Por Eberth
Vêncio
“Já estou de
saco cheio com vocês”, foram com estas palavras de desabafo que Deus,
finalmente, apareceu para esclarecer à humanidade o grande mistério da vida.
Sim. Deus existe, meus caros. E creio que todos tenham acompanhado a sua
inédita aparição por meio das rádios, jornais e televisão. Com o adjutório dos
principais líderes religiosos do planeta, Deus convocou a imprensa mundial para
uma entrevista única, definitiva e jamais sonhada nem mesmo pela mais crente
criatura humana.
Valendo-se
de vozes no meio da noite e visões oníricas, Deus requisitou aos seus
multiplicadores de fé que arrebanhassem os mais renomados repórteres, âncoras
televisivos, apresentadores de programas de auditório, além de líderes
políticos de todas as nações, para uma esclarecedora entrevista coletiva que
ocorreu, não por acaso, no Corcovado, aos pés do Cristo Redentor.
Muitos
países deixaram de enviar representantes legais, temendo que se trataria de
mais uma espécie de pegadinha, uma piada de extremo mau gosto, senão um golpe
de mestre engendrado por algum mentecapto ateu suicida interessado em implodir
o monumental cartão postal carioca, num dos maiores atentados da história desde
a destruição das torres gêmeas por Osama Bin Laden.
Deus deu aos
Homens apenas 72 horas para que todas as providências fossem tomadas, do ponto
de vista técnico-operacional, a fim de que o Brasil recebesse a volumosa legião
de perguntadores. Em tempo recorde, centenas de pedestais com microfones foram
instalados no Corcovado, a fim de servirem aos questionamentos dos convidados.
Não houve tempo nem espaço para que os organizadores brasileiros subissem até o
morro tantas cadeiras a fim de sentarem tantas pessoas. A multidão permaneceu
em pé mesmo durante as sessenta e três horas de entrevista, tempo considerado ínfimo
para espairecer tantas dúvidas que há séculos permaneciam entaladas na garganta
da humanidade.
Deus não
apareceu em carne e osso, como se esperava. Valendo-se do primeiro homem barbudo
e maltrapilho que avistou pela frente mendigando nas redondezas do Cristo, num
fenômeno de incorporação dos mais instigantes, ele falou através da boca do
renegado que permaneceu em transe durante todo o tempo.
Num rápido preâmbulo,
Deus explicou que a gota d’água que o levara a descer dos céus e acabar com
tantas lamentações, especulações, acusações, lucubrações, palpites e até
injustiças a respeito da sua existência ou não, foi o desmoronamento daquela
escola na cidade de Brejinho das Vacas que matou dezenas de crianças pobres,
levando milhares de pessoas ao redor do mundo a acenderem velas, chicotearem os
próprios lombos e a dizerem “Deus quis assim... Deus quis assim...”.
Um
titubeante monge tibetano: E Deus queria assim?
(Nota: o
mais incrível é que cada qual falava em sua língua pátria e era compreendido
pelos demais, um fenômeno incrível jamais verificado. Pela evidente falta de
caracteres, das sessenta e tantas horas de entrevista, pincei as perguntas que
considerei as mais relevantes e esclarecedoras, a fim de publicar neste ilibado
veículo de comunicação...)
Deus: Se
alguém pula de um prédio, Deus quis assim. Se um ônibus lotado erra a tangente
da curva e capota, Deus quis assim. Se o pequeno nascituro padece mortalmente
no canal do parto, vitimado pela estreiteza óssea da pélvis materna, Deus quis
assim. Se um senil canceroso finalmente é consumido pelo tumor, Deus quis
assim. Se um vulcão acorda e dizima com lava e rochas flamejantes uma pequena
aldeia sonolenta, Deus quis assim. Se um centroavante erra um pênalti, Deus
quis assim. Se alguém perde o emprego ou perde dinheiro ou perde as
estribeiras, Deus quis assim. Ora, não se trata de querer ou deixar de querer.
Estas coisas simplesmente acontecem.
O Papa visivelmente
comovido: Por
que tu escolheste o corpo deste pobre homem maltrapilho para, por meio dele,
falar ao teu povo? Como será a tua imagem, a cor de teus olhos, o tom dos teus
cabelos...
