Petistas foram monitorados por órgão da repressão, que
continuou agindo clandestinamente após o fim da ditadura militar
Os investigadores do Departamento
Estadual de Ordem Política e Social (Deops-SP), que controlava e
reprimia movimentos políticos e sociais contrários à ditadura militar
(1964-1985) no País, estavam atentos aos passos do então secretário-geral do
PT, José Dirceu, e do deputado federal da legenda por São Paulo José
Genoino, em 1984. Em arquivo datado de junho daquele ano, o departamento
sublinhava a divergência ideológica entre os dois, políticos influentes na
esquerda brasileira, a respeito de uma candidatura presidencial única após
o fim do regime ditatorial. Em dezembro de 2012, eles foram condenados pelo
Supremo Tribunal Federal (STF) por envolvimento com o escândalo do mensalão.
"O deputado José Genoino Neto,
SP, contestou as afirmações do Secretário Geral do seu partido, José Dirceu,
que em entrevista à Folha atribui ao 'discurso ideológico' dos
grupos radicais de esquerda da agremiação o fato de não ter sido aprovada, na
última Convenção Nacional, a proposta de candidatura única das oposições em
eleições diretas", afirmou o documento, citando uma reportagem do jornal Folha
de S. Paulo. Um mês depois, Dirceu voltou a ser investigado pela participação
em um ato público na Assembleia de São Paulo em favor das eleições
diretas.
As informações estão disponíveis
desde a última segunda-feira no Arquivo Público do Estado, que liberou a
consulta pública, pela internet, de milhares de fichas digitalizadas e
prontuários do departamento, produzidos entre 1923 e 1983. Conforme
análise feita pelo Terra, outros políticos contrários à ditadura, como o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foram investigados clandestinamente
até 1994. Para o coordenador do Arquivo, Carlos Bacellar, isso demonstra que é
preciso "vigilância" da sociedade.
"Extinguir essa prática
perigosa do Estado não é simples, exige muita atenção e vigilância, pois há
elementos querendo atuar em outro sentido. O Estado tentou eliminar o Deops, só
que na prática a coisa continuou andando. O ex-governador Mário Covas, por
exemplo, foi acompanhado até a morte (em 2001). Havia uma cultura muito grande
de repressão, e isso não se tira da cabeça das pessoas por decreto",
ressaltou.
Em 1990, as investigações chamam a atenção para o incentivo às invasões de terras
Foto: Reprodução
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Inversão de valores
Bacellar salienta que o fim da
ditadura fez com que os valores se invertessem, já que os investigadores
passaram à clandestinidade. "Tanto era ilegal que a maior parte do
trabalho deles era feita com recortes de jornais, pois não havia recursos para
uma atividade clandestina. A gente não sabe precisar até quando eles
investigaram, o acervo é muito grande, mas talvez coisas bem recentes
apareçam", disse ele.
De acordo com o jurista Luiz Flávio
Gomes, cabe à Comissão Nacional da Verdade (CNV) esclarecer o assunto e
trazer informações que sirvam de alerta às práticas atuais da
polícia. "O regime ditatorial morreu em 1985, mas não foi
sepultado. Seus costumes, suas crenças e práticas até hoje prosseguem
dentro da polícia. Isso será objeto da CNV, que vai citá-las. O poder
punitivo é resquício da ditadura e se distancia das leis", afirmou.
Burocracia dos
arapongas
O professor de ciência política da
Universidade de Brasília (UnB) Paulo Kramer entende que as investigações a
Lula, Dirceu, Genoino e outros líderes da esquerda após a extinção do Deops são
demonstrações do "monstro burocrático" presente nas instâncias do
poder no Brasil.
"Sem tentar demonizar mais
do que as pessoas costumam fazer, a gente pode considerar essa burocracia como
uma típica espécie representante do gênero: a burocracia da
arapongagem. É a natureza do monstro burocrático. A continuação da espionagem é
um caso típico de sobrevivência indevida de um serviço burocrático. Obviamente
que há uma conotação política séria, pois se trata de uma vigilância
ilegal das vidas das pessoas", disse.
"Numa ditadura desse tamanho,
eles (repressores) não iam querer 'perder a boquinha'. É o jogo
político da direita. O fato de os arquivos serem revelados amplia o
conhecimento do material todo e é importante inclusive para efeito de
estudo e conhecimento dos fatos. Acho que vai tornar o País mais esclarecido
sobre isso", completou Nilson Furtado, do Grupo Tortura Nunca Mais.
O acervo da Deops
O Arquivo Público do Estado de São
Paulo disponibiliza desde segunda-feira a consulta pública, pela internet, de
mais de 274 mil fichas digitalizadas e 12,8 mil prontuários produzidos pela
Deops-SP no período compreendido entre 1923 e 1983. No total, são cerca de
1 milhão de imagens, fichas, prontuários e dossiês, equivalentes a 10% do
volume total.
Nesses 60 anos, estão compreendidos
dois períodos em que houve cerceamento das liberdades no Brasil: o Estado Novo
(1937-1945) e a ditadura militar, iniciada em 1964. A pesquisa pode ser feita a
partir do site
do Arquivo Público.
Paulo Abrão, secretário nacional de
Justiça, afirmou que boa parte desse arquivo foi construído para justificar a
repressão. "Há muitas mentiras ali, mas é mais um passo no aperfeiçoamento
da nossa jovem democracia", ponderou. "Que os outros
governadores sigam o exemplo de São Paulo. Essa é uma homenagem à luta dos
familiares dos mortos na ditadura por esse acesso".
Terra
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