sábado, 24 de março de 2012

O perigo do fundamentalismo religioso no Brasil


Em um momento onde urge a discussão sobre a possibilidade do vácuo dos governos derrubados no Oriente Médio ser preenchido por uma ditadura religiosa fundamentalista, tal qual foi no Afeganistão e Paquistão, desvio um pouco esse debate para a possibilidade e consequências do fundamentalismo religioso no Brasil, baseado na ascenção e infiltração na política dos neoprotestantes, vulgo evangélicos em suas várias denominações, bem como o controle de diversos meios de comunicação e empresas por parte das igrejas evangélicas. Para iniciar, é de suma importância conceituar o fundamentalismo:
Movimento religioso e conservador, nascido entre os protestantes dos E.U.A. no início do século, que enfatiza a interpretação literal da Bíblia como fundamental à vida e à doutrina cristãs [Embora militante, não se trata de movimento unificado, e acaba denominando diferentes tendências protestantes do sXX.] (Houaiss)
Vê-se que o termo está associado à interpretação literal da Bíblia, no início do século XX. Quando, por livre extensão de sentido, associamos este termo a política e à ditadura, estamos falando de autoritarismo:
Em sentido generalíssimo, fala-se de regimes autoritários quando se quer designar toda a classe de regimes antidemocráticos. [...] A oposição política é suprimida ou obstruída [bem como o pluralismo partidário. [...] (Norberto Bobbio, Nicola Matteuci e Gianfranco Pasquino – Dicionário de Política)
No Islã, dois movimentos políticos disputam a forma de governo e a moral que deve ser seguida: os sunitas (que seguem a “Suna”, livro que define questões não muito claras no Corão), que reconhecem um líder religioso eleito pela população e representam 80% da comunidade islâmica do mundo, e os xiitas, que seguem à risca o Corão e defendem que o líder político e religioso deve ser descendente direto de Maomé. É importante lembrar que o islamismo é a religião que mais cresce no mundo.

Ao mesmo tempo, no Brasil, estima-se que as correntes neoprotestantes (que inclui os neopentecostais, ambos chamados de evangélicos) são as que mais arrebatam fiéis anualmente. Num país com quase 200 milhões de habitantes, diz-se que 2 milhões de pessoas são convertidas à essa fé ano a cada ano. Proporcionalmente, podemos dizer que o neoprotestantismo está para o Brasil tal o Islamismo está para o mundo. Discuto, portanto, as semelhanças entre o fundamentalismo religioso no Brasil e no Oriente Médio, mesmo que esteja falando de religiões diferentes.


No Brasil, podemos dar o exemplo da Folha Universal, “Um Jornal a serviço de Deus” (que Deus?), que fala sobre política e propaga a moral ditada pela igreja de Macedo, bem como a Rede Record, uma das maiores emissoras do Brasil e controlada pela IURD, que recentemente ampliou seu departamento jornalístico e frequentemente omite notícias que vão de encontro com a fé de seus controladores. Além disso, há a compra de extensos horários das televisões de menor porte para divulgar programas evangélicos, e sobretudo, temos o maior símbolo da influência política neoprotestante no Brasil: a bancada evangélica no Congresso. O poder da manipulação dos líderes religiosos evangélicos é tal, que se um presidente proclama sua fé agnóstica ou o ateísmo (como Fernando Henrique, Lula e Dilma), perde o apoio dos eleitores evangélicos e, sem ele, dificilmente conseguiria se eleger. Dilma, por exemplo, prometeu que não partiriam dela projetos de lei à favor do aborto, do casamento homossexual, e outras que ofendessem os preceitos literais da Bíblia seguidos por essa religião.

A partir disso, podemos dizer sim que podemos temer que um regime autoritário religioso pode (e já está) se estabelecendo no Brasil, mesmo de forma democrática. Também não podemos dizer que o Estado brasileiro é laico, uma vez que já esta seguindo os preceitos defendidos pelos neopentecostais, seja por pressão popular (oriunda da alienação), seja pelos congressistas. A linha que separa esse regime “democrático” influenciado por uma única corrente religiosa do autoritarismo é muito tênue, e pode romper-se a qualquer momento.

Defendo que devemos ir contra a religião? Não. Repito o que sempre digo em outras postagens: concordo com a Constituição no que diz respeito à livre manifestação de pensamento. O pensamento, todavia, é plural, e assim deve ser respeitado, tal qual a liberdade de escolha. Nesse sentido, o Estado brasileiro deveria ser completamente laico. Não acho que os congressistas não devem ter suas próprias religiões: acho que eles deveriam defender a liberdade de crença, como estabelecido pela Constituição à qual estão submetidos. Caso contrário, continuaremos caminhando rumo ao autoritarismo, e em passos largos. É a volta da ditadura, mesmo que não seja militar. Contra isso, sim, devemos lutar.


Repositório Filosófico
Via Terra Brasilis

2 comentários:

  1. Sociedade civilizada é a que respeita e honra todas as formas de vida enquanto continua a promover sua própria educação ao se empenhar na iluminação espiritual de toda a raça humana, mas nunca impondo aos outros suas próprias crenças, julgamentos ou opiniões.

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Dag Vulpi

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