segunda-feira, 17 de setembro de 2012

FHC foi mais omisso que Lula ao extinguir comissão de investigação?


FHC foi mais omisso que Lula e extinguiu comissão de investigação. 
Tucanos acreditavam que a melhor forma de combater a corrupção era reduzindo o tamanho do Estado.
Para cumprir esse projeto, não se importaram em fazer vistas grossas ao que ocorria no interior e no entorno do governo federal. (Nelson Breve)

Por Nelson Breve | Data: 28/10/2006
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e seus seguidores do PSDB e do PFL não se cansam de apontar o governo Lula como conivente com a corrupção, que teria alcançado, segundo eles, uma escala jamais vista na história do país. A favor dessa acusação contam com o espetáculo das denúncias que ocorreram na atual gestão do governo federal. Da renovação do contrato da Caixa Econômica Federal com a multinacional Gtech (Caso Waldomiro Diniz) às licitações fraudulentas para compra de ambulâncias com recursos do Orçamento Federal (Esquema das Sanguessugas). Passando pelos repasses ilegais de recursos a partidos e parlamentares, a pedido de dirigentes do PT, por intermédio de um lobista, proprietário de uma agência de publicidade contratada pelo governo federal (Mensalão). Sem falar na frustrada tentativa de compra de um dossiê com recursos de origem desconhecida para atacar candidatos tucanos na campanha eleitoral (Caso Dossiê).

Contra a avaliação da oposição, ministros do atual governo arrolam o diagnóstico feito pelo insuspeito ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles na prestação de contas realizada no ano passado e publicada este ano pela Escola Superior do Ministério Público da União sob o título “Visão do Biênio 2003 – 2005”. Para ele, o afloramento dos casos de corrupção no atual governo foi uma decorrência de um inédito processo de interação entre os serviços de investigação da administração pública e o Ministério Público Federal. “O que acontece é que, pela primeira vez interagindo as instâncias governamentais de investigação e o MPF, a corrupção acumulada por décadas vem à mostra. (...) incisão é feita no tecido social apodrecido e o pus da corrupção é posto para fora, a olhos vistos”, reconhece Fonteles, registrando que o governo anterior alimentava o antagonismo entre essas instituições.

O governo anterior nunca teve um compromisso forte com o combate à corrupção. Isso não significa, necessariamente, que tenha ocorrido conivência com o roubo de dinheiro público, o tráfico de influência ou outros tipos de improbidade administrativa. Fernando Henrique e seus principais assessores acreditavam que a melhor forma de reduzir a corrupção na administração pública era reduzindo o tamanho do Estado. Para cumprir esse projeto, que consideravam mais apropriado aos tempos modernos, não se importaram em fazer vistas grossas ao que ocorria no interior e no entorno do governo federal. Os escândalos eram resolvidos com afastamentos e demissões, nunca com investigações independentes e profundas. Para executar com sucesso o plano de estabilização econômica e Reforma do Estado era necessário, na avaliação deles, não deixar ventos semearem tempestades. Por isso, controlavam com mão-de-ferro a Polícia Federal, o Ministério Público e o Congresso, não permitindo a instalação de CPIs incômodas.

Operações abafa
Não faltaram denúncias de corrupção no governo FHC. Primeiro foi o Caso Sivam. Denúncias de tráfico de influência derrubaram o embaixador Júlio César dos Santos e o ministro da Aeronáutica, Brigadeiro Mauro Gandra. Depois foram os casos de intervenção do Banco Central nos Bancos Econômico e Nacional, que teriam funcionado por vários meses com ajuda federal, mesmo depois de quebrados. Agravado pelo Caso da Pasta Rosa, no qual o dono do Banco Econômico guardava a relação das contribuições de campanha que fazia pelo caixa dois, quase virou objeto de uma CPI. Mas o governo impediu que fosse instalada mesmo tendo as assinaturas necessárias. Caixa dois nas campanhas de para aprovar a emenda constitucional que permitiu a reeleição do presidente que estava no cargo, alterando as regras com o jogo em andamento.

O escândalo da privatização do Sistema Telebrás derrubou ministros e graduados funcionários do governo tucano, mas jamais foi apurado devidamente. Grampos telefônicos divulgados revelaram que o governo procurou direcionar o resultado do leilão, com irresponsabilidade administrativa e abuso de poder, no mínimo. E com o conhecimento do presidente, conforme declarações do próprio ministro das Comunicações da época, Luiz Carlos Mendonça de Barros, que posteriormente foi dirigente nacional do PSDB. “Porque tudo que está envolvido aí o presidente foi mantido a par... Evidentemente que nós não fizemos essa intervenção no consórcio sem avisá-lo. Foi uma decisão minha, do André, mas ele foi avisado porque era um negócio não normal”, revelou Mendonça de Barros em entrevista à revista IstoÉ. Alguém pode imaginar o que aconteceria com o presidente Lula se algum ex-ministro dele fizesse uma confissão semelhante?

