Médicos
legistas também integraram o aparelho repressivo da ditadura militar, segundo o
relatório elaborado pela Comissão Estadual da Verdade da Assembleia Legislativa
de São Paulo. O documento que aponta 22 profissionais acusados de fraudar
atestados de óbito foi apresentado hoje (30) em um debate na Faculdade de Saúde
Pública da Universidade de São Paulo (USP), na zona oeste da capital. Para
elaboração do levantamento foram analisados os resultados de 51 exames
necroscópicos de opositores do regime, entre 1969 e 1976.
A análise dos
laudos e a coleta de depoimentos indicou, segundo a coordenadora do relatório,
Elzira Vilela, que havia um grupo de médicos que trabalhava alinhado com a
ditadura. Esses profissionais confirmavam, de acordo com ela, as versões falsas
dos agentes da repressão para as mortes de vítimas de tortura e execuções.
“Eles eram pessoas de absoluta confiança [do regime]. Foram pessoas
extremamente colaboradoras. Eles não foram usados porque estavam de plantão
ali. Eles sabiam de tudo o que estava acontecendo”, diz a médica sanitarista
que foi conselheira da comissão da verdade de São Paulo.
Uma das
evidências disso, segundo Vilela, era que alguns dos legistas assinavam
diversos laudos, como o caso do médico Isaac Abramovitch, que assinou 22 laudos
falsos. Foi ele um dos responsáveis por atestar a morte do estudante Alexandre
Vannuchi Leme, em 1973. Abramovitch confirmou a versão dos agentes da repressão
de que o jovem, então com 22 anos, teria sido vítima de um atropelamento.
Retificações
Em 2013, a Justiça acatou um pedido da Comissão Nacional da Verdade e determinou a retificação do atestado de óbito de Vannuchi, morto sob tortura no Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi).
Em 2013, a Justiça acatou um pedido da Comissão Nacional da Verdade e determinou a retificação do atestado de óbito de Vannuchi, morto sob tortura no Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi).
O legista
Harry Shibata também é apontado pelo relatório como um colaborador da ditadura,
ratificando oito laudos contestados. O médico atestou a morte de Vladimir
Herzog, em 1975, como suicídio. O atestado de óbito foi retificado em 2013 para
constar que o jornalista também foi torturado até a morte no DOI-Codi.
A confrontação
das versões da ditadura é um trabalho que, de acordo com Vilela, vem sendo
feito desde a queda do regime, especialmente pelos peritos que trabalharam com
a Comissão de Familiares de Mortos e de Desaparecidos Políticos. “É um trabalho
de formiguinha que tem sido feito ao longo de todo esse tempo pós-ditadura”,
disse.
Documentos
desaparecidos
Vilela diz que
falta, no entanto, acesso a documentos que poderiam esclarecer pontos ainda
obscuros da história. “O que eu acho muito importante é que se localize esses
arquivos do IML [Instituto Médico Legal], ninguém sabe onde estão. Arquivos do
Instituto Médico Legal da época da ditadura. Nós queríamos confrontar com o
atestado de óbito original, mas eles sumiram com os arquivos”, diz.
Presente na
apresentação do relatório, o secretário municipal de Saúde, Alexandre Padilha,
diz que vem trabalhando para que equipamentos de saúde recebam os nomes de
vítimas da repressão, especialmente profissionais e estudantes da área de
saúde. A ideia é, segundo secretário, não só batizar novas unidades de pronto
atendimento e de atenção básica, como substituir os nomes que fazem referência
a colaboradores e agentes da repressão. “Para que os profissionais, os
estudantes, os usuários que entrem que possam saber um pouco mais da memória e
das histórias que passaram no nosso país”.
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