terça-feira, 20 de novembro de 2012

O que assusta é o dia seguinte - Pedro Porfírio

Não sei como a nação conviverá com sentenças de fundamentos discutíveis e sob influência facciosa

Por Pedro Porfírio*
Sinceramente, estou preocupado com o dia seguinte a todo esse espetáculo que mergulhou o STF no mais longo e mais badalado dos seus julgamentos. Isto porque a midiatificação da Ação Penal 470 varreu a liturgia de um rito que decidia destinos e afetava biografias, atropelando todas as salvaguardas e premissas inerentes a decisões de graves repercussões.

Independente do mérito, o procedimento judicial que desprezou regras pétreas e princípios inalienáveis pode comprometer a carga penal e expor a mais alta corte como um cenáculo de punições mal fundamentadas, iracundas, direcionadas, revanchistas, sob impulsos políticos facciosos vulneráveis a um questionamento em nome da venda arrancada dos olhos da Justiça.    

Preocupa-me até porque, especulando tecnicamente, embargos inteligentes poderão deixar os ministros da Suprema Corte na maior saia justa, tais as lacunas produzidas na ânsia de ganharem o panteão e saciarem a platéia desejosa de compensação por 5 séculos de impunidades e impotência.

Indo fundo, sem negar o mínimo de lisura inerente a funções tão determinantes, poderemos enveredar, no mundo subjetivo, nas percepções dos impulsos existenciais geradores de comportamentos, tal a escalação dos 11 magnos juízes. Desses, observe-se para efeito de melhor entendimento, apenas três não saíram de indicações processadas no âmbito familiar aos acusados nessa espetaculosa ação penal.

Isso pode ter provocado a necessidade impetuosa do exorcismo de todo e qualquer parentesco, proximidade, influência, coincidência e dependência, prática já compilada há milênios por Confúcio – a necessidade impulsiva de se voltar contra quem lhe fez algum bem.

Tudo pode ter acontecido a partir do momento em que a glamorização do juízo, através da multiplicação das imagens da outrora discreta TV Justiça, via canais privados, atribuiu a suas excelências um verniz novelesco, o sentimento glorificante e provavelmente imperceptível da condição de mocinhos, justiceiros e tudo o mais do que tinha sede a mágoa cidadã, internalizada há séculos e manipulada agora na fonte da amargura, do despeito e da forra.

Nos casos que afetam cidadãos no gozo de seus direitos elementares o ponto de partida seria outro, totalmente inverso do acontecido, quando se deixou transparecer desde o primeiro capítulo a ânsia punitiva, e não a função elementar de julgar conforme os autos.

Tal foi o objetivo político explícito que o relator recorreu ao além-mar para encontrar na Alemanha a base hermenêutica do domínio de fato, usado de forma indevida para dar sustância ao que a leitura imparcial consideraria meras suposições, sobre as quais não caberiam ilações.

O domínio do fato, usado para condenar José Dirceu a dez anos de cadeia,  é mais ou menos o seguinte, conforme definiu J Carlos de Assis, na revista Carta Maior: “alguém com superioridade moral, mesmo que não hierárquica, sobre três outras pessoas com funções específicas torna-se responsável por qualquer coisa que essas pessoas façam de irregular. Ou seja, o que se condena é a superioridade moral, não a ação irregular”.

Na confusão que moldou decisões, até quando poupavam, os ministros não escaparam ao despropositado. Foi o que aconteceu no caso do publicitário Duda Mendonça, que confessou ter recebido dinheiro no exterior, de forma fraudulenta: ele foi absolvido sob a alegação de que a acusação foi mal formulada. E ponto.

Parece juridicamente insustentável o julgamento de todos os acusados no STF, quando em processos anteriores foi remetido para a primeira instância quem não tinha direito a foro especial. Exemplo disso foi a ação criminal aberta no caso do ministro Paulo Medina, do STJ: o ministro Cezar Peluso acolheu pedido da Procuradoria e desmembrou  o processo. Os acusados que não gozavam de foro especial foram remetidos para 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro,  onde se originaram as investigações. No Supremo permaneceram sob investigação, além do ministro do STJ, dois desembargadores, um juiz federal e um procurador federal.

Pela forma açodada e deliberadamente espetaculosa como agiram suas excelências poderemos estar correndo o risco de uma grande frustração. O que se pretende um referencial histórico como marco de punibilidade pode ganhar uma conotação diversa, a da utilização do Supremo como desaguadouro das mágoas, de interesses e personagens politicamente decrépitos e sem chances de retornarem ao controle da Nação.

Na liça judicial, como qualquer advogado sabe, o respeito ao processo e aos rituais é tão decisivo como a apreciação do mérito. Quando se viola os procedimentos compromete-se inevitavelmente a credibilidade do conteúdo.

Uns podem lavar a alma porque nada mais vão conseguir nas urnas. Outros podem festejar de boa fé o conto da punição exemplar de figuras influentes e até de empresários tidos como intocáveis. Tais gozos, porém, são efêmeros.  Se a postura do STF tivesse sido só jurídica as punições impostas teriam ido para os anais com a pompa condizente.

Mas a prejulgamento tópico na aliança ostensiva com uma mídia prepotente,  partidarizada e inconsequente põe por terra muito mais do que as sentenças anunciadas: os efeitos decorrentes alcançarão tão danosamente o Poder Judiciário que não será paranóia ver em tudo isso, mesmo sem vínculos formais,  um projeto desesperado de cunho nitidamente golpista, ou pelo menos uma camisa de força,  ante a tendência percebida da vontade popular.

Tendência, aliás, que não é a minha, mas que terei de respeitar se por outros meios lícitos e éticos, dentro das regras do jogo, não conseguir modificar.

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