Maior
visibilidade mundial do País faz Exército reforçar a proteção das fronteiras
com programa de R$ 11,9 bilhões que movimenta a indústria bélica.
A fronteira brasileira é tão vasta que
descrevê-la evoca superlativos: 16.886 quilômetros separando o Brasil de 11
países vizinhos, numa faixa que abrange dez Estados e 27% do território
nacional. Uma área tão extensa que vigiá-la tornou-se quase impossível. Mas com
a maior projeção do Brasil na economia global, a proteção dos limites do País
tornou-se um assunto prioritário na estratégia de defesa nacional. Para evitar
o trânsito de traficantes de drogas, contrabandistas e guerrilheiros, o governo
montou um ambicioso projeto com o objetivo de manter os confins brasileiros sob
permanente vigília.
Numa estimativa inicial, serão gastos
R$ 11,9 bilhões ao longo dos próximos dez anos para montar o Sistema Integrado
de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron). A Amazônia, por exemplo, cuja
internacionalização é tema recorrente no noticiário mundial, receberá atenção
especial. A gigantesca floresta, hoje vigiada por 21 Pelotões Especiais de
Fronteira (PEFs), receberá 28 novos postos de vigilância em seis Estados da
Amazônia Legal. Cada um tem um custo estimado de construção de R$ 8,5 milhões.
“Com a escassez de recursos naturais, a proteção do território é cada vez mais
uma questão de soberania”, diz o general João Roberto de Oliveira, assessor
especial do Comando do Exército para o Sisfron.
Foi a deixa para iniciar uma onda de
fusões e associações de olho no projeto bilionário do Exército. A Embraer
Defesa e Segurança, a maior do setor, comprou a fabricante paulista de radares
Orbisat e 50% do controle da Atech, especializada em integração de
sistemas e responsável pelo projeto básico do Sisfron, concluído em dezembro.
Três meses antes, a companhia de São José dos Campos desembolsou R$ 85 milhões
para firmar uma joint venture com a gaúcha AEL Sistemas, subsidiária da
israelense Elbit, criando a Harpia, para desenvolver veículos aéreos não
tripulados (Vants) nacionais.
Luiz Carlos Aguiar, presidente da
Embraer Defesa e Segurança, diz que os investimentos mostram o interesse firme
da companhia em participar do Sisfron e de abrir novos mercados. ”Temos a
oportunidade de desenvolver, no longo prazo, novas tecnologia de defesa no
Brasil”, disse Aguiar à DINHEIRO. O Sisfron representa um avanço tecnológico
sem precedentes, garante Vitor Puglia Neves, vice-presidente de operações da
AEL Sistemas.Tão logo começou a ser projetado, há um ano, o programa atraiu uma
respeitável leva de empresas mundiais no setor.
Entre elas, a americana Rockwell
Collins, a alemã Rheinmettal, a espanhola Indra e a italiana Selex. Desde
então, o Exército já recebeu a visita de pelo menos 100 companhias
interessadas. Mas o tabuleiro se agitou depois de
setembro, com a criação da Empresa Estratégica de Defesa, que nada mais é que
uma pessoa jurídica à qual qualquer companhia estrangeira deve obrigatoriamente
se associar para projetos acima de R$ 50 milhões – como é o caso do Sisfron. O
movimento mais recente foi da francesa Thales, uma gigante com faturamento de €
13,1 bilhões que, em dezembro, anunciou uma parceria com a construtora Andrade
Gutierrez.
Com negócios nas áreas de defesa,
segurança aeroespacial e transportes, a Thales tem no currículo o
desenvolvimento do sistema de vigilância da Organização do Tratado do Atlântico
Norte (Otan), uma aliança militar entre a Europa, os Estados Unidos e o Canadá.
“Temos muita experiência nessa área”, afirma Laurent Mourre, diretor da Thales
para o Brasil. “O Sisfron é tão complexo que, quando estiver pronto, vai
mudar radicalmente o modo como o Exército atua na defesa do País”, afirma.
Quando for concluído, o sistema de defesa compreenderá numa intrincada rede de
radares estacionários e móveis, sistemas de comunicações e veículos aéreos não
tripulados.
Os equipamentos terão de se comunicar
e serão integrados numa grande teia, que dará subsídio aos centros de decisão
do Exército. Simples no papel, extremamente complicado na prática. “Não há no
planeta uma empresa capaz de fornecer o sistema completo”, diz o general João
Roberto de Oliveira. “Isso estimula as empresas a se unirem.” Desde a edição da
Estratégia Nacional, em 2009, o monitoramento permanente das fronteiras
firmou-se como diretriz das Forças Armadas e se tornou uma das principais
frentes de investimento do Ministério da Defesa. Soma-se a isso a necessidade
de desenvolver parte significativa das tecnologias que serão empregadas até
2022 no Sisfron.
Uma estimativa feita pela Embraer
Defesa e Segurança aponta que o Brasil domina apenas 60% do conhecimento
necessário para montar o sistema. Os demais 40% são considerados tecnologias
críticas, que ainda terão que ser desenvolvidas. É aí que moram as
oportunidades – tanto para as empresas brasileiras quanto para as
multinacionais. Cerca
de 30 indústrias nacionais estão hoje capacitadas para fornecer
equipamentos e tecnologias para o Sisfron. Mas, quando se fala em companhias
para se associar aos gigantes estrangeiros, esse universo se torna bastante
restrito.
Além
de Embraer e Andrade Gutierrez, a mais adiantada nesse processo é a Odebrecht,
que criou em 2011 sua divisão de defesa e segurança depois da joint venture com
a francesa Cassidian, do grupo EADS. Outras
construtoras, como Camargo Corrêa e OAS, já foram procuradas por interessadas
estrangeiras – esta última sondada por uma americana do ramo de radares. A
sueca Saab, que vem consolidando sua presença no Brasil para além da
concorrência dos jatos do combate no programa F-X2, no qual disputa com seu
Gripen NG, está em busca de parceiros.
“Vamos nos associar a uma empresa
brasileira, compartilhando e desenvolvendo tecnologias”, diz Åke Albertsson,
vice-presidente mundial de marketing e gerente-geral para o Brasil. A Saab
entrará na parceria como fornecedora de radares, sistemas eletrônicos e
soluções. Embora já busquem se posicionar para o lançamento do Sisfron, as
empresas ainda não sabem exatamente qual será o seu desenho, mesmo com o
projeto básico concluído pelo Exército, um calhamaço de 57 volumes. Ele só será
conhecido com a divulgação das especificações técnicas.
“Só então saberemos quais são as
tecnologias que o Brasil precisa, quais serão os equipamentos básicos e como
serão integrados”, diz Jairo Cândido, diretor do departamento de indústria de
defesa da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). Como será implementado
ao longo de uma década, o Sisfron sairá do papel aos poucos. Neste semestre,
devem ser conhecidos os detalhes técnicos do projeto piloto que será lançado
numa faixa de fronteira de 650 quilômetros, na divisa entre Mato Grosso do Sul
e a Bolívia e o Paraguai.
Lá devem funcionar 12 radares, cada um
com alcance de 60 quilômetros, ligados ao Comando Militar do Oeste, em Dourados
(MS). O Orçamento da União de 2012 aloca R$ 172,8 milhões para essa finalidade.
Essa fase experimental será a primeira iniciativa de integração das diversas
plataformas de vigilância, dos radares aos Vants, com o centro de comando. Se
der certo, o modelo será replicado nos outros 16 mil quilômetros de fronteira.
Por Guilherme QUEIROZ
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