Com fotos chocantes, TJ-ES critica tortura nas prisões
O Tribunal de Justiça do Espírito
Santo anunciou que vai tornar públicos os procedimentos relacionados a casos de
tortura nas prisões. Segundo comunicado (abaixo) assinado pelo
presidente, Pedro Valls Feu Rosa, o objetivo é "lançar mais luzes sobre as
sinistras masmorras em que se transformaram nossas prisões".
Quem acessa o site do tribunal encontra fotos chocantes de casos recentes, como as queimaduras nas nádegas sofridas por presos obrigados a ficar horas sentados sobre cimento quente. A corte criou inclusive um "Torturômetro", que nesta terça-feira marcava "cinco dias sem tortura".
Quem acessa o site do tribunal encontra fotos chocantes de casos recentes, como as queimaduras nas nádegas sofridas por presos obrigados a ficar horas sentados sobre cimento quente. A corte criou inclusive um "Torturômetro", que nesta terça-feira marcava "cinco dias sem tortura".
Carta à população capixaba
Há um ano era instalada, no Tribunal
de Justiça, a Comissão de Combate à Tortura. Iniciativa inédita no Brasil, nos moldes
como concebida, funciona com a participação do Poder Judiciário, do Poder
Executivo, do Ministério Público, da OAB, do Conselho Estadual de Direitos
Humanos e da Defensoria Pública.
Esta Comissão tem sido atuante. Ao
longo de seu primeiro ano de funcionamento não foram poucas as inspeções feitas
em presídios - seja preventivamente, seja por conta de denúncias recebidas.
Mas nós fomos além. Em parceria com
o próprio Sindicato dos Agentes do Sistema Penitenciário do Espírito Santo implantamos
outra iniciativa inédita em nível nacional, e talvez mesmo mundial: o
“torturômetro”.
Trata-se de um instrumento que
permite lançar algumas luzes sobre a realidade, ao tornar público o número de denúncias
envolvendo tortura - e realço apenas serem admitidas aquelas revestidas de um
mínimo de plausibilidade.
Todo este esforço conjunto, de
Poderes e Instituições, não buscou, em momento algum, “passar a mão na cabeça
de bandidos” - apenas procuramos banir de nossas prisões a prática covarde e
bárbara da tortura.
O nosso credo é o de que quem comete
crimes tem que ser punido. Que fique preso. Que seja submetido à disciplina das
prisões. Eis aí o óbvio.
Mas daí a amontoar presos sobre um
piso molhado para submetê-los a choques elétricos vai longa distância - a mesma que separa a civilização da
barbárie.
Daí a desnudar e colocar sobre o sol
52 detentos, assentando-os sobre cimento quente até que suas nádegas fiquem em
“carne viva”, vai longa distância - a
mesma que separa os mais básicos sentimentos cristãos da crueldade impiedosa.
Daí a retirar dezenas de presos de suas celas no meio da
madrugada para forçá-los, nus, a um sinistro “balé de agachamentos” até que
suas articulações sejam gravemente danificadas, causando dor intensa, vai, sim,
longa distância - a mesma que separa um Estado ou um País digno de respeito do
descrédito perante a comunidade mundial.
Somos, e fique isto muito claro, a
favor da punição para criminosos e da disciplina no interior dos presídios. Mas
igualmente somos, e seremos sempre, inimigos ferrenhos da tortura.
Ser contra a tortura, registramos,
não é apenas uma questão espiritual - é também de inteligência! Afinal, não
existe no Brasil a prisão perpétua - ou seja, mais dia menos dia os torturados
retornarão ao nosso convívio, às mesmas ruas pelas quais passam nossas
famílias.
Ser contra a tortura é pensar no
Brasil, que com tanto esforço tem buscado um importantíssimo assento permanente
no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, enquanto sofre a
vergonha de responder a procedimentos internacionais por conta de desrespeitos
aos direitos humanos.
Ser contra a tortura é defender o
orgulho de ser brasileiro, de ser reconhecido mundialmente como parte de um
povo afável, cristão, pacífico e ordeiro - e não como membro de uma malta
primitiva e violenta.
