Prováveis
recomendações do relatório final, como a revisão da Lei da Anistia, poderiam
aprofundar hostilidades das Forças Armadas e desagradar eleitorado conservador.
Decidida com
cálculo político, a prorrogação do prazo de funcionamento da Comissão Nacional
da Verdade por mais sete meses desvinculou das eleições do ano que vem os
efeitos do relatório final das investigações sobre os anos de chumbo. As
prováveis recomendações que devem constar no relatório - entre elas a polêmica
revisão da Lei da Anistia - poderiam aprofundar as hostilidades entre a ala
conservadora das Forças Armadas e desagradar o eleitorado conservador às
vésperas da campanha.
“A presidente
Dilma Rousseff detectou um clima pesado e driblou a polêmica. O relatório final
- que seria divulgado em maio - poderia criar uma fumaça no processo
eleitoral”, diz o cientista político Gaudêncio Torquato, experiente analista
dos movimentos de caserna.
Segundo ele,
nas duas últimas semanas aumentou a reação de oficiais de pijama,
entrincheirados no Clube Militar, no Rio, contra o trabalho das comissões
empenhadas em reconstituir o período de arbítrio pela relembrança dos casos de
tortura, execuções de militantes da esquerda armada e desaparecimentos
forçados. O movimento, diz Torquato, tem como alvo despertar o sentimento
corporativo dos militares da ativa.
Delegado do
DOI-Codi nega torturas e até que conhecia superior hierárquico
De acordo com
a nova Medida Provisória, publicada na quarta-feira, a
CNV terá mais 12 meses de funcionamento, completando o trabalho em dois
anos e sete meses. Amparada por outras 140 comissões estaduais, municipais e de
entidades da sociedade civil, A CNV terá de reconstituir os anos de chumbo pela
história das vítimas e romper o impasse que impede a localização do paradeiro
dos desaparecidos entre 1968 e 1976.
O relatório
final só será conhecido em 16 de dezembro do ano que vem, portanto, já na
transição para um novo governo, período propício inclusive para tentar virar a
página dos anos de chumbo através de uma saída pactuada com as Forças Armadas.
“O
esclarecimento não depende de prazo. Depende das informações de quem matou,
torturou ou sumiu com corpos”, diz o presidente da Comissão da Verdade do Rio
de Janeiro, Wadih Damous. Segundo ele, o grande obstáculo para elucidação do
período está nas Forças Armadas, que “não colaboram e nem abrem seus arquivos”.
“O que sai é
na base do saca rolha”, reclama o vereador Gilberto Natalini (PV), presidente
da Comissão Municipal de São Paulo. Uma das descobertas, lembra ele, em
novembro do ano passado, foi por acaso: a polícia gaúcha investigava o
assassinato do ex-coronel do Exército Julio Miguel Molina Dias, ex-comandante
do DOI-Codi do Rio, e encontrou na residência deste documentos revelando a
entrada (sem registro de saída) do deputado Rubens Paiva no estabelecimento
militar e detalhes sobre o atentado ao Riocentro.
Os documentos
encontrados com o ex-comandante do DOI-Codi são os mesmos que o Ministério da
Defesa vêm, sistematicamente, alegando que foram destruídos pelos órgãos de
informação e repressão das três forças.
Há fartura de
indícios reforçando suspeitas segundo as quais as principais informações foram
retiradas ilegalmente dos arquivos das Forças Armadas e ficaram em poder de
oficiais da linha dura que estiveram à frente das operações decisivas da
repressão. O caso mais exemplar é do coronel Sebastião Rodrigues de Moura, o
Curió, a cara da repressão na Guerrilha do Araguaia. Ele guardou os documentos
e só os revelou ao jornalista Leonêncio Nossa, autor de Mata!, a mais completa
biografia de Curió.
As informações
sobre os desaparecidos são guardadas a sete chaves. O coordenador da CNV, Pedro
Dallari, diz que a decisão da presidente Dilma dá mais tempo para a elaboração
do relatório final, mas não alimenta a possibilidade de um resultado que possa
levar aos corpos.
