Por Matheus Pichonelli, na revista CartaCapital:
O pastor Marco Feliciano completará
na próxima quinta-feira duas semanas à frente da Comissão de Direitos Humanos e
Minorias da Câmara dos Deputados. Até o momento não deu qualquer sinal de que
entende, ou pretende entender, o que afinal significam direitos humanos ou
direitos das minorias.
Quando assumiu o posto, em meio à gritaria diante de tantos absurdos propagados contra quem pretende representar, pediu um voto de confiança. O barulho continuou e ele resolveu revidar. Nesta semana, publicou em seu perfil no Twitter um vídeo, produzido pela WAP TV Comunicação, em que criminaliza abertamente líderes do movimento LGBT, religiões afrodescendentes e militantes que defendem, entre outras bandeiras, a regularização da prostituição e o casamento igualitário.
O narrador, que não aparece, tem a voz distorcida – como são distorcidas as
A aparente reação do deputado aos protestos assusta pela precariedade dos argumentos e a oposição maniqueísta assumida. O tom é sempre “nós” contra “eles” – sempre atribuindo a “eles” o monopólio da truculência e um suposto projeto para garantir privilégios, dinheiro público e perverter a sacralidade da chamada “família”, entendida sempre como uma estrutura única, indissociável, intocável.
Para reforçar os argumentos, usa títulos de reportagens sobre violência contra gays do tipo “Lésbica mata companheiro a facada” e “Travesti mata deficiente”. É a esquina frutífera da ignorância midiática com a má fé religiosa – como se, do outro lado, fosse possível ler notícias como “Hétero e madrasta jogam criança de prédio em SP” ou “Hétero se junta a namorado hétero para matar os pais, de família estruturada, a machadadas”.
Ao fim do vídeo, Feliciano avisa que renunciará: à sua privacidade, às noites de paz e sono e aos momentos de família para não renunciar à comissão e preservar a sua (nossa?) família.
Não faltou um único argumento para mostrar que o deputado é, provavelmente, a pessoa menos capacitada a assumir o desafio da comissão: o desafio de ajudar a garantir a livre manifestação de quem tenta viver sem traumas, sem o ônus da exclusão, sem perseguições, piadinhas ou vergonha de ser o que é sem que alguém diga como e com quem deve se relacionar para ter paz. Mas Marco Feliciano faz de sua obsessão uma cruzada sob um argumento invertido: a de que não é aceito pelo simples fato de ser cristão. Como se fosse impossível ser cristão e estar em paz com o que se é; como se em alguma passagem da Bíblia houvesse um manual de uso correto do próprio corpo, da própria expressão; como se, ao subir aos Céus, Cristo tivesse orientado a amar ao próximo como a ti mesmo com um asterisco: não vale amar homem com homem nem mulher com mulher.
Falta alguém explicar ao pastor, possivelmente com um vídeo mais didático, que um líder na Câmara, de qualquer comissão, pode ser cristão, judeu, budista, agnóstico. Só não pode ser desonesto. E desonestidade não é só empregar no gabinete funcionário fantasma. Ou ser acusado de estelionato. Ou reclamar quando algum fiel de boa fé entrega um cartão de crédito sem a senha. A desonestidade intelectual é a mais danosa das agressões praticadas por quem tenta criminalizar grupos vulneráveis com sofismas e trilha sonora de terror. Nada pode ser mais sintomático sobre as bandeiras representadas pelo deputado – longe, muito longe da paz e a unidade tão clamadas na Bíblia sobre a qual Feliciano se senta para espalhar o ódio e o apelo à exclusão.
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