Foram, e são, estes os sentimentos
que nos impulsionaram nesta caminhada. Que nos deram forças ao longo de todo o ano
de 2012 para, penosamente, ir de presídio em presídio, de denúncia em denúncia,
buscando a racionalização do ambiente penitenciário.
Mas eis que, chegado o momento do
balanço anual, encontramos 356 denúncias com fundamentação sólida - algumas delas
filmadas ou fotografadas, de conteúdo tão chocante como certo. Isto dá quase
uma por dia! Estamos, em verdade, “enxugando gelo”!
As vítimas desta barbárie foram
centenas, incluindo até gestantes! Mulheres grávidas, eis aí o arremate do
horror!
Ao longo de todo um ano, o máximo
que conseguimos foi um período de 34 dias sem denúncias. E iniciamos 2013 com a
cena horrenda de 52 seres humanos submetidos a práticas de tortura realizadas
de forma quase que pública, à luz do dia e dentro de uma região metropolitana.
Mais grave o quadro quando a tortura
ficou oculta dos olhos da lei - apenas veio a público por conta de denúncia apresentada
por um agente penitenciário perante o Tribunal de Justiça.
Choca constatar que as pungentes
fotografias de queimaduras sérias e profundas retratavam ferimentos produzidos uma
semana antes!Não se veja, assim, neste ato de barbarismo praticado à luz do dia
e ao ar livre contra 52 detentos, uma
agressão apenas a eles. Jamais. Há aí um desrespeito frontal ao Governador do
Estado, ao Presidente do Tribunal de Justiça, ao Procurador Geral de Justiça,
ao Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, ao Defensor Público Geral e ao Presidente
do Conselho Estadual dos Direitos Humanos.
Veja-se aí, igualmente, um
desrespeito à Sociedade - que não merece receber de volta das prisões seres
revoltados por terem sido torturados barbaramente - e, o que é pior, de forma
seletiva, dado nunca ter visto um “poderoso” ou um “filhinho de papai” sofrer
violências de tal quilate, reservadas sempre aos miseráveis.
Distinga-se, finalmente, o frontal
desprezo à imprensa, que, ao longo de 2012, veiculou repetidas matérias sobre
este assunto - algumas delas em âmbito nacional, para desdouro do Espírito
Santo e do Brasil.
Eis aí a realidade sombria. Estes
torturadores desprezam as autoridades, a imprensa, as instituições e a
população.
Desprezam seus próprios colegas, que
ao longo de todo o ano foram ao Tribunal de Justiça denunciar a tortura e apontar
ser esta fruto de alguns poucos. Desprezam a tudo e a todos, gargalhando uma
impunidade ultrajante.
É, assim, com imensa tristeza que
venho a público registrar que a tortura segue, firme e forme, no Estado do
Espírito Santo. Ela é praticada às escâncaras, à luz do dia. Reconheço, com
imensa decepção, que o Estado do Espírito Santo não conseguiu vencê-la, ou
talvez nem mesmo reduzi-la.
Anuncio, assim, que a partir do dia
13 de janeiro começarão a ser disponibilizados para a população, na íntegra, os
procedimentos relativos aos casos de tortura. Buscamos, com tal prática, lançar
mais luzes sobre as sinistras masmorras em que se transformaram nossas prisões.
Paralelamente, pediremos a
instituições e organizações de âmbito nacional que passem a acompanhar cada uma
destas denúncias - e assim porque o combate à tortura é tema de interesse
nacional, dado estar o Brasil comprometido perante organismos internacionais.
Em um passado recente, diante do
fracasso das instituições no que toca à civilidade do sistema prisional, o
derradeiro caminho encontrado foi aquele que leva à Organização das Nações
Unidas.
Confiamos em que nunca mais seja
esta a última opção - afinal, não somos um povo bárbaro e habitamos um país que
se julga temente a Deus.
Vitória, 13 de janeiro de 2013
Pedro Valls Feu Rosa
Presidente do Tribunal de
Justiça do Espírito Santo
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