A oposição até que fez barulho, tal qual os atuais oposicionistas. Denunciaram, colheram assinaturas para instalação de CPI. Mas, em nome da governabilidade, até porque o país tinha acabado de ver sua moeda desvalorizada em cerca de 20% e estava sob forte instabilidade econômica, foram usados todos os métodos do receituário governista para impedir uma investigação, especialmente no âmbito do Congresso. “CPI é palanque eleitoral’, justificavam, os líderes governistas da época. O governo teve de usar, inclusive, uma manobra que chega ao cúmulo do absurdo. Manteve funcionando por anos na Câmara algumas “CPIs fantasmas”, como as da crise da borracha e da TORMB, que vem a ser uma taxa paga pela produção de borracha. Essas CPIs, que não produziram resultado algum em benefício do país, bloquearam a instalação de outras com o objetivo deliberado de impedir a instalação da CPI da privatização da Telebrás.
Investigação, mesmo, só sobre a origem dos grampos ilegais que revelaram os crimes cometidos por funcionários públicos que conduziam a maior privatização da história do país.

Teve ainda as falcatruas na Sudam e na Sudene, os ralos do DNER, o rombo da Encol, os desvios de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e as operações de socorro aos bancos Marka e FonteCindam, que foram surpreendidos com a desvalorização cambial de janeiro de 1999 porque o canal de informações privilegiadas com que contaram por muito tempo falhou. Sem falar no caso do lobista que denunciou extorsão por parte de funcionários do Ministério da Saúde na gestão do ex-ministro José Serra e acabou acusado de oferecer propina para facilitar a compra de medicamentos de determinados laboratórios. Não há registro de que alguém tenha sido condenado por quaisquer desses casos. Simplesmente porque eles nunca foram apurados com seriedade.

Fim do controle externo
Essa determinação de abafar os escândalos de corrupção pode ser originalmente percebida em um dos primeiros gestos de FHC. Duas semanas após assumir a Presidência, em 1995, ele extinguiu, por decreto, a Comissão Especial de Investigação (CEI), instituída no governo Itamar Franco e composta por representantes da sociedade civil, que tinha como objetivo investigar um conjunto de denúncias de corrupção e propor medidas para combater os desvios de conduta na Administração Pública. A Comissão havia sido criada pelo presidente Itamar Franco no calor da CPI do Orçamento e da pressão do Movimento pela Ética na Política (OAB, ABI, CNBB, CUT, PNBE). Foi a primeira experiência de controle social, externo, da corrupção, em contraposição ao controle corporativo. Era independente e com amplos poderes para ajudar a sanear a administração Pública Federal. Instalada em 4 de fevereiro de 1994, tinha poderes para determinar suspensão de procedimentos ou execução de condutas suspeitas, recomendar investigações, auditorias e sindicâncias e propor ao presidente da República providências, inclusive legislativas, para coibir fatos e ocorrências contrárias ao interesse público.

No fim do governo Itamar, a CEI apresentou um relatório mostrando a tipologia das fraudes praticadas em três ministérios. A formulação de custos excessivos pela Gerencia de Custos Rodoviários do DNER para usar como referência nas licitações e elaboração do orçamento, causando superfaturamento; aditamento de contratos; inexistência de fiscalização de obras e serviços; fraudes em convênios de repasses de recursos a estados e municípios; pacotes fechados das empreiteiras, que ofereciam obra a prefeitos com promessa de financiamento da Caixa, faziam edital de concorrência e se responsabilizavam pela liberação dos recursos, que tinham acréscimos de até 300%. A Comissão já apontava, no fim de 1994, problemas nas contas CC5, de estrangeiros, indicando remessas suspeitas de lavagem de dinheiro no valor de US$ 11 bilhões.

Na Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde as denúncias já haviam derrubado vários dirigentes por supostos pagamentos de propinas e falsificação de assinaturas para registro de alimentos, medicamentos e cosméticos. Na época, doze mil produtos aguardavam registro no Ministério da Saúde para serem comercializados. No inquérito da CEI sobre a SVS, a indústria farmacêutica aparecia como suspeita de práticas de corrupção. Porém, a Comissão foi extinta sem que tivesse sido concluído nenhum dos inquéritos que apuravam as denúncias do setor. Eis aí o embrião dos esquemas que resultaram nas sanguessugas e vampiros e que já vinha impregnado desde o governo Collor. As primeiras denúncias do tráfico de influência de PC Farias ocorreram no Ministério da Saúde.

