Não sei como a nação conviverá com
sentenças de fundamentos discutíveis e sob influência facciosa
Por Pedro Porfírio*
Sinceramente, estou preocupado com o
dia seguinte a todo esse espetáculo que mergulhou o STF no mais longo e
mais badalado dos seus julgamentos. Isto porque a midiatificação da
Ação Penal 470 varreu a liturgia de um rito que decidia destinos e afetava
biografias, atropelando todas as salvaguardas e premissas inerentes a decisões
de graves repercussões.
Independente do mérito, o
procedimento judicial que desprezou regras pétreas e princípios inalienáveis
pode comprometer a carga penal e expor a mais alta corte como um cenáculo
de punições mal fundamentadas, iracundas, direcionadas, revanchistas, sob impulsos
políticos facciosos vulneráveis a um questionamento em nome da venda arrancada
dos olhos da Justiça.
Preocupa-me até porque, especulando tecnicamente,
embargos inteligentes poderão deixar os ministros da Suprema Corte na maior
saia justa, tais as lacunas produzidas na ânsia de ganharem o panteão e
saciarem a platéia desejosa de compensação por 5 séculos de impunidades e
impotência.
Indo fundo, sem negar o mínimo de
lisura inerente a funções tão determinantes, poderemos enveredar, no mundo
subjetivo, nas percepções dos impulsos existenciais geradores de
comportamentos, tal a escalação dos 11 magnos juízes. Desses, observe-se
para efeito de melhor entendimento, apenas três não saíram de indicações
processadas no âmbito familiar aos acusados nessa espetaculosa ação penal.
Isso pode ter provocado a necessidade
impetuosa do exorcismo de todo e qualquer parentesco, proximidade, influência,
coincidência e dependência, prática já compilada há milênios por Confúcio – a
necessidade impulsiva de se voltar contra quem lhe fez algum bem.
Tudo pode ter acontecido a partir do
momento em que a glamorização do juízo, através da multiplicação das imagens da
outrora discreta TV Justiça, via canais privados, atribuiu a suas excelências
um verniz novelesco, o sentimento glorificante e provavelmente
imperceptível da condição de mocinhos, justiceiros e tudo o mais do que tinha
sede a mágoa cidadã, internalizada há séculos e manipulada agora na fonte da
amargura, do despeito e da forra.
Nos casos que afetam cidadãos no
gozo de seus direitos elementares o ponto de partida seria outro, totalmente
inverso do acontecido, quando se deixou transparecer desde o primeiro capítulo
a ânsia punitiva, e não a função elementar de julgar conforme os
autos.
Tal foi o objetivo político
explícito que o relator recorreu ao além-mar para encontrar na
Alemanha a base hermenêutica do domínio de fato, usado de forma
indevida para dar sustância ao que a leitura imparcial consideraria meras
suposições, sobre as quais não caberiam ilações.
O domínio do fato, usado para
condenar José Dirceu a dez anos de cadeia, é mais ou menos o
seguinte, conforme definiu J Carlos de Assis, na revista Carta Maior: “alguém
com superioridade moral, mesmo que não hierárquica, sobre três outras pessoas
com funções específicas torna-se responsável por qualquer coisa que essas
pessoas façam de irregular. Ou seja, o que se condena é a superioridade moral,
não a ação irregular”.
Na confusão que moldou decisões, até
quando poupavam, os ministros não escaparam ao despropositado. Foi o que
aconteceu no caso do publicitário Duda Mendonça, que confessou ter recebido
dinheiro no exterior, de forma fraudulenta: ele foi absolvido sob a alegação de
que a acusação foi mal formulada. E ponto.
Parece juridicamente insustentável o
julgamento de todos os acusados no STF, quando em processos anteriores foi
remetido para a primeira instância quem não tinha direito a foro especial.
Exemplo disso foi a ação criminal aberta no caso do ministro Paulo Medina, do
STJ: o ministro Cezar Peluso acolheu pedido da Procuradoria e desmembrou o
processo. Os acusados que não gozavam de foro especial foram remetidos
para 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro, onde se originaram as
investigações. No Supremo permaneceram sob investigação, além do ministro do
STJ, dois desembargadores, um juiz federal e um procurador federal.
Pela forma açodada e deliberadamente
espetaculosa como agiram suas excelências poderemos estar correndo o risco de
uma grande frustração. O que se pretende um referencial histórico como marco de
punibilidade pode ganhar uma conotação diversa, a da utilização do Supremo como
desaguadouro das mágoas, de interesses e personagens politicamente decrépitos e
sem chances de retornarem ao controle da Nação.
Na liça judicial, como qualquer
advogado sabe, o respeito ao processo e aos rituais é tão decisivo como a
apreciação do mérito. Quando se viola os procedimentos compromete-se
inevitavelmente a credibilidade do conteúdo.
Uns podem lavar a alma porque nada
mais vão conseguir nas urnas. Outros podem festejar de boa fé o conto da
punição exemplar de figuras influentes e até de empresários
tidos como intocáveis. Tais gozos, porém, são efêmeros. Se
a postura do STF tivesse sido só jurídica as punições impostas
teriam ido para os anais com a pompa condizente.
Mas a prejulgamento tópico na
aliança ostensiva com uma mídia prepotente, partidarizada e inconsequente
põe por terra muito mais do que as sentenças anunciadas: os efeitos decorrentes
alcançarão tão danosamente o Poder Judiciário que não será paranóia ver em tudo
isso, mesmo sem vínculos formais, um projeto desesperado de cunho
nitidamente golpista, ou pelo menos uma camisa de força, ante a tendência
percebida da vontade popular.
Tendência, aliás, que não é a minha,
mas que terei de respeitar se por outros meios lícitos e éticos, dentro das
regras do jogo, não conseguir modificar.
Via Blog do Porfírio*
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