sábado, 18 de agosto de 2012

Assange faz Equador levantar ‘bandeira anti-imperialista’


Quando Julian Assange pediu asilo pela primeira vez na embaixada do Equador, há dois meses, ele havia faltado a audiências na Justiça e tentava postergar o dia em que seria extraditado para a Suécia para responder a acusações de crime sexual.

Naquele momento, o governo de Quito tinha o cuidado de afirmar que não desejava deteriorar suas relações diplomáticas com a Grã-Bretanha. A chancelaria britânica insistiu que desejava uma saída negociada para a saia-justa.

Mas o que ficou claro nesta semana é que não há muito espaço para concessões. Embora o governo britânico afirme que deseja continuar as negociações, também diz categoricamente que Assange não terá salvo-conduto para sair do país e não negociará com a Suécia seu compromisso de extradição.

A Grã-Bretanha “não recuou uma polegada”, segundo o chanceler equatoriano Ricardo Patiño, e o que vinha sendo um diálogo amistoso se transformou em ameaça e chantagem explícita.

Mas o que particularmente enfureceu o Equador foi a insinuação feita pela Grã-Bretanha de que o país poderia usar uma lei britânica de 1987 para revogar o status de embaixada do edifício ocupado pela representação equatoriana para permitir que a polícia entrasse no local e prendesseAssange.

Se isso funcionasse, seria uma forma mais fácil de pôr fim ao impasse, segundo um embaixador britânico, do que a opção nuclear de romper relações diplomáticas com o Equador por completo.

Mas mesmo levantar a possibilidade de enviar a polícia à embaixada se mostrou uma medida polêmica por parte dos britânicos.
Além dos debates legais sobre se a lei britânica de 1987 poderia realmente se sobrepôr às salvaguardas internacionais há muito asseguradas pela Convenção de Viena para assegurar a imunidade de diplomatas estrangeiros e embaixadas em todo o mundo, isso poderia abrir um precedente preocupante: que outros países poderiam seguir o exemplo e usar o pretexto de pegar criminosos para invadir embaixadas estrangeiras que abrigam dissidentes?

Mas o argumento que o Ministério das Relações Exteriores britânicos poderia utilizar seria: como ficar de lado e permitir que uma embaixada estrangeira em Londres possa ser usada por propósitos não-diplomáticos para abrigar um potencial criminoso que burlou os termos de sua fiança, sem tomar qualquer ação?

De imediato, já está claro que a cisão entre a Grã-Bretanha e o Equador se intensificou.
Em Quito, o Ministro das Relações Exteriores, Ricardo Patiño, agora argumenta que Assange é uma ”potencial vítima de perseguição política”, por conta de sua defesa da liberdade de expressão e de imprensa, devido às suas publicações no WikiLeaks.

Ele afirma ainda que é dever do Equador protegê-lo e assegurar que não se consumarão seus temores em ser extraditado para os Estados Unidos e possivelmente encarar uma longa pena de prisão – como a do militar Bradley Manning, que vazou segredos militares para o WikiLeaks – ou até mesmo a pena de morte. pena de morte.

Em meio a tudo isso, a Grã-Bretanha ainda foi acusada de tratar o Equador como uma colônia.
Não resta dúvida que o presidente equatoriano, Rafael Correa, vê toda a saga como uma oportunidade de firmar suas credenciais anti-imperialistas entre seus colegas. O Equador já convocou um encontro de países latino-americanos para que eles ofereçam uma resposta apropriada.
Visto que a Grã-Bretanha já vinha tentando lidar de forma delicada com a América Latina, a fim de evitar que sua briga com a Argentina sobre as Ilhas Malvinas se disseminasse pelo continente, o momento em que essa crise ocorre é ruim, para dizer o mínimo.

Por outro lado, a Suécia rapidamente se alinhou com a Grã-Bretanha para expor seu descontentamento com o Equador, convocando o embaixador do país na Suécia ao Ministério das Relações Exteriores em Estocolmo, classificando como inaceitável que o Equador tente bloquear a investigação sueca.

E uma questão permanece: por quanto tempo Assange permanecerá enfurnado na embaixada equatoriana, tendo obtido asilo, mas incapaz de sair da representação diplomática sem ser preso?
Parece haver pouca esperança prática de retirá-lo às escondidas. Em teoria, ele poderá permanecer lá por muito tempo.

O dissidente chinês Fang Lizhi, que buscou refúgio na embaixada americana em Pequim, em 1989, onde permaneceu por um ano.
O cardeal húngaro József Mindszenty, que encontrou abrigo na embaixada dos Estados Unidos em Budapeste após a insurreição anticomunista no país em 1956, permaneceu lá por 15 anos, até 1971. E há também dois integrantes da junta militar que governou a Etiópia que ainda estão refugiados na embaixada da Itália em Adis Abeba, onde se encontram desde 1991.

Foi talvez tendo isso em mente que um diplomata britânico observou, com aparente frustração, que seria impossível e caro demais manter um policiamento de 24 horas em torno à embaixada equatoriana indefinidamente e que alguma outra solução ao impasse teria de ser encontrada.

O que começou como uma negociação complicada se transformou em uma profunda crise, envolvendo não apenas a Grã-Bretanha e o Equador, mas também a Suécia e os Estados Unidos.
E quanto mais elevada for a temperatura política nesta história complexa e cheia de meandros, mais difícil será encontrar uma saída diplomática.

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