Por
Maria Berenice Dias
Certamente
todos que se dedicam ao estudo dos conflitos familiares e da violência no
âmbito das relações interpessoais já se depararam com um fenômeno que não é
novo, mas que vem sendo identificado por mais de um nome. Uns chamam de
“síndrome de alienação parental”; outros, de “implantação de falsas memórias”.
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Este
tema começa a despertar a atenção, pois é prática que vem sendo denunciada de
forma recorrente. Sua origem está ligada à intensificação das estruturas de
convivência familiar, o que fez surgir, em consequência, maior aproximação dos
pais com os filhos. Assim, quando da separação dos genitores, passou a haver
entre eles uma disputa pela guarda dos filhos, algo impensável até algum tempo
atrás. Antes, a naturalização da função materna levava a que os filhos ficassem
sob a guarda da mãe. Ao pai restava somente o direito de visitas em dias
predeterminados, normalmente em fins-de-semana alternados.
Como
encontros impostos de modo tarifado não alimentam o estreitamento dos vínculos
afetivos, a tendência é o arrefecimento da cumplicidade que só a convivência
traz. Afrouxando-se os elos de afetividade, ocorre o distanciamento, tornando
as visitas rarefeitas. Com isso, os encontros acabam protocolares: uma obrigação
para o pai e, muitas vezes, um suplício para os filhos.
Agora,
porém, se está vivendo uma outra era. Mudou o conceito de família.
O
primado da afetividade na identificação das estruturas familiares levou à valoração
do que se chama filiação afetiva. Graças ao tratamento interdisciplinar que vem
recebendo o Direito de Família, passou-se a emprestar maior atenção às questões
de ordem psíquica, permitindo o reconhecimento da presença de dano afetivo pela
ausência de convívio paterno-filial.
A
evolução dos costumes, que levou a mulher para fora do lar, convocou o homem a
participar das tarefas domésticas e a assumir o cuidado com a prole.
Assim,
quando da separação, o pai passou a reivindicar a guarda da prole, o estabelecimento
da guarda conjunta, a flexibilização de horários e a intensificação das
visitas.
No
entanto, muitas vezes a ruptura da vida conjugal gera na mãe sentimento de
abandono, de rejeição, de traição, surgindo uma tendência vingativa muito
grande. Quando não consegue elaborar adequadamente o luto da separação,
desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do
ex-cônjuge. Ao ver o interesse do pai em preservar a convivência com o filho,
quer vingar-se, afastando este do genitor.
Para isso cria uma série de
situações visando a dificultar ao máximo ou a impedir a visitação. Leva o filho
a rejeitar o pai, a odiá-lo. A este processo o psiquiatra americano Richard
Gardner nominou de “síndrome de alienação parental”: programar uma criança para
que odeie o genitor sem qualquer justificativa. Trata-se de verdadeira campanha
para desmoralizar o genitor. O filho é utilizado como instrumento da
agressividade direcionada ao parceiro. A mãe monitora o tempo do filho com o
outro genitor e também os seus sentimentos para com ele.
A
criança, que ama o seu genitor, é levada a afastar-se dele, que também a ama.
Isso gera contradição de sentimentos e destruição do vínculo entre ambos.
Restando
órfão do genitor alienado, acaba identificando-se com o genitor patológico,
passando a aceitar como verdadeiro tudo que lhe é informado.
O
detentor da guarda, ao destruir a relação do filho com o outro, assume o controle
total. Tornam-se unos, inseparáveis. O pai passa a ser considerado um invasor,
um intruso a ser afastado a qualquer preço. Este conjunto de manobras confere
prazer ao alienador em sua trajetória de promover a destruição do antigo parceiro.
Neste
jogo de manipulações, todas as armas são utilizadas, inclusive a assertiva de
ter sido o filho vítima de abuso sexual. A narrativa de um episódio durante o
período de visitas que possa configurar indícios de tentativa de aproximação
incestuosa é o que basta. Extrai-se deste fato, verdadeiro ou não, denúncia de
incesto. O filho é convencido da existência de um fato e levado a repetir o que
lhe é afirmado como tendo realmente acontecido. Nem sempre a criança consegue
discernir que está sendo manipulada e acaba acreditando naquilo que lhes foi
dito de forma insistente e repetida. Com o tempo, nem a mãe consegue distinguir
a diferença entre verdade e mentira. A sua verdade passa a ser verdade para o
filho, que vive com falsas personagens de uma falsa existência, implantando-se,
assim, falsas memórias.
