, foi objetivo em conversa com jornalistas
(https://goo.gl/BtV4TA). Disse que o MPF assumiu o protagonismo da Lava Jato
devido à estratégia de publicidade e o apoio institucional para as
investigações, incluindo recursos fartos. Sobral admitiu que o país enfrenta um
“cabo de guerra institucional”. E se queixou de que a sociedade vê a PF como
mera cumpridora de mandatos.
Completou dizendo que “não
queremos nos transformar em quarto ou quinto poder. Não buscamos a falta de
controle. Não buscamos o arbítrio ou abuso. Buscamos simplesmente a capacidade
de continuar realizando combate ao crime organizado e à corrupção”.
Peça
4 – o caso Eduardo Guimarães
É por aí que se insere o caso
Eduardo Guimarães.
Ele foi convocado para depor
no inquérito que apura o vazamento da condução coercitiva de Lula. Tinha data
marcada para depor.
Hoje de manhã, a PF invadiu
sua casa, intimidou ele e sua esposa, levou celulares e computadores, sem
nenhuma necessidade. Aparentemente já sabiam quem havia vazado a informação.
Reforça a suspeita de que a
autorização dada por Moro, além de arbitrária, serviu aos propósitos de
revanche contra um cidadão que o denunciou ao CNJ e está sendo processado pelo
próprio Moro.
Mais, a Constituição assegura
sigilo de fonte. Quando questionado pelo dpeutado Paulo Teixeira no Congresso,
a alegação de Moro foi a de que Eduardo não é jornalista.
Recentemente, o decano do STF,
Celso de Mello, considerou o sigilo de fonte como direito da sociedade, não de
jornalistas. Além disso, ao não reconhecer mais o diploma de jornalista como
pré-condição para a prática da profissão, o STF acabou com a classificação
restrita de jornalista.
Peça
5 – as consequências
Agora se chega no busílis da
questão.
Eduardo foi efetivamente feito
prisioneiro, ainda que por algumas horas. Chegando à PF, foi interrogado por
delegados sem a presença de um advogado.
Sua casa, seu lar, foi
conspurcado com a invasão da PF. Tanto a ação movida por Moro, quanto a
operação atual, são juridicamente insustentáveis. Mas Moro conseguiu se valer
de seu poder de juiz para cometer uma arbitrariedade, com o agravante de agir
de forma triplamente ilegal: decretar a condução coercitiva de quem não se
negou a depor; obrigar uma pessoa a abrir mão de seu sigilo de fonte e agir
contra uma pessoa com quem mantem uma disputa jurídica.
Depois de sofrer ataques da
direita, o Ministro Luís Roberto Barroso resolveu se blindar: tornou-se o
principal avalista do Estado de exceção de Curitiba, alegando que a Lava Jato
enfrenta um quadro de exceção. Caminha para se tornar o Ministro símbolo do MBL
e congêneres, assim como Moro e os procuradores da Lava Jato.
Irá se pronunciar agora? A
prisão e humilhação de um cidadão brasileiro, a invasão injustificada de seu
lar, não obedeceu sequer à real politik da Lava Jato. Foi um ato de vingança
pessoal, que atropela normas fundamentais de direitos civis.
Moro se comportou como um
imperador, acima das leis, porque, no episódio do vazamento dos grampos, foi
tratado acima das leis.
Sua atitude, agora, mostra um
sujeito desequilibrado, utilizando o pesadíssimo poder conferido pelo apoio da
mídia e de Ministros descompromissados com direitos civis, para exercer o
arbítrio em causa própria.
Se fosse contra um jornalista
da Rede Globo, o Ministro Barroso permaneceria calado? Certamente, não. Se fica
calado agora, endossa a tese do direito penal do inimigo.
No final, fica-se sabendo que
a sombra projetada por Barroso é infinitamente maior do que seu verdadeiro
tamanho. Se não for contido agora, se a imprensa se calar – porque a vítima é
um adversário – estará em marcha definitivamente a escalada do arbítrio.
O episódio mostra
definitivamente que Sergio Moro está em estado de desequilíbrio emocional. Até
onde irá, não se sabe.
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