quarta-feira, 12 de junho de 2013

Holanda pode provocar o colapso do euro

A Holanda começa a provar o amargo da austeridade que o seu
ministro das Finanças quer aplicar em toda a Europa.
Foto By Rijksoverheid.nl [CC0], via Wikimedia Commons
A bolha imobiliária estourou, o país está em recessão, o desemprego sobe e a dívida dos consumidores é 250% do rendimento disponível. O grande aliado da Alemanha na imposição da austeridade por todo o continente começa a provar o amargo da sua própria receita. Por Matthew Lynn, El Economista

Que país da zona euro está mais endividado? Os gregos esbanjadores, com as suas generosas pensões estatais? Os cipriotas e os seus bancos repletos de dinheiro sujo russo? Os espanhóis tocados pela recessão ou os irlandeses em falência? Pois curiosamente são os holandeses sóbrios e responsáveis. A dívida dos consumidores nos Países Baixos atingiu 250% do rendimento disponível e é uma das mais altas do mundo. Em comparação, a Espanha nunca superou os 125%.

A Holanda é um dos países mais endividados do mundo. Está mergulhada na recessão e demonstra poucos sinais de estar a sair dela. A crise do euro arrasta-se há três anos e até agora só tinha infetado os países periféricos da moeda única. A Holanda, no entanto, é um membro central tanto da UE quanto do euro. Se não puder sobreviver na zona euro, estará tudo acabado.

O país sempre foi um dos mais prósperos e estáveis de Europa, além de um dos maiores defensores da UE. Foi membro fundador da união e um dos partidários mais entusiastas do lançamento da moeda única. Com uma economia rica, orientada para as exportações e um grande número de multinacionais de sucesso, supunha-se que tinha tudo a ganhar com a criação da economia única que nasceria com a introdução satisfatória do euro. Em vez disso, começou a interpretar um guião tristemente conhecido. Está a estourar do mesmo modo que a Irlanda, a Grécia e Portugal, salvo que o rastilho é um pouco mais longo.

Bolha imobiliária
Os juros baixos, que antes do mais respondem aos interesses da economia alemã, e a existência de muito capital barato criaram uma bolha imobiliária e a explosão da dívida. Desde o lançamento da moeda única até o pico do mercado, o preço da habitação na Holanda duplicou, convertendo-se num dos mercados mais sobreaquecidos do mundo. Agora explodiu estrondosamente. Os preços da habitação caem com a mesma velocidade que os da Flórida quando murchou o auge imobiliário americano.

Atualmente, os preços estão 16,6% mais baixos do que estavam no ponto mais alto da bolha de 2008, e a associação nacional de agentes imobiliários prevê outra queda de 7% este ano. A não ser que tenha comprado a sua casa no século passado, agora valerá menos do que pagou e inclusive menos ainda do que pediu emprestado por ela.

Por tudo isso, os holandeses afundam-se num mar de dívidas. A dívida dos lares está acima dos 250%, é maior ainda que a da Irlanda, e 2,5 vezes o nível da da Grécia. O governo já teve de resgatar um banco e, com preços da moradia em queda contínua, o mais provável é que o sigam muitos mais. Os bancos holandeses têm 650 mil milhões de euros pendentes num sector imobiliário que perde valor a toda a velocidade. Se há um facto demonstrado sobre os mercados financeiros é que quando os mercados imobiliários se afundam, o sistema financeiro não se faz esperar.

Profunda recessão
As agências de rating (que não costumam ser as primeiras a estar a par dos últimos acontecimentos) já se começam a dar conta. Em fevereiro, a Fitch rebaixou a qualificação estável da dívida holandesa, que continua com o seu triplo A, ainda que só por um fio. A agência culpou a queda dos preços da moradia, o aumento da dívida estatal e a estabilidade do sistema bancário (a mesma mistura tóxica de outros países da eurozona afetados pela crise).

A economia afundou-se na recessão. O desemprego aumenta e atinge máximos de há duas décadas. O total de desempregados duplicou em apenas dois anos, e em março a taxa de desemprego passou de 7,7% para 8,1% (uma taxa de aumento ainda mais rápida que a do Chipre). O FMI prevê que a economia vai encolher 0,5% em 2013, mas os prognósticos têm o mau costume de ser otimistas. O governo não cumpre os seus défices orçamentais, apesar de ter imposto medidas severas de austeridade em outubro. Como outros países da eurozona, a Holanda parece encerrada num círculo vicioso de desemprego em aumento e rendimentos fiscais em queda, o que conduz a ainda mais austeridade e a mais cortes e perda de emprego. Quando um país entra nesse comboio, custa muito a sair dele (sobretudo dentro das fronteiras do euro).

Até agora, a Holanda tinha sido o grande aliado da Alemanha na imposição da austeridade por todo o continente, como resposta aos problemas da moeda. Agora que a recessão se agrava, o apoio holandês a uma receita sem fim de cortes e recessão (e inclusive ao euro) começará a esfumar-se.
Os colapsos da zona euro ocorreram sempre na periferia da divisa. Eram países marginais e os seus problemas eram apresentados como acidentes, não como prova das falhas sistémicas da forma como  a moeda foi estruturada. Os gregos gastavam demasiado. Os irlandeses deixaram que o seu mercado imobiliário se descontrolasse. Os italianos sempre tiveram demasiada dívida. Para os holandeses não há nenhuma desculpa: eles obedeceram a todas as regras.

Desde o início ficou claro que a crise do euro chegaria à sua fase terminal quando atingisse o centro. Muitos analistas supunham que seria a França e, ainda que França não esteja exatamente isenta de problemas (o desemprego cresce e o governo faz o que pode, retirando competitividade à economia), não deixa de continuar a ser um país rico. As suas dívidas serão altas mas não estão fora de controlo nem começaram a ameaçar a estabilidade do sistema bancário. A Holanda está a chegar a esse ponto.

Talvez se tenha de esperar um ano mais, talvez dois, mas a queda ganha ritmo e o sistema financeiro perde estabilidade a cada dia. A Holanda será o primeiro país central a estourar e isso significará demasiada crise para o euro.
Matthew Lynn é diretor executivo da consultora londrina Strategy Economics.
Publicado originalmente em El Economista


2 comentários:

  1. Via Facebook...

    O alarmismo do artigo não condiz com os dados que ele mesmo apresenta. Fala em explosão da bolha imobiliária e cita que os preços estão 16% abaixo do seu ponto mais alto, em 2008. Não me parece ser tão crítico assim. As agências podem rebaixar a sua nota de AAA para AA+ (igualzinho a dos americanos) o que também não seria uma grande tragédia. Ele faz uma predição arriscada, a Holanda irá estourar e arrastará o euro junto.
    Como o autor é diretor de uma consultora e até agora parece ser o único que enxergou a catástrofe, seria bom perguntar se a sua clientela está vendendo posições em euro para comprar posições em dólares. Seria o famoso jabá. Eu coloco muitas reservas em relação ao conteúdo do artigo.

    Marco Lisboa

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  2. Via Facebook...

    Nota: No Brasil o FHC acaba de formar uma empresa com os seus antigos ministros para "investir" no mercado imobiliário. Isso, segundo ele, porque não há mais lucro nas aplicações em renda fixa. Agora imagine essa tchurma se não é capaz de fazer crescer uma bolha imobiliária e estoura-la de propósito, tal o rancor que têm deste governo.

    Marcos Rebello

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