sábado, 12 de janeiro de 2013

Royalty do petróleo não é compensação por ICMS


Artigos

12janeiro2013
GUERRA FEDERATIVA

Royalty do petróleo não é compensação por ICMS

Por Andressa Guimarães Torquato*
Na guerra federativa que tem sido travada pelos royalties do petróleo no Brasil, representantes dos estados produtores têm repetido com frequência o argumento falacioso, diga-se, de que o seu direito ao recebimento de royalties representa uma compensação pelo fato do ICMS sobre petróleo,combustíveis, lubrificantes, e energia elétrica, a partir da Constituição de 1988, passar a ser arrecadado pelo estado de destino, e não pelo de origem.
Alguns chegam a dizer que, em virtude dessa regra, o estado do Rio de Janeiro deixa de arrecadar R$ 8 bilhões por ano, e, portanto, deveria ser compensado por meio dos royalties.
Até mesmo a AGU, em parecer proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.846, argumentou em sentido contrário à pretensão do autor, o estado do Espírito Santo, pautando-se no entendimento de que o royalty é uma compensação pelo ICMS do petróleo, que não é cobrado na origem.
A origem desse argumento está no voto proferido pelo ex-ministro do STF Nelson Jobim, durante o julgamento do Mandado de Segurança 24.312. Ao tentar explicar a origem da regra constitucional que determina a transferência de parcela dos royalties do petróleo aos estados produtores, afirmou que: “tira-se o ICMS da origem —no caso do petróleo e energia elétrica— e se dá aos estados uma compensação financeira (royalties) pela perda dessa receita. Aí criou-se o parágrafo 1º do artigo 20”.
Ou seja, de acordo com as palavras do então ministro do STF, os royalties (chamados pelo texto constitucional de compensação financeira) seriam uma “criação” do constituinte de 1988, idealizados com o intuito de compensar os estados produtores pela “perda” de arrecadação no ICMS sobre petróleo e energia elétrica, o qual teria sido “tirado” da origem, para beneficiar os estados onde esses bens fossem consumidos.

Na verdade, a afirmação de Jobim guarda dois gravíssimos equívocos. O primeiro deles é que, ao contrário do que argumentou o ex-ministro, o ICMS sobre tais produtos nunca foi “tirado” dos estados produtores, pois, até a Constituição de 1988, era competência exclusiva da União instituir imposto sobre operações envolvendo lubrificantes, combustíveis líquidos ou gasosos e energia elétrica, o que era feito por meio do “Imposto único sobre combustíveis e lubrificantes líquidos, minerais, importados e produzidos no país”.
Com isso, não é difícil concluir que se algum ente abriu mão de sua arrecadação para beneficiar os estados consumidores de petróleo e seus derivados, este ente foi a União, e não os estados produtores. Não se perde o que nunca se teve. Simples assim.
O estado do Rio de Janeiro, assim como os demais, foi beneficiado com a regra do ICMS no destino introduzida pela CF de 1988, já que passou a contar com as receitas obtidas no consumo desses produtos em seu território, até então pertencentes à União.
O segundo ponto equivocado do argumento de Jobim está em dizer que “os royalties são uma criação do constituinte de 1988”. Tal argumento não procede, pois, desde a Lei 2.004, de 3 de outubro de 1953, havia a obrigatoriedade de repasse aos estados de 5% do valor do óleo ou gás extraído em seu território, a título de royalties.
Ora, se de acordo com a legislação ordinária os estados já recebiam royalties pela exploração de petróleo em seu território antes mesmo da Constituição de 1988, o que ocorreu foi mera elevação a status constitucional de norma que já existia no plano ordinário.
Os royalties, portanto, não foram criados pela Constituição de 1988, muito menos tinham a função de compensar os estados produtores por uma perda de arrecadação que nunca ocorreu.
O máximo que se pode dizer é que foram criados com o objetivo de compensar os entes produtores por gastos extraordinários decorrentes da atividade de produção de petróleo em seu território. No entanto, até mesmo este argumento deve ser visto com cuidado, sobretudo no Brasil, país em que mais de 90% da extração de petróleo ocorre na plataforma continental, isto é, em mar.
Se por um lado, estados e municípios produtores devem ser compensados pela necessidade de ampliação da infraestrutura local e da rede de serviços públicos, decorrente do aumento populacional, bem como por estarem sujeitos a danos ambientais, ainda que potenciais, por outro, o excesso de transferência de royalties a estes gera uma situação anti-isonômica com relação ao restante da federação, que deixa de se beneficiar dos recursos provenientes de um bem que pertence à União, e, portanto, deveria beneficiar a todos igualmente.
A real dificuldade da questão, como se percebe, está em encontrar a medida dessa compensação. A Constituição apenas impõe que a receita arrecadada com a produção de petróleo seja partilhada entre União, estados e municípios produtores, o que deve ser feito na forma da Lei. Não há uma alíquota pré-determinada. O montante a ser repassado a estados e municípios em cujo território desenvolvam-se atividades extrativas deverá ser objeto de análise pelo parlamento, que deveria levar em conta critérios que efetivamente gerassem impactos econômicos para os entes públicos, tais como aumento populacional decorrente da atividade, crescimento da demanda por novos serviços públicos, impacto ambiental, e até mesmo a evolução da arrecadação tributária do ente —que por si só já seria uma forma de compensar o aumento dos gastos.

Andressa Guimarães Torquato* é advogada na área de energia, petróleo e gás do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff – Advogados. Doutoranda em Direito Financeiro pela USP e pesquisadora visitante no Center for Energy Petroleum and Mineral Law and Policy na Univerity Of Dundee(Escócia).
Revista Consultor Jurídico, 12 de janeiro de 2013

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