Junto com
alguns outros shoppings da capital, o Shopping JK Iguatemi, um dos templos do
consumo de luxo em São Paulo, conseguiu uma liminar na Justiça impedindo o
“rolezaum” que havia sido marcado pelas redes sociais para acontecer no local
neste sábado. As portas automáticas que dão acesso ao estabelecimento foram
desligadas e passaram a ser blindadas por policiais. Houve, ainda, a presença
de um oficial de justiça na porta do estabelecimento. Caso o organizador do
evento aparecesse e fosse reconhecido, seria conduzido a um distrito policial
para esclarecimentos, segundo declarou à Veja SP o oficial de justiça. A
situação estapafúrdia foi amplamente divulgada pela imprensa.
Em outro
shopping, bem mais popular e localizado no extremo leste da cidade, a PM chegou
a usar bombas e balas de borracha. Na prática, o Estado tem usado a força para
impedir o sagrado direito de jovens pobres e da periferia de ir e vir. Os
chamados “rolezinhos” estão sendo agendados por jovens e adolescentes destes
bairros mais distantes por meio das redes sociais, e têm despertado o medo de
comerciantes e frequentadores habituais dos shopping centers. Os primeiros
rolezinhos faconteceram em shoppings da periferia, e a presença de seguranças e
policiais também ocorreu. A ação deste final de semana seria mais marcante,
pois fora escolhido um dos shoppings frequentados pela elite paulistana,
localizado no caríssimo bairro do Itaim, um dos que mais concentra
investimentos públicos e privados em toda a cidade. Vale lembrar que shoppings
centeres ocuparam as páginas policiais dos jornais recentemente por suposto
envolvimento em esquemas de propina para ter seus projetos aprovados.
A expedição de
uma liminar, embora compreensível sob o ponto de vista daqueles que temiam a
chegada de centenas ou milhares de frequentadores, digamos, “diferenciados”,
escancara o que todos neste país sabemos mas muito poucas vezes falamos: apesar
dos avanços institucionais e legais que o Brasil conheceu desde a
redemocratização, alguns brasileiros são mais cidadãos do que outros. Alguns
espaços são mais exclusivos do que outros. E o consumo, ainda que cantado em
prosa e verso como motor da sociedade e supra-sumo da felicidade e da
realização pessoal, não é, evidentemente, para todos. É estranhíssimo ver
empresários buscando a ajuda do Estado, ainda que seja para obter uma simples
liminar com o objetivo de impedir a diversificação de sua própria carteira de
clientes. Afinal de contas, a elite brasileira é capitalista ou não?
Essa garotada
que hoje tenta frequentar os shoppings nasceu na década de 1990, quando o
discurso neoliberal já era hegemônico em nosso país. Cresceram ouvindo dia e
noite que política é ruim e que o sucesso é uma conquista individual. Comprados
o tênis de marca, o relógio da moda, o celular de última geração, o rolezinho
no shopping é o top da ostentação dos que vem de baixo, da base da pirâmide
social. E ai encontram o que? As portas fechadas. A porta na cara da molecada
de pele marrom é o outro lado da moeda de um país onde uma boa parte da elite parece
ser capitalista somente até a página 2. E que no dia a dia, há séculos, busca
se apropriar, de todas as formas possíveis, do Estado, a fim de dirigir suas
prioridades. Dos vultosos subsídios a setores empresariais ao eterno chororô
contra os impostos, do poderoso rentismo que vive da rolagem da dívida pública
aos editais amigos de obras e serviços públicos, da sonegação fiscal à
domesticação de partidos e candidatos através do financiamento de campanhas
eleitorais.
Fernando
Henrique Cardoso talvez estivesse certo nos seus livros e artigos sobre a
dependência brasileira: nunca tivemos, em nosso país, amplos setores de elite
que trouxessem consigo um projeto de nação, destinado a integrar nos direitos,
na cidadania ou sequer no consumo os milhões de despossuídos. Quando muito
nossa elites têm um projeto de classe, ou nem isso. Ao longo de séculos boa
parte delas contentaram-se em intermediar negócios com os países mais ricos e
levar sua parte, e a polícia que se vire para segurar a massa mulata e preta das
periferias paupérrimas. Sempre foi assim.
Ao lado dessa
ignorância preguiçosa de nossas elites, temos a ignorância adestrada de nossos
pobres. Quando se vê um garoto carregando um fuzil no meio de uma favela, de
uma coisa pode-se ter certeza: ele não quer fazer a revolução e pôr o sistema
abaixo. Pelo contrário, a violência é a forma pela qual pretende acessar e
usufruir dos bens materiais que outros jovens conseguem obter por meios legais
ou aceitáveis. A garotada pobre que se manda em grupos para os shoppings tem o
mesmo desejo. Querem consumir os símbolos de status que de uns tempos pra cá
imaginam ser acessíveis a eles também. Ignoram, no entanto, que ao invés dos
shoppings muito melhor seria se tivessem acesso a teatros, cinemas,
bibliotecas, centros esportivos e de lazer, tão ou mais inacessíveis a eles que
estes ocos templos de consumo.
O “rolezinho”
demonstra o paradoxo da elite brasileira, que por um lado quer crescimento
econômico, mas por outro quer manter os de pele marrom confinados na senzala. A
muralha que o “rolezinho” escancarou é formada por uma Justiça muitas vezes
conivente com a desigualdade social, fato que se expressa em alguns casos como
foi em Pinheirinho e agora nos “rolezinhos”.
Wagner
Iglecias é doutor em Sociologia e professor do Curso de Graduação em Gestão de
Políticas Públicas e do Programa de Pós-Graduação em Integração da América
Latina da USP.
Rafael
Alcadipani é PhD em Management Sciences pela Manchester Business School
(Inglaterra) e Prof. Adjunto da Escola de Administração de Empresas de São
Paulo da FGV.
Do GGN
Absurdo maior, me parece impossível! Há coisas que realmente não consigo compreender! Shopping não é espaço de comércio, e, portanto, ao menos em tese, aberto ao público? Como é possível, com o amparo da lei, barrar determinado tipo de público e não outro? Sob que ou quais argumentos? Não caberia neste caso dos jovens barrados, um processo por danos morais?
ResponderExcluirBoa tarde Romero Marcius.
ExcluirAgradeço sua visita e participação aqui no blog.
Como o amigo lembrou os Shoppings são espaços comerciais, portanto necessariamente dependem do fluxo de PESSOAS para sobreviverem, que eu saiba ainda não existem Shoppings com lojas única e exclusivamente para somente expor mercadorias e serviços, esse tipo de evento costuma dar-se em grandes feiras organizadas para este fim, ainda assim, mesmo aquelas são organizadas para os fabricantes exporem seus produtos e serviços com o objetivo de vende-los.
E forma como estão tentando combater os tais "ROLESINHOS" é crime! Pois está segregando uma parcela da população. E todos aqueles que passaram ou virem a passar por este tipo de constrangimento podem e devem procurar seus direitos junto alei.
Fraterno abraço e um maravilhoso 2014