Corrupção endêmica
O relatório elaborado pelo professor Candido Antonio Mendes de Almeida, reitor da Universidade Candido Mendes, do Rio de Janeiro, concluía que a corrupção não é uma questão de governo, mas de Estado. Além de vontade política para instituir mecanismos permanentes de combate à corrupção sistêmica, o governo deveria tratá-la como política de combate à criminalidade e convocar a cidadania para assumir o seu papel de controladora social nessa luta. “É imprescindível que a sociedade tome consciência de que a corrupção é um fenômeno permanente, latente na estrutura do poder estatal. A luta contra ela, portanto, não se esgota na identificação de seus focos e punição de corruptos e corruptores. Ao invés, é ampla e envolve um constante esforço no sentido de retemperar e preservar, na coletividade, o sentimento de integridade pública”, constatava o relatório da CEI.

No entanto, além de extinguir a Comissão por meio do decreto 1.376/95, o presidente FHC engavetou o Código de Ética Profissional dos Servidores Públicos instituído pelo antecessor e acabou com as comissões de ética que já estavam instaladas nos ministérios. O acervo documental proveniente de diligências e investigações realizadas pela CEI deveria ficar sob a guarda do Ministério da Justiça e a Secretaria Federal de Controle do Ministério da Fazenda (antecessora da Controladoria-Geral da União) ficaria encarregada dos procedimentos sobre diligências e investigações, a propósito de fatos, atos e contratos, relativos a órgãos ou entidades da Administração Pública Federal direta e indireta.

Em discurso proferido no Senado em 14 de setembro de 1995, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) disse que ainda no início do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, disse-lhe pessoalmente que sua assessoria o havia levado a “cometer um equívoco, que foi o de extinguir a Comissão Especial de Investigação - CEI, no combate à corrupção na coisa pública”. Ele lembrou que Itamar Franco havia deixado com o sucessor os dossiês com os 47 processos que haviam sido apurados. “A um pedido meu de informação, a resposta veio do Ministério da Justiça: extinguiu a CEI, extinguiu a Comissão. Sem mais nem menos, sem explicar por que, baixou um decreto extinguindo a Comissão. Mandou os processos, dizem, para o Ministério da Justiça. Pergunto ao Ministério da Justiça e este me responde que ainda não os recebeu. São 20 caixas que estão lá no Ministério da Administração. Fui ao presidente e aconselhei-lhe reabrir a CEI. Argumentei: é um grupo que vossa excelência escolherá, será composto de pessoas do mais alto gabarito, pessoas17/09/12 Matéria - FHC foi mais omisso que Lula e extinguiu comissão de investigação de fora do governo e de sua confiança, diretamente ligado a vossa excelência, para que vossa excelência não fique sabendo, a posteriori, através dos jornais, o que está acontecendo.
Nenhuma palavra (de FHC)”, relatou Simon, que naquela oportunidade apontava quatro casos de denúncias de condutas incompatíveis envolvendo conflitos de interesses de funcionários de alto escalão do governo.

A crítica do senador é compartilhada pelo advogado Modesto Carvalhosa, um dos brasileiros notáveis que integrou a Comissão. Na introdução do Livro Negro da Corrupção, onde são publicadas na íntegra os relatórios da CPI de PC Farias e da CEI sobre a corrupção na Administração Pública Federal, ele considera que a forma mais efetiva de combate à corrupção é o controle social sobre os fatos e contratos administrativos e suas conexões com o mundo político.  “Não obstante, o presidente FHC ao extinguir a CEI logo na primeira semana de seu governo, sem ouvir qualquer segmento da sociedade civil, eliminou esse controle social, entregando o precioso acervo de provas e conclusões da CEI à ‘guarda’ do mais acendrado corporativismo incrustado nos Ministérios da fazenda e da Justiça, para onde foram remetidas”, condenou Carvalhosa.

A despeito dessas considerações feitas na vigência do governo anterior, outro integrante da mesma Comissão não acredita que a instituição de um colegiado como aquele traga eficácia ao combate à corrupção nos tempos atuais. Trata-se do relator daquela CEI, professor Candido Mendes, que considera que a corrupção tornou-se um fenômeno social total, impregnado nas instituições governamentais e na sociedade. Para ele, o Brasil vive um “estado devastador de desmoralização cívica”, no qual até a noção de combate à corrupção está mais desmoralizada, até por conta do fracasso das CPIs que investigaram todo tipo de denúncia contra o governo Lula no Congresso, mas não foram capazes de punir “mensaleiros e sanguessugas”. Mendes elogia a atuação da Polícia Federal “que averigua e algema”, considerando essa mudança de perfil a “grande vantagem e evolução deste governo”. E aponta o Poder Judiciário como a esperança da sociedade e o alvo da pressão social. “A situação é muito desalentadora. Não é com comissões do Executivo e do Legislativo que vai resolver isso. Vai ter que ser resolvida no campo dos movimentos sociais, com ação popular e pressão direta sobre o Poder Judiciário”, aconselha o professor.

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