O ‘Jornal Nacional’ muda o tom
Por Luciano Martins Costa em 12/08/2014 no Observatório da Imprensa
A
campanha eleitoral começou para valer na segunda-feira (11/8) e tem sua crônica
oficial registrada nos jornais de terça (12), com a primeira entrevista de
candidato presidencial ao Jornal Nacional, da TV Globo.
O
primeiro entrevistado, em decisão feita por sorteio acompanhado por assessores
de campanha, foi o ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves, do PSDB. Na
terça-feira, vai enfrentar a bancada o senador Eduardo Campos, do PSB, na noite
seguinte será a vez da atual presidente, Dilma Rousseff, do PT, e na
quinta-feira (14) vai falar o pastor Everaldo Dias Pereira, do PSC.
Os
apresentadores William Bonner e Patrícia Poeta, colocados no centro das
atenções do mundo político, tiveram um desempenho irrepreensível, com pleno
domínio do tempo e um controle absoluto de expressões faciais, tons de voz e
postura corporal. O entrevistado, ao contrário, pareceu desconfortável ao se
defrontar com uma dupla treinada para protagonizar o papel crítico que se
espera da imprensa. Sua voz parecia forçada, e a insistência dos
entrevistadores em temas que lhe são negativos provocou momentos de indecisão e
risos nervosos.
O
candidato do PSDB tem um padrão de voz fracionado por entradas de tons agudos
em meio às frases. Essa deficiência pode ser observada com relativa facilidade
pela análise do gráfico produzido quando se submete a gravação da entrevista a
um programa computacional de áudio. A voz do jornalista William Bonner produz
um traço com poucas variações tonais e o mesmo pode ser dito da entonação de
Patrícia Poeta, enquanto as intervenções de Aécio Neves resultam em oscilações
mais acentuadas.
Como
comparação, os dois jornalistas pareciam mais seguros do que o entrevistado, o
que resulta em uma percepção negativa para o candidato, uma vez que as
variações no tom de voz para picos de agudo são quase sempre relacionadas a
descontrole e insegurança. Além disso, a pauta não facilitou a vida de Aécio
Neves, forçando-o a tomar uma posição clara quanto à perspectiva de aumento de
tarifas públicas e preços de combustíveis, a responder diretamente à polêmica
sobre o aeroporto privado construído com verba pública quando ele era
governador de Minas e ao ter que confrontar dois casos de corrupção que
envolvem seu partido.
Vida dura
Nos
jornais de terça-feira há boas resenhas do programa, com destaque para a
avaliação da Folha de S.Paulo, que evidencia a clara diferença entre as
manifestações de políticos colhidas na cobertura televisiva do dia a dia e o
confronto direto com os experientes ocupantes da bancada do telejornal.
Tanto
a Folha como o Estado de S.Paulo destacam o fato de Aécio
Neves não se sentir constrangido com o caso do aeródromo que beneficia os
interesses de seus familiares no município de Cláudio, em Minas Gerais. Também
a cobertura do Globo, mais extensa, deixa claro que o desempenho do
candidato na entrevista não lhe foi favorável.
Há
vários aspectos a serem observados nesse episódio, que pode se tornar um
divisor de águas na história recente das coberturas eleitorais da imprensa
brasileira. O primeiro deles é a necessidade premente da TV Globo de reverter a
queda da audiência de seu principal programa jornalístico, que, embora continue
com grande vantagem sobre os concorrentes, vem sofrendo perdas seguidas na
última década, com um decréscimo acentuado justamente no período da disputa
eleitoral de 2010, quando saiu da casa dos 30 pontos. De 2006 para 2013, o Jornal
Nacional caiu de 36,4 para cerca de 26 pontos de audiência, em média.
Outra
questão a ser considerada é a percepção de algumas consultorias de negócios de
que o candidato Aécio Neves não tem consistência para evitar a reeleição de
Dilma Rousseff. Na segunda-feira (11/8) o portal de notícias Terra trazia
análise da empresa Rosenberg Associados (ver aqui),
com um texto de alta agressividade contra o governo petista, na qual os
consultores afirmam que a presidente é favorita inconteste na eleição deste
ano. A consultoria pertence ao economista Luiz Paulo Rosenberg, vice-presidente
do Corinthians.
Com
a série de entrevistas com candidatos, o Jornal Nacional abre um
contraponto em relação a esse tipo de análise, que tenta impor os interesses do
mercado financeiro à conveniência da maioria da população.
A
julgar pela amostra que ofereceu na primeira entrevista, a Globo não vai
amaciar.
Se
não foi fácil para Aécio, não vai ser fácil pra ninguém.
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