sábado, 24 de março de 2012

A Constituição brasileira, a religião, a bancada evangélica e os cultos afro-brasileiros: “entre a cruz e a encruzilhada”



A Constituição é aquela tentativa de um povo de definir alguns pontos, básicos e fundamentais, que serão aceitos por todo cidadão. A encrenca começou de cara, bem no comecinho da Carta:  Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Sob a proteção de Deus, me garantem os juristas de plantão, não acresce nem retira nenhum direito nosso e nem concede a Deus poder jurisdicional sobre o cidadão brasileiro: Assim espero!

Mas vem daí, desta pequena e negociada inserção, uma outra interpretação das bancadas cristã e evangélicas. Não bastando nos colocar sob a proteção pretendem nos colocar sob jurisdição. Fica a pergunta: É, ou não, inconstitucional a atuação de uma bancada religiosa na casa que cria as nossas leis?

Pelo artigo 19 da Constituição , abaixo na íntegra (É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;), considero que sim.

Não bastasse o flagrante delito perpretado contra as religiões afro-brasileiras (VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença), que nunca foi suficientemente apurado e nem resultou em sanção a quem quer que fosse. Nos vemos nas mãos de pessoas que gostariam de transformar nosso país em um estado teocrático...

Convém reparar que se os evangélicos aumentaram em 233%  em 20 anos (1980/2000), os  sem religião aumentaram 456% no mesmo período. Vamos deixar a minoria se impor no grito?

Abaixo alguns textos e uma reportagem que serviram de subsídio para a proposta desta discussão.  

A religião na Constituição:
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
II - recusar fé aos documentos públicos;
III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.


Textos abaixo retirados deste link:
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/v...
Tabela 1
Religiões declaradas nos censos do Brasil
em 1980, 1991 e 2000 (população residente)
Religião 
1980
1991
2000
Católicos
89,2
83,3
73,7
Evangélicos
6,6
9,0
15,4
Espíritas
0,7
1,1
1,4
Afro-brasileiros
0,6
0,4
0,3
Outras religiões
1,3
1,4
1,8
Sem religião  
1,6
4,8
7,3
TOTAL (*)
100,0%
100,0%
100,0%
(*) Não inclui religião não declarada e não determinada.
Fontes: IBGE, Censos demográficos.

Tabela 2
Religiões declaradas nos censos do Brasil
em 1980, 1991 e 2000 (população residente)
Religião 
1980
1991
2000
Católicos
89,2
83,3
73,7
Evangélicos
6,6
9,0
15,4
Espíritas
0,7
1,1
1,4
Afro-brasileiros
0,6
0,4
0,3
Outras religiões
1,3
1,4
1,8
Sem religião  
1,6
4,8
7,3
TOTAL (*)
100,0%
100,0%
100,0%
(*) Não inclui religião não declarada e não determinada.
Fontes: IBGE, Censos demográficos.

Antes de tudo é preciso observar que, no caso das religiões afro-brasileiras, o censo oferece sempre cifras subestimadas de seus seguidores.

Isso se deve às circunstâncias históricas nas quais essas religiões se constituíram no Brasil e ao seu caráter sincrético daí  decorrente.

Para o candomblé, que está mais perto do pensamento africano que a umbanda, o bem e o mal não se separam, não são campos distintos. A umbanda, porém, quando se formou, se imaginou também como religião ética, capaz de fazer a distinção entre o bem e o mal, à moda ocidental, cristã.

Mas acabou criando para si uma armadilha. Separou o campo do bem do campo do mal. Povoou o primeiro com seus guias de caridade, os caboclos, pretos-velhos e outros espíritos bons, à moda kardecista. Para controlar o segundo, arregimentou um panteão de exus-espíritos e pombagiras, entidades que não se acanham em trabalhar para o mal quando o mal é considerado necessário. Ficou dividida entre dois campos opostos, “entre a cruz e a encruzilhada”, na feliz expressão de Lísias Nogueira Negrão (1996). 

