FHC foi mais omisso que Lula e
extinguiu comissão de investigação.
Tucanos acreditavam que a melhor forma de
combater a corrupção era reduzindo o tamanho do Estado.
Para cumprir esse projeto, não se
importaram em fazer vistas grossas ao que ocorria no interior e no entorno do
governo federal. (Nelson Breve)
Por Nelson Breve | Data: 28/10/2006
O ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso e seus seguidores do PSDB e do PFL não se cansam de
apontar o governo Lula como conivente com a corrupção, que teria alcançado, segundo
eles, uma escala jamais vista na história do país. A favor dessa acusação
contam com o espetáculo das denúncias que ocorreram na atual gestão do governo
federal. Da renovação do contrato da Caixa Econômica Federal com a
multinacional Gtech (Caso Waldomiro Diniz) às licitações fraudulentas para
compra de ambulâncias com recursos do Orçamento Federal (Esquema das
Sanguessugas). Passando pelos repasses ilegais de recursos a partidos e parlamentares,
a pedido de dirigentes do PT, por intermédio de um lobista, proprietário de uma
agência de publicidade contratada pelo governo federal (Mensalão). Sem falar na
frustrada tentativa de compra de um dossiê com recursos de origem desconhecida
para atacar candidatos tucanos na campanha eleitoral (Caso Dossiê).
Contra
a avaliação da oposição, ministros do atual governo arrolam o diagnóstico feito
pelo insuspeito ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles na prestação
de contas realizada no ano passado e publicada este ano pela Escola Superior do
Ministério Público da União sob o título “Visão
do Biênio 2003 – 2005”. Para ele, o afloramento dos casos de corrupção no
atual governo foi uma decorrência de um inédito processo de interação entre os
serviços de investigação da administração pública e o Ministério Público
Federal. “O que acontece é que, pela
primeira vez interagindo as instâncias governamentais de investigação e o MPF,
a corrupção acumulada por décadas vem à mostra. (...) incisão é feita no tecido
social apodrecido e o pus da corrupção é posto para fora, a olhos vistos”,
reconhece Fonteles, registrando que o governo anterior alimentava o antagonismo
entre essas instituições.
O
governo anterior nunca teve um compromisso forte com o combate à corrupção.
Isso não significa, necessariamente, que tenha ocorrido conivência com o roubo
de dinheiro público, o tráfico de influência ou outros tipos de improbidade
administrativa. Fernando Henrique e seus principais assessores acreditavam que
a melhor forma de reduzir a corrupção na administração pública era reduzindo o
tamanho do Estado. Para cumprir esse projeto, que consideravam mais apropriado
aos tempos modernos, não se importaram em fazer vistas grossas ao que ocorria
no interior e no entorno do governo federal. Os escândalos eram resolvidos com
afastamentos e demissões, nunca com investigações independentes e profundas.
Para executar com sucesso o plano de estabilização econômica e Reforma do
Estado era necessário, na avaliação deles, não deixar ventos semearem
tempestades. Por isso, controlavam com mão-de-ferro a Polícia Federal, o Ministério
Público e o Congresso, não permitindo a instalação de CPIs incômodas.
Operações abafa
Não
faltaram denúncias de corrupção no governo FHC. Primeiro foi o Caso Sivam.
Denúncias de tráfico de influência derrubaram o embaixador Júlio César dos
Santos e o ministro da Aeronáutica, Brigadeiro Mauro Gandra. Depois foram os
casos de intervenção do Banco Central nos Bancos Econômico e Nacional, que
teriam funcionado por vários meses com ajuda federal, mesmo depois de
quebrados. Agravado pelo Caso da Pasta Rosa, no qual o dono do Banco Econômico
guardava a relação das contribuições de campanha que fazia pelo caixa dois,
quase virou objeto de uma CPI. Mas o governo impediu que fosse instalada mesmo
tendo as assinaturas necessárias. Caixa dois nas campanhas de para aprovar a
emenda constitucional que permitiu a reeleição do presidente que estava no
cargo, alterando as regras com o jogo em andamento.
O
escândalo da privatização do Sistema Telebrás derrubou ministros e graduados
funcionários do governo tucano, mas jamais foi apurado devidamente. Grampos
telefônicos divulgados revelaram que o governo procurou direcionar o resultado
do leilão, com irresponsabilidade administrativa e abuso de poder, no mínimo. E
com o conhecimento do presidente, conforme declarações do próprio ministro das
Comunicações da época, Luiz Carlos Mendonça de Barros, que posteriormente
foi dirigente nacional do PSDB. “Porque
tudo que está envolvido aí o presidente foi mantido a par... Evidentemente que
nós não fizemos essa intervenção no consórcio sem avisá-lo. Foi uma decisão
minha, do André, mas ele foi avisado porque era um negócio não normal”,
revelou Mendonça de Barros em entrevista à revista IstoÉ. Alguém pode imaginar
o que aconteceria com o presidente Lula se algum ex-ministro dele fizesse uma
confissão semelhante?