Deus: Simplesmente
não dá, meu caro. Eu não caibo aí entre vocês. Verdadeiramente, todo o planeta
nada mais é que um viveiro, uma espécie de câmara a vácuo, um meio de cultura,
um laboratório em que estudamos todas as formas de vida existentes. Aquilo que
vocês denominam Universo, Infinito, realmente existe e é de lá que eu falo
neste exato instante, abrindo o jogo de uma vez para sempre, cessando todas as
dúvidas. Da mesma forma que vocês estudam os micróbios e outras criaturinhas
invisíveis a olho nu, nós estudamos o vosso comportamento. Sim. Vocês ouviram
bem. Nós. Há vários de mim, milhares, milhões.
Uma mulher
não identificada: Afinal,
o senhor é um homem ou uma mulher?
Deus: Nem
homem, nem mulher. Nós não temos sexo. Nós não procriamos. Nós sempre fomos,
somos e seremos, entende? Não, eu não espero que você esteja me entendendo...
Um cientista
renomado: Existe
ou não existe vida após a morte?
Deus: Pergunte
às suas bactérias, doutor. O que acontece a elas quando o senhor ministra
potentes antibióticos. Para onde vão as almas destes microrganismos?
Uma ateia
quase convicta: Por
que, então, você e os seus iguais demoraram-se tanto a esclarecerem estes fatos
gravíssimos e essenciais à humanidade? Quanta maldade. Com todo respeito,
senhor: quanta sacanagem!
Deus: Eu
lhe respondo com outra pergunta, cética e desprezível criatura. Como você, que
se julga tão convicta, espera viver o final de seus dias após esta relevante e
inimaginável revelação? E mais: não fui eu quem começou esta estória de Deus,
diabo, céu e inferno. Isto partiu de vocês, dos seus ancestrais, desde os
primórdios, a partir do momento em que os Homens dominaram a fala e começaram a
cultuar o sol, a lua, o fogo, o trovão e tudo o mais que fosse cientificamente
inexplicável.
Presidente
dos Estados Unidos da América: Há tempos está escrito em nossas
cédulas de dólar que “Em Deus nós acreditamos”. Portanto, apesar de termos
massacrado tanta gente em incontáveis guerras sanguinárias, como você e os seus
companheiros universais veem o papel do meu país no contexto mundial. Algum dia
na vida, nossos foguetes sequer passaram perto do local de onde o senhor fala
neste instante. Seria factível instalarmos uma base americana no seu mundo?
Deus: Se
Deus quiser — e nós queremos, pode ter certeza disto — jamais
permitiremos que qualquer criatura da Terra deixe este habitáculo e lance
sementes noutros recantos do Universo. Não temos antibióticos, mas dispomos de
outras formas bastante eficazes para frear o ímpeto humano, como as pestes, as
calamidades naturais, isto sem contar com a mortandade a que você se referiu,
Presidente.
Curandeiro
de uma tribo aborígene africana: Vamos mesmo morrer se
continuarmos derrubando árvores, empestilhando a atmosfera e poluindo rios? É
possível ao senhor e aos seus iguais refazer todas as coisas num simples
estalar de dedos?
Deus: Eu já
disse e repito. Nós não criamos nada. Vocês, assim como nós, simplesmente
existem e pronto. Há milhares de anos vocês têm sido observados e estudados. De
fato, reconhecemos que houve muita evolução científica ao longo da história.
Entretanto, os danos cotidianos que uns infligem aos outros e ao meio ambiente
parecem muito mais relevantes. Se dependesse só de mim, já tinha enviado o seu
globo para o expurgo. Mas fui voto vencido.
Um
pastor-alemão: E
quanto a Jesus?
Deus: Jesus
foi um homem pacifista, diferente, assim como Gandhi, Madre Tereza de Calcutá,
Irmã Dulce, Francisco de Assis e tantos outros. Foram espécimes que tentaram
viver em prol da coletividade, embora, sem convencer os seus pares.
Eberth
Vêncio, enviado especial desta publicação nonsense: Agora que
está tudo praticamente esclarecido, a vida na Terra não terá perdido toda a
graça? O que será feito dos homens, das religiões, dos sacrifícios, das
peregrinações, dos dízimos, dos sonhos dizimados, e das aplicações bancárias
das principais entidades religiosas do planeta?
Deus: Eu já
esperava esta petulante pergunta. A verdade é esta que eu lhes trouxe por meio
da garganta deste homem faminto miserável, há tempos requisitada pelos seus e
pelos que já sucumbiram no decorrer da história. Teoricamente, como foi
dito, a verdade deveria vos libertar. Aí está ela. Chupem-na. E passar bem..
Via Bula Revista
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