segunda-feira, 2 de abril de 2012

O caminho da evolução

A região do Médio Awash, na Etiópia, é o lugar habitado mais antigo do planeta. Agora seus ossos estão emergindo do solo

No deserto etíope de Afar, a morte chega de muitas maneiras. Há doenças, é claro, mas se pode morrer ainda pelo ataque de um bicho selvagem, caindo em um penhasco ou no fogo cruzado entre um dos clãs afares e o povo issa ao longo do rio Awash, mais a leste.
A vida é precária em toda a África. O mais surpreendente aqui é como os restos mortais perduram. A depressão do Afar está situada sobre uma falha cada vez mais larga da crosta terrestre. Com a passagem do tempo, vulcões, terremotos e a lenta acumulação de sedimentos conspiraram para enterrar as ossadas e, bem mais tarde, para trazê-las de volta à superfície sob a forma de fósseis. Esse é um processo que continua até hoje. Em agosto de 2008, um menino foi capturado por um crocodilo no lago Yardi, em uma área do Afar conhecida como Médio Awash. Protegidos pelos sedimentos no fundo, os ossos do menino algum dia também se tornarão fósseis. "Há milhões de anos tem gente morrendo por aqui", diz o paleoantropólogo Tim White, da Universidade da Califórnia em Berkeley, que três meses depois da morte do menino estava na margem do lago. "Às vezes, temos sorte e topamos com o que restou."
Em outubro do ano passado, o Middle Awash, um projeto dirigido por White com os colegas etíopes Berhane Asfaw e Giday WoldeGabriel, anunciou sua maior descoberta até agora: a exumação, 15 anos antes, do esqueleto de uma criatura que havia morrido 4,4 milhões de anos atrás em Aramis, um local cerca de 30 quilômetros ao norte do atual lago Yardi. Pertencente à espécie Ardipithecus ramidus, a fêmea adulta - apelidada de "Ardi" - é mais de 1 milhão de anos mais velha que a famosa ossada conhecida como "Lucy", e também bem mais informativa sobre um dos enigmas cruciais da evolução humana: as características do ancestral comum que compartilhamos com os chimpanzés.
Por mais sensacional que seja, contudo, o Ar. ramidus é apenas um instante em nosso trajeto evolutivo - de um obscuro primata até nossa espécie. Para tentar entender como ocorreu essa transformação, não há lugar mais propício na Terra que o Médio Awash. Além de Aramis, ali são encontradas camadas sedimentares associadas a 14 outros períodos que nos proporcionaram fósseis de hominídeos - os membros de nossa linhagem exclusiva -, desde formas ainda mais antigas e primitivas que o Ar. ramidus até as primeiras encarnações do Homo sapiens.
De acordo com White, várias dessas "janelas de tempo" encontram-se numa área tão restrita que seria possível, literalmente, caminhar de uma a outra em apenas alguns dias. Para provar isso, ele convidou-me a acompanhar sua equipe até a área de pesquisa. O plano era partir da época atual no lago Yardi e andar de volta ao passado, eliminando uma camada após outra daquilo que nos torna seres humanos - característica por característica, espécie por espécie.
Herto: o parente ancestral
Seguimos para a área de pesquisa em um grupo de duas dezenas de cientistas e estudantes, sob a proteção de seis guardas armados. Nossa caravana de 11 veículos leva equipamentos e suprimentos suficientes para seis semanas. Enquanto avançamos pelo planalto, as plantações de sorgo e cereais vão ficando para trás e dando lugar a florestas com neblina. O trajeto está coalhado de destroços da história mais recente - ainda é possível ler uma gasta inscrição com o nome mussolini, entalhada no lintel sobre um túnel, um legado da ocupação italiana do país na década de 1930.
Depois de alcançar o topo da escarpa, descemos em ziguezague por uma imensa encosta que se formou quando a placa continental da Arábia se afastou da África, um processo iniciado cerca de 30 milhões a 25 milhões de anos atrás, fazendo com que a depressão de Afar afundasse ainda mais na zona da sombra de chuva do planalto. No horizonte a sudeste, além da fita azul do rio Awash, as terras altas parecem se fundir ao cone do jovem vulcão Ayelu. E, aos pés do Ayelo, brilha uma lasca prateada: o lago Yardi.
Dois dias depois, estamos andando pela margem do lago - White, Asfaw e WoldeGabriel, além de dois veteranos do projeto, o geólogo Bill Hart e Ahamed Elema, o líder dos Bouri-Modaitu, um dos clãs afares. O lugar é o cenário perfeito para a produção de fósseis, tanto hoje como no passado. Afinal, é ali que se concentram os animais para comer, beber, matar e ser mortos. E seus ossos acabam sob a terra, protegidos da decomposição. Ao longo das eras, a água vai impregnando-os de minerais e eliminando os restos orgânicos. White, de 58 anos, revira com uma machadinha criaturas que morreram há pouco: um esqueleto de bagre, a cabeça de uma vaca. "Para quem quiser virar fóssil", comenta ele, "não há nada melhor que isso aqui."

Por Jamie Shreeve Fonte: NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL

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