Esta
notícia, comunicada a um pediatra ou a um advogado, desencadeia a pior situação
com que pode um profissional defrontar-se. Aflitiva a situação de quem é
informado sobre tal fato. De um lado, há o dever de tomar imediatamente uma
atitude e, de outro, o receio de que, se a denúncia não for verdadeira, traumática
será a situação em que a criança estará envolvida, pois ficará privada do
convívio com o genitor que eventualmente não lhe causou qualquer mal e com quem
mantém excelente convívio.
A
tendência, de um modo geral, é imediatamente levar o fato ao Poder Judiciário,
buscando a suspensão das visitas. Diante da gravidade da situação, acaba o juiz
não encontrando outra saída senão a de suspender a visitação e determinar a
realização de estudos sociais e psicológicos para aferir a veracidade do que
lhe foi noticiado.
Como
esses procedimentos são demorados – aliás, fruto da responsabilidade dos
profissionais envolvidos –, durante todo este período cessa a convivência do
pai com o filho. Nem é preciso declinar as sequelas que a abrupta cessação das
visitas pode trazer, bem como os constrangimentos que as inúmeras
entrevistas e testes a que é submetida a vítima na busca da identificação da
verdade.
No
máximo, são estabelecidas visitas de forma monitorada, na companhia de
terceiros, ou no recinto do fórum, lugar que não pode ser mais inadequado. E tudo
em nome da preservação da criança. Como a intenção da mãe é fazer cessar a
convivência, os encontros são boicotados, sendo utilizado todo o tipo de artifícios
para que não se concretizem as visitas.
O
mais doloroso – e ocorre quase sempre – é que o resultado da série de avaliações,
testes e entrevistas que se sucedem durante anos acaba não sendo conclusivo.
Mais uma vez depara-se o juiz diante deum dilema: manter ou não as visitas,
autorizar somente visitas acompanhadas ou extinguir o poder familiar; enfim,
manter o vínculo de filiação ou condenar o filho à condição de órfão de pai vivo
cujo único crime eventualmente pode ter sido amar demais o filho e querer tê-lo
em sua companhia. Talvez, se ele não tivesse manifestado o interesse em estreitar
os vínculos de convívio, não estivesse sujeito à falsa imputação da prática de
crime que não cometeu.
Diante
da dificuldade de identificação da existência ou não dos episódios denunciados,
mister que o juiz tome cautelas redobradas.
Não
há outra saída senão buscar identificar a presença de outros sintomas que
permitam reconhecer que se está frente à síndrome da alienação parental e que a
denúncia do abuso foi levada a efeito por espírito de vingança, como instrumento
para acabar com o relacionamento do filho com o genitor. Para isso, é indispensável
não só a participação de psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais, com
seus laudos, estudos e testes, mas também que o juiz se capacite para poder
distinguir o sentimento de ódio exacerbado que leva ao desejo de vingança a
ponto de programar o filho para reproduzir falsas denúncias com o só intuito de
afastá-lo do genitor.
Em
face da imediata suspensão das visitas ou determinação do monitoramento dos
encontros, o sentimento do guardião é de que saiu vitorioso, conseguiu o seu
intento: rompeu o vínculo de convívio. Nem atenta ao mal que ocasionou ao
filho, aos danos psíquicos que lhe infringiu.
É
preciso ter presente que esta também é uma forma de abuso que põe em risco a
saúde emocional de uma criança. Ela acaba passando por uma crise de lealdade,
pois a lealdade para com um dos pais implica deslealdade para com o outro, o
que gera um sentimento de culpa quando, na fase adulta, constatar que foi
cúmplice de uma grande injustiça.
A
estas questões devem todos estar mais atentos. Não mais cabe ficar silente
diante destas maquiavélicas estratégias que vêm ganhando popularidade e que
estão crescendo de forma alarmante.
A
falsa denúncia de abuso sexual não pode merecer o beneplácito da Justiça, que,
em nome da proteção integral, de forma muitas vezes precipitada ou sem atentar
ao que realmente possa ter acontecido, vem rompendo vínculo de convivência
tão indispensável ao desenvolvimento saudável e integral de crianças em
desenvolvimento.
Flagrada
a presença da síndrome da alienação parental, é indispensável a responsabilização
do genitor que age desta forma por ser sabedor da dificuldade de aferir a
veracidade dos fatos e usa o filho com finalidade vingativa. Mister que sinta
que há o risco, por exemplo, de perda da guarda, caso reste evidenciada a falsidade
da denúncia levada a efeito. Sem haver punição a posturas que comprometem o
sadio desenvolvimento do filho e colocam em risco seu equilíbrio emocional,
certamente continuará aumentando esta onda de denúncias levadas a efeito de
forma irresponsável.
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Dag Vulpi