A
oposição até que fez barulho, tal qual os atuais oposicionistas. Denunciaram,
colheram assinaturas para instalação de CPI. Mas, em nome da governabilidade,
até porque o país tinha acabado de ver sua moeda desvalorizada em cerca de 20%
e estava sob forte instabilidade econômica, foram usados todos os métodos do
receituário governista para impedir uma investigação, especialmente no âmbito
do Congresso. “CPI é palanque eleitoral’, justificavam, os líderes governistas
da época. O governo teve de usar, inclusive, uma manobra que chega ao cúmulo do
absurdo. Manteve funcionando por anos na Câmara algumas “CPIs fantasmas”, como as
da crise da borracha e da TORMB, que vem a ser uma taxa paga pela produção de
borracha. Essas CPIs, que não produziram resultado algum em benefício do país,
bloquearam a instalação de outras com o objetivo deliberado de impedir a
instalação da CPI da privatização da Telebrás.
Investigação,
mesmo, só sobre a origem dos grampos ilegais que revelaram os crimes cometidos por
funcionários públicos que conduziam a maior privatização da história do país.
Teve
ainda as falcatruas na Sudam e na Sudene, os ralos do DNER, o rombo da Encol,
os desvios de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e as operações
de socorro aos bancos Marka e FonteCindam, que foram surpreendidos com a
desvalorização cambial de janeiro de 1999 porque o canal de informações
privilegiadas com que contaram por muito tempo falhou. Sem falar no caso do
lobista que denunciou extorsão por parte de funcionários do Ministério da Saúde
na gestão do ex-ministro José Serra e acabou acusado de oferecer propina para
facilitar a compra de medicamentos de determinados laboratórios. Não há
registro de que alguém tenha sido condenado por quaisquer desses casos.
Simplesmente porque eles nunca foram apurados com seriedade.
Fim do controle externo
Essa determinação de abafar os
escândalos de corrupção pode ser originalmente percebida em um dos primeiros
gestos de FHC. Duas semanas após assumir a Presidência, em 1995, ele extinguiu,
por decreto, a Comissão Especial de Investigação (CEI), instituída no governo
Itamar Franco e composta por representantes da sociedade civil, que tinha como
objetivo investigar um conjunto de denúncias de corrupção e propor medidas para
combater os desvios de conduta na Administração Pública. A Comissão havia sido criada pelo
presidente Itamar Franco no calor da CPI do Orçamento e da pressão do Movimento
pela Ética na Política (OAB, ABI, CNBB, CUT, PNBE). Foi a primeira experiência
de controle social, externo, da corrupção, em contraposição ao controle corporativo.
Era independente e com amplos poderes para ajudar a sanear a administração Pública
Federal. Instalada em 4 de fevereiro de 1994, tinha poderes para determinar
suspensão de procedimentos ou execução de condutas suspeitas, recomendar
investigações, auditorias e sindicâncias e propor ao presidente da República
providências, inclusive legislativas, para coibir fatos e ocorrências
contrárias ao interesse público.
No fim do governo Itamar, a CEI
apresentou um relatório mostrando a tipologia das fraudes praticadas em três
ministérios. A formulação de custos excessivos pela Gerencia de Custos Rodoviários
do DNER para usar como referência nas licitações e elaboração do orçamento, causando
superfaturamento; aditamento de contratos; inexistência de fiscalização de
obras e serviços; fraudes em convênios de repasses de recursos a estados e municípios;
pacotes fechados das empreiteiras, que ofereciam obra a prefeitos com promessa
de financiamento da Caixa, faziam edital de concorrência e se responsabilizavam
pela liberação dos recursos, que tinham acréscimos de até 300%. A Comissão já
apontava, no fim de 1994, problemas nas contas CC5, de estrangeiros, indicando
remessas suspeitas de lavagem de dinheiro no valor de US$ 11 bilhões.
Na
Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde as denúncias já
haviam derrubado vários dirigentes por supostos pagamentos de propinas e
falsificação de assinaturas para registro de alimentos, medicamentos e
cosméticos. Na época, doze mil produtos aguardavam registro no Ministério da
Saúde para serem comercializados. No inquérito da CEI sobre a SVS, a indústria farmacêutica
aparecia como suspeita de práticas de corrupção. Porém, a Comissão foi extinta
sem que tivesse sido concluído nenhum dos inquéritos que apuravam as denúncias
do setor. Eis aí o embrião dos esquemas que resultaram nas sanguessugas e
vampiros e que já vinha impregnado desde o governo Collor. As primeiras
denúncias do tráfico de influência de PC Farias ocorreram no Ministério da
Saúde.
