Telegrama de Luis Carlos Prestes e
relatórios do SNI levaram à abertura de processo sigiloso contra o arquiteto em
1973
Um telegrama do líder comunista Luiz
Carlos Prestes ao amigo Oscar Niemeyer, cumprimentando-o pela inauguração de
Brasília, virou uma das provas da militância esquerdista do arquiteto
encaminhada pelo Serviço Nacional de Informações (SNI) para que o Ministério da
Justiça abrisse processo sigiloso em 1973, mostram documentos inéditos da época
do regime militar.
No auge do governo do general Emílio
Garrastazu Médici, em meio ao milagre brasileiro e quando ocorreu a maior parte
dos casos de assassinato, desaparecimento e tortura de oposicionistas no Brasil
na ditadura, Niemeyer, então com 60 anos, era alvo dos espiões do regime.
Documentos relativos a essa vigilância do arquiteto, que morreu na última
quarta-feira aos 104 anos, constam de dossiê guardado no Arquivo Nacional.
"Nesta data em que Brasília passa a
ser a capital do País, envio-lhe em nome de todos os camaradas do nosso Partido
nossas congratulações mais efusivas. Sua atividade criadora em Brasília merece
nosso maior aplauso, é elevada expressão da capacidade de nosso povo e
testemunho da contribuição dos comunistas ao progresso do Brasil. Nosso augúrio
- que sabemos ser também o seu - é que Brasília venha a ser no menor prazo
possível a capital de um Brasil próspero e feliz, completamente emancipado do
jugo imperialista, numa grande e bela cidade, livre de favelas e miséria,
capital de um Brasil livre, democrático e socialista. Com nossas saudações
patrióticas extensivas a todos seus auxiliares, afetuosamente Luiz Carlos
Prestes", diz a mensagem.
O original do texto, segundo explica o
próprio SNI, foi apreendido pouco depois do golpe de 1964 em meio a documentos
recolhidos pela repressão no Rio de Janeiro e em São Paulo. Está assinado de
próprio punho por Prestes, então secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro
(PCB), legenda que no início dos anos 1960 gozava de status de semilegalidade.
O papel também traz o endereço de Prestes na data de inauguração da nova
capital: 21 de abril de 1961.
Além de amigo de Prestes, Niemeyer nunca
escondeu sua condição de comunista militante, tendo sido amigo de juventude de
vários integrantes do "Partidão", que encontrava até quando estavam
na clandestinidade.
A papelada contra o arquiteto foi envida ao
Ministério da Justiça pelo então chefe do SNI, general Carlos Alberto de Fontoura.
Foi reunida no Documento de Informações n.° 0017/16/AC/73, de 12 de março de
1973, produzida pela Agência Central do SNI, tendo como assunto "Oscar
Niemeyer". Nele, há informes da comunidade de informações sobre o
arquiteto e cópias de entrevistas e reportagens a seu respeito na imprensa
estrangeira, supostamente enviados por agentes brasileiros designados para
postos no exterior.
Conforto capitalista. O PCB, havia
muito, adotara a via pacífica para o socialismo. Mesmo assim, a caracterização
adotada pela repressão em relação a Niemeyer era o de homem perigoso para o
regime militar. Até a boa situação financeira do arquiteto era alvo de críticas
dos arapongas da ditadura, mostra a documentação.
"Dia 02 Jan 71, às 19,30 horas, foi
exibido, na televisão norueguesa, um filme falado em inglês, com elementos
colhidos em BRASÍLIA, sobre a obra de OSCAR NIEMEYER, onde este, depois de
referir-se em termos elogiosos ao ex-presidente JUSCELINO KUBITSCHEK DE
OLIVEIRA e ao engenheiro LUCIO COSTA, confirmou, ostensivamente, ser comunista.
Pouco depois, o arquiteto aparece em sua casa de campo, ao lado de uma piscina,
demonstrando, inadvertidamente, ser apreciador do conforto do regime
capitalista. O filme televisado (sic), a par da propaganda pessoal do
arquiteto, constituiu-se numa demonstração negativista da realidade brasileira,
pela ênfase dada aos aspectos de pobreza e subdesenvolvimento focalizados
(...).", diz o informe. À época, o artista vivia exilado, depois de deixar
o Brasil em 1965 - só voltaria após a anistia de 1979.
O dossiê inclui um trecho publicado na
revista peruana Oiga em seu número 373, de 8 de maio de 1970, no qual Niemeyer
deixou uma espécie de definição de si mesmo.
No texto de 42 anos atrás, o arquiteto
afirma ser "homem comprometido politicamente" e declara: "Sou
comunista, você o sabe, mas também sou brasileiro, e é por ser brasileiro que
sou comunista".
(Estadão.com)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua visita foi muito importante. Faça um comentário que terei prazaer em responde-lo!
Abração
Dag Vulpi