De cada três abrigos infanto-juvenis existentes no Brasil, praticamente um acolhe ao menos uma criança ou adolescente sem autorização judicial. O dado foi identificado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e consta na publicação Um Olhar Mais Atento aos Serviços de Acolhimento de Crianças e Adolescentes no País, lançada ontem (8).
Ao inspecionarem 2.370 instituições de acolhimento institucional e familiar de todo o país, os promotores de Justiça da Infância e Juventude constataram grande número de entidades com crianças e adolescentes sem a obrigatória guia de acolhimento. Pela atual legislação, o acolhimento de qualquer jovem precisa do aval da autoridade judiciária competente, responsável por emitir uma guia de acolhimento individualizada.
As unidades foram inspecionadas entre março de 2012 e março deste ano. No período, 28% dos abrigos (espaços de acolhimento destinados ao atendimento de grupos de até 20 crianças ou adolescentes) informaram que ao menos uma criança ou adolescente, que vivia no local, estava sem a devida guia de acolhimento. O percentual foi menor (25%) entre os abrigados nas chamadas casas-lar, unidades residenciais onde um grupo de até dez crianças convive com a presença de ao menos uma pessoa ou casal que desempenha o papel de educador.
Já entre as crianças e adolescentes temporariamente afastados do convívio familiar, acolhidos em residências de famílias (modalidade conhecida como acolhimento familiar), o percentual dos que não tinham a guia de acolhimento também chegou a 28%.
“A falta da guia de acolhimento é gravíssima, pois significa que o juiz não sabe da presença da criança na instituição”, explicou a juíza federal Taís Schilling Ferraz, presidenta da Comissão da Infância e Juventude do CNMP. De acordo com a juíza, os promotores que visitaram as unidades de acolhimento não se debruçaram sobre cada um dos casos, mas a tendência é que todos sejam anteriores à entrada em vigor da Lei 12.010, de 2009, que tornou obrigatória à exigência da autorização judicial.
Segundo a juíza, uma das iniciativas para tentar resolver o problema foi a criação, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Acolhidos, onde cada caso é registrado e acompanhado de forma individualizada.
“É necessário conhecer a situação de cada criança [em abrigos] para que ela tenha seu procedimento individualizado e possa ser permanentemente avaliada pelo Poder Judiciário e pelo Ministério Público. Se o juiz sequer sabe da presença da criança em um abrigo, fica impossível regularizar a situação. E, infelizmente, temos aí um grupo de crianças que está no limbo”, concluiu a juíza.
Presente à divulgação do relatório, a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, avaliou que a Justiça precisa estar atenta ao problema, além de citar outras questões apontadas pelo CNMP, como a superlotação das unidades de internação de adolescentes em conflito com a lei e a falta de separação dos internos por faixa etária, porte físico e tipo de infração.
“O mais importante é que cada juiz, na sua comarca, esteja atento a cada adolescente que entra no sistema. E que também monitore as instituições de internação. Verificamos aqui que as instituições não estão adequadas. Logo, temos que reconhecer a falha do Estado. E o próprio avanço da presença [participação] de adolescentes em atos infracionais tem muito a ver com as falhas do Estado".
Agência Brasil
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