“Assim como
ocorreu em outros países, a comissão não esgotará as investigações. A
estratégia é deixar uma cultura para a continuidade das investigações através
de novas comissões”, afirma Dallari. A maioria delas encerraria os trabalhos em
maio, mas aderiu à prorrogação.
“O prazo foi
ampliado porque era muito curto” diz o jornalista Ivan Seixas, ex-preso
político e coordenador da Comissão da Verdade paulista. Segundo ele, a decisão
de Dilma, “correta e republicana”, indiretamente acaba tirando a possibilidade
de o relatório final interferir na eleição.
“O importante
é que o Estado brasileiro siga as recomendações que constarão no relatório”,
afirma. As duas questões mais polêmicas em debate na CNV são uma medida
governamental que abra ou resgate os arquivos das Forças Armadas _ seja através
de documentos ou pelo depoimento dos oficiais _ e a possibilidade de mexer na
Lei da Anistia (para levar criminosos ao banco dos réus) diante da nova
composição do Supremo Tribunal Federal.
Críticas
à CNV
O acirramento
dos ânimos militares reflete o imobilismo da CNV que, em 20 meses de
investigação, apresenta como resultado mais relevante o resgate da imagem do
ex-presidente João Goulart, mas patina nas grandes questões e acelera no
retrabalho. Os cerca de 500 depoimentos já tomados são, na maior parte, uma
repetição dos relatos sobre violações existentes no acervo da Comissão de
Anistia do Ministério da Justiça, que disponibilizou à CNV um acervo com 60 mil
denúncias.
Nos
bastidores, as críticas mais frequentes apontam a falta de audiências públicas
que envolvam a população, ações pífias na busca dos desaparecidos e a ausência
de interlocutor ou negociador que abra diálogo produtivo com as Forças Armadas.
As poucas
audiências até aqui realizadas não acrescentaram informações. Além disso,
viraram “palanque” para a ala militar conservadora criticar o governo, como
ocorreu nos depoimentos do ex-chefe do Dói-Codi paulista, Carlos Alberto
Brilhante Ustra, e do general Álvaro de Souza Pinheiro.
Em 2014, na
tentativa de dar rumo às investigações, a CNV retomará as audiências públicas
com dois temas barulhentos, a Casa da Morte - centro de tortura em Petrópolis,
no Rio - e Guerrilha do Araguaia, o episódio mais forte dos anos de chumbo.
Gaudêncio
Torquato diz que a elucidação seria facilitada com o aparecimento de um
interlocutor “isento, gabaritado e independente”, capaz de negociar com a área
militar. Ele afirma que, passados quase três décadas do fim do regime e às
vésperas dos 50 anos do golpe civil-militar, os fantasmas golpistas estão
exorcizados e não há riscos de quebra institucional por conta dos anos de
chumbo. Mas acha que falta interlocução com a área militar e tem sugestão:
“O nome mais
indicado é o do Aldo Rebelo (ministro do Esporte). Sua visão nacionalista e os
conceitos de defesa da Amazônia são parecidos com o pensamento das Forças
Armadas. Ele tem boa interlocução e é respeitado no meio militar”, afirma o
cientista político.
Até o anúncio
das sentenças do mensalão, segundo ele, o interlocutor ideal era o ex-deputado
José Genoíno, que foi assessor especial do Ministério da Defesa. Os dois,
curiosamente, têm suas histórias ligadas a Guerrilha do Araguaia. Aldo, como
dirigente do partido que organizou o movimento rebelde, o PC do B, e Genoíno
como ex-guerrilheiro.
Torquato acha
que o caminho para um entendimento foi azeitado pela presidente Dilma Rousseff
ao atender a área militar na questão dos caças, mas aponta que ainda falta o
que chama de “um agrado”: o reequipamento das Forças Armadas, que estão
sucateadas. O gesto derrubaria as alegações de revanchismo e ajudaria a virar a
página do período.
Do IG Brasil
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