Foi enviada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) denúncia contra o Brasil formulada por várias entidades da sociedade civil sobre as condições do Presídio Central. As entidades que subscrevem e assinam o documento compõem o Fórum da Questão Penitenciária e são a Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul (AMPRGS), Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul (ADPERGS), Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (CREMERS), Conselho da Comunidade para Assistência aos Apenados das Casas Prisionais Pertencentes às Jurisdições da Vara de Execuções Criminais e Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas de Porto Alegre, Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia (Ibape), Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais (Itec) e Themis Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero.
Mas o que é a Comissão e como funciona? Para a resposta, é preciso considerar que o Estado brasileiro faz parte do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH) e que — de forma livre e soberana — se comprometeu a cumprir a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, especialmente, em favor de seus nacionais. O compromisso com o pacto significou um passo decisivo para um Estado que se destaca como protagonista no cenário internacional, e de que aceita o monitoramento internacional de suas condutas.
Para a aplicação e a fiscalização do cumprimento dessas obrigações, o SIDH é composto pela Comissão e pela Corte de Direitos Humanos.
A Comissão promove a observância e a defesa dos direitos humanos e serve como órgão consultivo da Organização dos Estados Americanos (OEA). Ele processa a denúncia, defere medidas urgentes e realiza a mediação com os interessados, e, caso entenda pela procedência da reclamação apresentada, e o Estado não atenda o relatório com as recomendações, move a ação na Corte, que tem sede na Costa Rica, quando o Estado tiver aderido à jurisdição da Corte IDH[1], como é o caso do Brasil ou um relatório enviado para OEA, quando o Estado não tenha aceitado a jurisdição da Corte.
É preciso dizer que a ação internacional é suplementar, adicional e subsidiária[2], esperando que o Estado cumpra as suas obrigações, e que conforme o seu artigo 44 “qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização, pode apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação desta Convenção por um Estado Parte”, possibilitando assim acesso dos indivíduos e organizações não-governamentais àquele organismo.
A petição que narra o caso e pede providências passou por um caminho de amadurecimento e debate. O primeiro objetivo não foi formular a peça, mas levantar os problemas e realizar os esforços para conseguir uma solução doméstica. Por isso, houve reuniões com autoridades, avaliação das promessas e projetos para debelar a questão de forma efetiva. Infelizmente, entendemos que as promessas e os projetos são insuficientes e que é preciso pensar na solução de forma mais ampla, especialmente levando em conta a questão da região metropolitana. Assim, foi constituída uma comissão redatora que reuniu dados técnicos, com um trabalho de todas as entidades que compõem o Fórum da Questão Penitenciária, colheu depoimentos esclarecedores da situação e dos projetos, como os de Gilmar Bortolotto, promotor de justiça, e Sidinei Brzuska, juiz de direito.
As entidades peticionantes entendem que a situação retratada é uma grave violação dos direitos humanos e que é preciso dar visibilidade internacional para a questão prisional brasileira como um todo. O caso comporta a chamada mobilização da vergonha para que, especialmente, o governo federal, que produz a legislação penal, se sinta pressionado a colaborar decisivamente para o equacionamento da questão carcerária. Exige-se a efetiva presença da União com recursos, com aporte humano, pois esta é uma exigência dos mais altos valores do Estado brasileiro.
Quando apontamos que vamos buscar o plano internacional, estamos querendo discutir também as tarefas no plano federativo e ajudar a canalizar esforços e atitudes de todos os que querem de fato resolver a questão.
O que levou a preparar a denúncia da situação do Presídio Central à Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi um sentimento de que é preciso que todos nós, na função de agentes públicos, mas também de membros da comunidade gaúcha, passemos às futuras gerações o recado de que não pactuamos com a situação degradante do sistema prisional, especialmente do Presídio Central. Não podemos passar a mensagem de que fomos coniventes, mesmo que por omissão. O Presídio Central não pode continuar como um depósito de seres humanos, que convivam em um ambiente com esgoto, ratos e insetos.
A dignidade é aviltada, da forma mais extrema, com as condições que ali existem. Estamos bem cientes, e isto nos angustia, de que a prisão, especialmente a cautelar, pode levar ao cárcere pessoas que sequer serão condenadas, e, isto, reforça esta necessidade de dignidade no seu cumprimento.
[1] Os indivíduos e as ONG’s não possuem legitimidade ativa perante a Corte, exclusiva da Comissão Interamericana ou dos Estados-partes, No entanto, eles podem manifestar-se no processo, caso a Comissão o submeta ao conhecimento da Corte, uma vez que o III Regulamento da Corte IDH autorizou o indivíduo a oferecer suas próprias alegações e provas durante a etapa de discussão sobre as reparações devidas
[2] PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos, 4ª edição. Editora Saraiva, São Paulo, 2010, pp. 83-4.
Gilberto Schäfer* é juiz, diretor de Assuntos Constitucionais da Ajuris (Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul) e professor do Uniritter.
Revista Consultor Jurídico, 15 de janeiro de 2013
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