Assim o
indivíduo sem sociedade anulou a política. Há cada vez menos lugares de
formação das demandas coletivas e cada vez mais interesses privados. Por que as
democracias estão perdendo força? E como eles podem reencontrá-la? Há a
necessidade de superar a ideia de que só a afirmação do indivíduo é o que
importa. A irresponsabilidade do capital financeiro tornou-se indecente, e a
timidez com que ela é enfrentada pelos governos é cada vez menos
aceitável.
O artigo é de Franco Cassano (*)
Tudo começou
quando as conquistas dos anos 1960 (direitos trabalhistas, consumo de massa e
expansão do estado social) racharam o compromisso entre capitalismo e
democracia nascido no Ocidente depois da Segunda Guerra Mundial. O Estado
nacional, tendo-se tornado democrático, revela-se perigosamente exposto às
pressões provenientes de baixo: a máxima "um homem, um voto" tem uma
gramática igualitária dificilmente compatível com os imperativos da
rentabilidade e do lucro. A contraofensiva capitalista que inicia nos anos 1970
segue, portanto, uma estratégia nova: ela não busca o choque frontal, mas
esvazia a política, redimensiona drasticamente a sua esfera.
Os fluxos do
capital financeiro se subtraem cada vez mais do controle dos Estados nacionais
e, livres de qualquer vínculo, multiplicam desmedidamente sua própria força. A
política, ao invés, permanece ancorada na velha casa do Estado nacional,
obrigada a enfrentar, com orçamentos cada vez mais reduzidos e contestados, as
pressões que vêm dos cidadãos. No novo quadro da economia globalizada, a sua
tarefa principal não é o de dirigir, mas sim de garantir um certo grau de
coesão social; ela não pode mais cultivar projetos ambiciosos, mas apenas
remendar e tampar.
É então que a
política e os seus intérpretes começam a perder autoridade e qualidade: as suas
"desenvolturas" ética, que as ideologias haviam permitido resgatar e
transformar, não podem mais se esconder debaixo da saia de uma grande
justificação. E essa política degradada e improdutiva parece ser, ao senso
comum, cada vez mais apenas o instrumento através do qual uma "casta"
defende a sua própria autorreprodução. É uma espécie de crime perfeito: a
decadência da política, que nasce sobretudo do fato de que o grande capital a
abandonou à sua sorte, é tranquilamente imputada ao insaciável apetite dos seus
protagonistas, enquanto o verdadeiro poder goza da máxima liberdade de movimento
e de todos os privilégios.
Mas seria
profundamente equivocado limitar-se a observar só o que acontece nas altas
camadas da sociedade, o conflito entre as elites. Se a contraofensiva liberal
tivesse ficado nas instâncias do novo poder não teria conseguido se afirmar,
como aconteceu depois, e teria se encontrado diante de uma imensa massa de
inimigos. Em vez disso, ela desbaratou o adversário porque se mostrou capaz de
produzir uma forte e capilar hegemonia. A grande narrativa que ela propõe sabe
falar também ao povo, porque colocou no centro do imaginário o tema da
afirmação individual, do sucesso: para realizar os nossos sonhos, não
precisamos dos outros, mas só de uma grande confiança em nós mesmos. O vínculo
com os outros pode apenas nos bloquear, enquanto, se formos completamente
indivíduos, um mundo inteiro está à disposição.
Não é por
acaso que, precisamente nos anos 1970, esse mito conquistou o centro da cena:
Rocky Balboa e Tony Manero são os protagonistas de dois filmes famosos, duas
fábulas populares sobre o tema do sucesso e da redenção individual. Stallone e
Travolta (testemunhas perfeitas enquanto filhos de imigrantes) se tornam
estrelas porque os seus filmes falam de heróis que provêm das camadas baixas da
sociedade. E, mesmo que seja verdade que apenas "um em cada mil
consegue", são milhares que sonham em conseguir, especialmente quando as
outras vias não parecem viáveis.
É essa
irrupção do indivíduo que completa de baixo aquele redimensionamento da
política ao qual o grande capital havia iniciado de cima. "A sociedade não
existe, existem apenas os indivíduos", dizia Thatcher, e a única mediação
possível entre indivíduos sozinhos diante do próprio destino é a do mercado. O
primado do mercado une os capitais sem fronteiras e os sonhos dos indivíduos.