Tratado durante muito tempo com discrição e segredo, o culto dos exus e pombagiras, identificados erroneamente como figuras diabólicas, veio recentemente a ocupar na umbanda lugar aberto e de realce (Prandi, 1996, cap. 4; 2001). Era tudo de que precisava um certo pentecostalismo: agora o diabo estava ali bem à mão, nos terreiros adversários, visível e palpável, pronto para ser humilhado e vencido. O neopentecostalismo leva ao pé da letra a idéia de que o diabo está entre nós, incitando seus seguidores a divisá-lo nos transes rituais dos terreiros. Pastores da Igreja Universal do Reino de Deus, em cerimônias fartamente veiculadas  pela televisão, submetem desertores da umbanda e do candomblé, em estado de transe, a rituais de exorcismo, que têm por fim humilhar e escorraçar as entidades espirituais afro-brasileiras incorporadas, que eles consideram manifestações do demônio (Almeida, 1995; Mariano, 1999).

Por fim foram deixados em paz pela polícia (quase sempre), mas ganharam inimigos muito mais decididos e dispostos a expulsá-los do cenário religioso, contendores que fazem da perseguição às crenças afro-brasileiras um ato de fé, no recinto fechado dos templos como no ilimitado e público espaço da televisão e do rádio. Não foi um ato isolado e gratuito o discurso do pastor fluminense Samuel Gonçalves, da Assembléia de Deus, um dos apoiadores do candidato evangélico Anthony Garotinho à presidência da república, em que afirmou que uma das “três maldições” do Brasil é a religião africana (Folha de S. Paulo, 30/07/2002, p. A6). Pouco antes do primeiro turno das eleições presidenciais, o Painel da Folha de S. Paulo deu a seguinte notícia, com o intertítulo de Guerra santa: “Panfletos distribuídos por evangélicos reclamam que Brasília ‘está se transformando em um terreiro de candomblé’, pois estátuas de orixás foram colocadas em um parque.

Para mudar isso, diz o documento, só há uma solução: (eleger) Garotinho para presidente e Benedito Domingos (PPB-DF) para governador” (Folha de S. Paulo, 24/09/2002, p. A4). Se se confirma esse novo horizonte político-partidário, em que os evangélicos se fazem presentes até mesmo numa candidatura como a de Lula à presidência da república, na espantosa coligação entre o PT e o PL, em parte controlado pela IgrejaUniversal do Reino de Deus, não há de ser muito alvissareiro o futuro das religiões afro-brasileiras. Nos tempos atuais, a perseguição sofrida pelas religiões afro-brasileiras passou de órgãos do Estado para instituições da sociedade civil. Pode bem voltar ao Estado, se os governos caírem em mãos religiosas intolerantes?

AE - Agência Estado
08 de outubro de 2010 | 12h 03
Com o ataque à descriminalização do aborto e ao casamento gay como bandeiras, a bancada evangélica aumentou sua participação no Congresso Nacional em quase 50%. A bancada de bispos, pastores e integrantes das igrejas evangélicas saiu das eleições de domingo com mesmo número de parlamentares do PSDB. Só perde agora para as bancadas do PT e do PMDB, partidos com o maior número de representantes no Congresso.

Levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) registra a reeleição de 32 dos 45 parlamentares da bancada e a eleição de mais 34 integrantes de igrejas evangélicas. Com Assembléia de Deus à frente na contabilidade, a bancada tem agora 63 deputados e 3 senadores.

Os números mostram que a bancada evangélica reverteu o desfalque sofrido nas eleições de quatro anos atrás - e que interrompeu um crescimento iniciado nos anos 80. A bancada minguou na eleição de 2006 em decorrência do envolvimento de parte de seus integrantes nos escândalos do mensalão e da máfia dos sanguessugas. Esse último flagrou parlamentares no esquema da compra de ambulâncias por preços superfaturados.

A lista de novatos no Congresso inclui o ex-governador Anthony Garotinho (PR-RJ) - que disputou a eleição graças a uma liminar obtida na Justiça - e a cantora gospel Lauriete Rodrigues (PSC-ES).

Outro novato na Câmara, o diácono da Assembleia de Deus Erivelton Santana (PSC-BA), disse ontem que a prioridade no mandato será se opor aos projetos que "não se identificam com princípios bíblicos", como a  descriminalização do aborto. Santana afirmou que também foi eleito para defender interesses institucionais das igrejas evangélicas, como evitar a cobrança de impostos sobre contribuições e dízimos dos fiéis.
O presidente da Frente Parlamentar Evangélica, deputado João Campos (PSDB-GO), um dos reeleitos, já apostava no crescimento da bancada. Segundo ele, o aumento foi movido pelo combate a propostas de lei "consideradas nocivas à sociedade". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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