Corrupção endêmica
O
relatório elaborado pelo professor Candido Antonio Mendes de Almeida, reitor da
Universidade Candido Mendes, do Rio de Janeiro, concluía que a corrupção não é
uma questão de governo, mas de Estado. Além de vontade política para instituir
mecanismos permanentes de combate à corrupção sistêmica, o governo deveria
tratá-la como política de combate à criminalidade e convocar a cidadania para
assumir o seu papel de controladora social nessa luta. “É imprescindível que a sociedade tome consciência de que a corrupção é
um fenômeno permanente, latente na estrutura do poder estatal. A luta contra
ela, portanto, não se esgota na identificação de seus focos e punição de
corruptos e corruptores. Ao invés, é ampla e envolve um constante esforço no sentido
de retemperar e preservar, na coletividade, o sentimento de integridade pública”,
constatava o relatório da CEI.
No
entanto, além de extinguir a Comissão por meio do decreto 1.376/95, o
presidente FHC engavetou o Código de Ética Profissional dos Servidores Públicos
instituído pelo antecessor e acabou com as comissões de ética que já estavam
instaladas nos ministérios. O acervo documental proveniente de diligências e
investigações realizadas pela CEI deveria ficar sob a guarda do Ministério da
Justiça e a Secretaria Federal de Controle do Ministério da Fazenda (antecessora
da Controladoria-Geral da União) ficaria encarregada dos procedimentos sobre diligências
e investigações, a propósito de fatos, atos e contratos, relativos a órgãos ou entidades
da Administração Pública Federal direta e indireta.
Em
discurso proferido no Senado em 14 de setembro de 1995, o senador Pedro Simon
(PMDB-RS) disse que ainda no início do governo do presidente Fernando Henrique
Cardoso, disse-lhe pessoalmente que sua assessoria o havia levado a “cometer um equívoco, que foi o de extinguir
a Comissão Especial de Investigação - CEI, no combate à corrupção na coisa
pública”. Ele lembrou que Itamar Franco havia deixado com o sucessor os
dossiês com os 47 processos que haviam sido apurados. “A um pedido meu de
informação, a resposta veio do Ministério da Justiça: extinguiu a CEI,
extinguiu a Comissão. Sem mais nem menos, sem explicar por que, baixou um
decreto extinguindo a Comissão. Mandou os processos, dizem, para o Ministério
da Justiça. Pergunto ao Ministério da Justiça e este me responde que ainda não
os recebeu. São 20 caixas que estão lá no Ministério da Administração. Fui ao
presidente e aconselhei-lhe reabrir a CEI. Argumentei: é um grupo que vossa
excelência escolherá, será composto de pessoas do mais alto gabarito,
pessoas17/09/12 Matéria - FHC foi mais omisso que Lula e extinguiu comissão de
investigação de fora do governo e de sua confiança, diretamente ligado a vossa
excelência, para que vossa excelência não fique sabendo, a posteriori, através
dos jornais, o que está acontecendo.
Nenhuma
palavra (de FHC)”, relatou Simon, que naquela oportunidade apontava quatro
casos de denúncias de condutas incompatíveis envolvendo conflitos de interesses
de funcionários de alto escalão do governo.
A
crítica do senador é compartilhada pelo advogado Modesto Carvalhosa, um dos
brasileiros notáveis que integrou a Comissão. Na introdução do Livro Negro da
Corrupção, onde são publicadas na íntegra os relatórios da CPI de PC Farias e
da CEI sobre a corrupção na Administração Pública Federal, ele considera que a
forma mais efetiva de combate à corrupção é o controle social sobre os fatos e
contratos administrativos e suas conexões com o mundo político. “Não
obstante, o presidente FHC ao extinguir a CEI logo na primeira semana de seu
governo, sem ouvir qualquer segmento da sociedade civil, eliminou esse controle
social, entregando o precioso acervo de provas e conclusões da CEI à ‘guarda’
do mais acendrado corporativismo incrustado nos Ministérios da fazenda e da
Justiça, para onde foram remetidas”, condenou Carvalhosa.
A
despeito dessas considerações feitas na vigência do governo anterior, outro
integrante da mesma Comissão não acredita que a instituição de um colegiado
como aquele traga eficácia ao combate à corrupção nos tempos atuais. Trata-se
do relator daquela CEI, professor Candido Mendes, que considera que a corrupção
tornou-se um fenômeno social total, impregnado nas instituições governamentais
e na sociedade. Para ele, o Brasil vive um “estado
devastador de desmoralização cívica”, no qual até a noção de combate à
corrupção está mais desmoralizada, até por conta do fracasso das CPIs que
investigaram todo tipo de denúncia contra o governo Lula no Congresso, mas não
foram capazes de punir “mensaleiros e
sanguessugas”. Mendes elogia a atuação da Polícia Federal “que averigua e algema”, considerando
essa mudança de perfil a “grande vantagem
e evolução deste governo”. E aponta o Poder Judiciário como a esperança da sociedade
e o alvo da pressão social. “A situação é muito desalentadora. Não é com
comissões do Executivo e do Legislativo que vai resolver isso. Vai ter que ser
resolvida no campo dos movimentos sociais, com ação popular e pressão direta
sobre o Poder Judiciário”, aconselha o professor.
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