E uma
sociedade assim, que não vê mais contradições sociais, mas só sucessos ou
derrotas individuais, não parece precisar mais da política. Do Quarto Estado de
Pellizza da Volpedo (imagem acima) passamos às solidões de Hopper (imagem ao
lado). Os projetos e o coração dos homens se transmigraram para fora da
política. A esta última cabe apenas a tarefa de garantir a liberdade de
movimento dos indivíduos e das mercadorias, e um grau mínimo de ordem pública.
A sociedade civil não é mais o lugar de formação das demandas coletivas, mas
sim a trama dos interesses privados, não é a ágora, mas sim o mercado.
Mas, depois de
três décadas de hegemonia incontestada, esse tratamento fundamentado na
liberdade dos capitais e do indivíduo, começa a dar sinais de desgaste. A nossa
sociedade é atravessada por dilacerações e por desigualdades crescentes
produzidas em grande parte pelos jogos imprudentes do capital financeiro. Mas a
hegemonia liberal começa a se desgastar também nas camadas baixas, porque a
carta do individualismo não consegue mais suportar o peso que lhe foi
descarregado em cima, não consegue mais subir mais o plano inclinado das
desigualdades crescentes. Certamente, ela ainda consegue manter os homens longe
uns dos outros, impedir que reconheçam o que eles têm em comum, mas remunera
cada vez menos.
Também não
será a ideologia fraca e ambígua da meritocracia que reparará o edifício.
Certamente, ela pode lubrificar os canais da mobilidade social, mas se trata de
muito pouco, já que tanto rigor comovido só serve para cooptar os melhores nas
áreas mais fortes, enquanto deixa cair com a outra mão todo o resto, as Grécias
do mundo. Mas são justamente as Grécias que desmascaram o jogo, que se joga só
até quando apraz os mais fortes. Se tivermos a força de não deixá-las sozinhas,
poderiam se tornar o início de uma outra história.
Por seu lado,
o indivíduo, obrigado a viver em uma constante precariedade e incerteza,
começou a suspeitar que não é mais aquele que consegue, mas sim um dos 999.
Também por isso, de vez em quando, uma política difundida parece reaparecer na
sociedade: por manchas, por ondas que, embora se dispersando, mostram que as
rachaduras do edifício em que vivemos estão se ampliando, embora a orquestra
tenha a ordem de continuar tocando.
No entanto,
essas tensões fluem novamente muito frequentemente sobre si mesmas, não
conseguem decolar e se expandir, não conseguem construir um quadro teórico e
prático estável para a política, um novo paradigma de referência. E aqui
voltamos ao que se disse no início: enquanto a política se confrontar com as
tensões sociais permanecendo isenta de todo peso sobre as grandes decisões, não
conseguirá produzir soluções e acabará se unindo à espiral de descrédito.
Se quiser
iniciar novamente, a política democrática deve fazer com que todos entendam
qual é o ponto crucial: ela deve voltar a ter poder, construir mecanismos de
controle sobre os movimentos do capital financeiro, pôr fim à inação deste
último com relação aos sofrimentos daquele planeta sobre o qual paira como uma
ave predadora. Ela deve mudar a sua relação de força com a economia,
reconstruir uma relação equilibrada entre capitalismo e democracia, entre
consumidores e cidadãos, entre liberdade e igualdade, entre o presente e o
futuro.
Trata-se de um
passo nada simples: um paradigma em declínio, como se sabe, continua tendo
influência e sendo popular, enquanto aquele que está em gestação é visível
apenas a poucos, que é fácil de confundir com visionários. Mas a direção de
marcha está traçada porque a irresponsabilidade do capital financeiro tornou-se
indecente, e a timidez com que ela é enfrentada pelos governos do mundo é cada
vez menos aceitável.
O que parece
inegável é que confiar na política sem colocar a questão da sua reunificação
com o poder é tempo jogado fora. Quem hesita e tem medo lembra aquela poesia de
Brecht em que os habitantes de uma casa em chamas, ao invés de sair, demoram
perguntando a Buda que tempo está fazendo lá fora, se está chovendo ou
ventando. Para eles, responde Buda, não temos nada a dizer.
(*) Franco Cassano é Sociólogo italiano, professor da Universidade de Bari.
(**) Tradução de Moisés Sbardelotto
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