A Comissão Estadual da Verdade de São Paulo ouviu, na tarde de hoje (14), o depoimento de duas mulheres torturadas durante a ditadura militar. Elza Lobo e Ieda Seixas prestaram depoimentos emocionados que devem ajudar a comissão no trabalho de identificar e resgatar a história de militantes mortos ou desaparecidos em São Paulo durante o regime. Esta foi a 22ª audiência pública da comissão estadual este ano.
“Estamos focando na questão dos mortos e desaparecidos. Esse conjunto de depoimentos começa a montar um quebra-cabeça. Temos que montar dois quebra-cabeças aqui: quem foi atingido e quem os atingiu. Então esse conjunto de histórias monta um organograma de uma sequência cronológica de quem foi atingido, em diferentes períodos, tanto na Oban [Operação Bandeirante] como no Dops [Departamento de Ordem Política e Social] e ver quais são as equipes de pessoas que estavam lá reprimindo. Sempre aparece, nesses depoimentos, um elo de ligação”, disse o presidente da comissão, o deputado estadual Adriano Diogo, em entrevista à Agência Brasil.
A primeira a prestar depoimento foi Ieda Seixas, de 65 anos, irmã de Ivan Seixas (membro da Comissão da Verdade de São Paulo) e filha de Joaquim Alencar de Seixas, que foi torturado e morto no dia 17 de abril de 1971, um dia após ter sido preso pelo regime militar. Bastante emocionada, Ieda disse que, apesar de nunca ter militado, foi presa no mesmo ano junto com a irmã e a mãe. “Fomos levadas para o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna), onde fui separada da minha mãe e da minha irmã”. Ieda ficou presa até setembro de 1972.
Ela relatou que, na prisão, foi abusada sexualmente e torturada. “Era um sujeito asqueroso, parecia um ogro [monstro], de chapeuzinho. Ele tirou os sapatos e abusou sexualmente de mim”. Nesse período, Ieda também testemunhou muitas pessoas serem torturadas e até mortas pelas forças policiais da época. Entre elas, um rapaz “loiro e franzino”, que não conseguiu idenficar. “Não sei quem era o garoto”, disse.
Elza Lobo trabalhava na Secretaria da Fazenda de São Paulo, era militante da Ação Popular Marxista-Leninista e foi presa em 10 de novembro de 1969 e levada para a Oban. Lá permaneceu por dois anos e sofreu todo tipo de tortura. “Teve tortura da cadeira do dragão [cadeira com revestimento de zinco ligada a terminais elétricos] e teve os choques em todos os dedos da mão, dentro da vagina e nos seios. Tudo o que vocês estão imaginando foi executado”, relatou. “As torturas foram intermináveis”.
Após os depoimentos Elza e Ieda disseram à Agência Brasil que, apesar de querer, não esperam que seus torturadores e estupradores sejam condenados. “A Comissão da Verdade, qualquer que seja ela, estadual ou federal, tem um valor histórico. Não vai mudar nada. Não vai mudar o que aconteceu com a gente, não vai haver punição, mas que fique consignado para a história que esse período aconteceu”, disse Ieda.
“Acho que meu depoimento ajuda para que as gerações futuras saibam o que aconteceu. Quero que as gerações futuras saibam o que aconteceu e que as escolas discutam [o assunto] para que não aconteça outra vez”, ressaltou Elza. Segundo ela, a violência da qual foi vítima continua ocorrendo nos dias de hoje. “No dia a dia a violência é muito acentuada, principalmente nas periferias, em São Paulo”, disse.
Durante a audiência de hoje, o deputado Adriano Diogo comentou a aprovação da criação do Memorial dos Advogados de Presos Políticos e contra a Censura, que será instalado no local onde antes funcionava o Tribunal da Justiça Militar, em São Paulo. No imóvel, segundo ele, vai funcionar também a sede das comissões da Verdade.
“É um prédio federal e demorou dois anos para ser transferido para a Comissão da Verdade da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] e a Comissão Estadual da Verdade. Isso é fato consumado. É parte do projeto Sítios da Memória. Para nós é algo importantíssimo porque é o primeiro prédio federal de São Paulo que vai se transformar em memorial”, declarou.
A comissão também pretende lutar para transformar em um museu a sede do antigo DOI-Codi, onde hoje funciona o 36º Distrito Policial, no bairo do Paraíso.
Agência Brasil
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