Ministro do
Supremo Tribunal Federal critica o “autismo completo” das autoridades
brasileiras quando decidem discutir o sistema carcerário do país; a culpa,
segundo ele, é do “jogo farisaico” do qual participam União e estados: este diz
que não tem verba suficiente para tratar do problema como deve; aquela alega
que pode ajudar, mas que não tem nada com isso
Por Pedro
Canário do Consultor
Juridico
Há um “autismo completo” quando as autoridades brasileiras decidem discutir o sistema carcerário do país. Na análise do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, existe uma infinidade de ideias, que não são difíceis de implantar e podem atenuar o problema, mas que nunca saem do papel. O motivo, dispara, é o “jogo farisaico” do qual participam União e estados: este diz que não tem verba suficiente para tratar do problema como deve; aquela alega que pode ajudar, mas que não tem nada com isso.
Quando foi
presidente do Conselho Nacional de Justiça, o ministro pôde ver de perto o
tamanho do problema do sistema carcerário e concluiu que, na verdade, não se
trata de um problema carcerário. “É um problema de segurança pública, e todos
temos que envolver”, insiste. E por “todos” quer dizer todos mesmo: Executivo,
Legislativo, Judiciário e sociedade.
Dados do
Departamento Penitenciário Nacional, o Depen, do Ministério da Justiça, mostram
que o Brasil hoje tem 550 mil presos. Desses, cerca de 220 mil, ou 40%, estão
em prisão provisória. Ou seja, estão presos aguardando uma decisão
condenatória.
Para o
ministro Gilmar Mendes, “isso fala mal da Justiça Criminal, e fala que o
sistema precisa de reforma”, conforme afirmou em entrevista à revista Consultor
Jurídico.
À frente do
CNJ, o ministro acompanhou casos de pessoas presas há mais de dez anos ainda
sem condenação, ou, pior, pessoas que já haviam cumprido suas penas mas
continuavam encarceradas. Por isso criou o Mutirão Carcerário, grupos de
servidores do Judiciário que iam, em regime de força-tarefa, aos estados para
mergulhar nos processos criminais com réus presos e fazer o acompanhamento da
situação.
Hoje, o
problema continua. E as soluções apontadas pelo ministro continuam as mesmas:
fazer os inquéritos policiais andarem, para que os crimes cheguem aos tribunais
e, depois, fazer os processos andarem. Outra medida é ampliar as penas
alternativas e investir mais em outras formas de medidas cautelares. Mas o que
pode mesmo ajudar é pôr as ideias em prática.
Como avalia o
ministro, os estados reclamam que não têm verba, mas o Fundo Penitenciário Nacional
(Funpen), do governo federal, já dispõe de R$ 2 bilhões, que não é reclamado
pelas administrações estaduais. E “as autoridades do Ministério da Justiça
falam como se estivessem falando do sistema carcerário da Bolívia. O Maranhão é
no Brasil”.
Em visita à
redação da ConJur, em São Paulo, o ministro falou aos jornalistas Márcio Chaer,
Maurício Cardoso, Marcos de Vasconcellos e Elton Bezerra.
Leia
trecho:
ConJur — Anos
atrás, quando se falava em ativismo judicial, havia certo entusiasmo, até
aplausos. Hoje parece que a coisa está se revertendo, o senhor não acha?
Gilmar Mendes
— É preciso ter muito cuidado com isso. A Constituição confere tarefas muito
diferenciadas para o Judiciário. Por exemplo, o controle da omissão, que é uma
inovação radical da Constituição de 88. Criaram-se dois instrumentos para isso:
a ação direta por omissão e o mandado de injunção, que é uma ação de caráter
individual. Claro que, aqui, o constituinte está querendo que o Judiciário
supra as omissões existentes, ou concite o Legislativo a fazê-lo. Ou mesmo que
eventualmente edite normas provisórias. Quer dizer, como não ser “ativista”,
por assim dizer, nesses contextos? Diante de omissões, às vezes, históricas, de
legislações que nunca se editam. Ao mesmo tempo, sabemos que legislações muito
complexas não serão editadas pelo Judiciário.
ConJur — Por
quê?
Gilmar Mendes
— Porque elas envolvem aspectos orçamentários escolhas e ponderações. São
regras de transição que dificilmente poderão ser feitas pelo Judiciário. E
quando o Judiciário intervém, acaba provocando problemas. Vide o caso dos
precatórios, em que o Legislativo tinha encontrado um modelo de parcelamento, o
CNJ regulamentou, veio o Supremo e declarou inconstitucional. Depois se
descobriu que os governos municipais passaram a não pagar nem aquele mínimo
estabelecido, porque, não podendo pagar o máximo, também não pagavam o mínimo.
ConJur — Isso
até que se decida pela modulação.
Gilmar Mendes
— Até que se decida pela tal modulação. Coube a nós o papel – estranho, para
dizer o mínimo – de dizer que, enquanto não vier a definição da modulação, que
fique em vigor a regra que declaramos inconstitucional. Então foi um gol contra
do ativismo. É aquela coisa de “calcemos as sandálias da humildade”, um caso
atípico.
ConJur — Como
o senhor avalia esse movimento da classe política procurar cada vez mais o
Judiciário para resolver seus problemas, inclusive os institucionais?
Gilmar Mendes
— Talvez seja porque não haja instâncias de solução. Talvez os conselhos,
conselhos de líderes, comissões de líderes etc. não estejam funcionando a
contento, o que leva a um esgarçamento. E aí tudo acaba num mandado de
segurança no Supremo. É o que tem acontecido. Falta de um diálogo institucional
no âmbito do próprio Congresso. Essa, talvez, seja a causa. Agora, por que é
que isso ocorreu? Talvez porque tenhamos muitos partidos, muitas forças
políticas, e talvez as próprias lideranças congressuais já não tenham condições
de arbitrar muitos desses conflitos.
ConJur — Mas
muito se fala sobre a judicialização da política como um aspecto negativo.
Gilmar Mendes
— Um dado é inevitável: a possibilidade ampla de impugnar leis em ADI já é
bastante amplo. No caso do parlamentar, basta o partido com um representante em
uma das casas para entrar com a ação. No Congresso, essa voz vale pouco. Então,
quem estiver na oposição a um projeto aprovado, obviamente que vai tentar
derrubar no Supremo. Agora, fala-se muito em judicialização em relação às
questões políticas. A desentendimentos quanto a projetos, modelos de regimentos,
etc. Nesse caso, me parece que é mais um esgarçamento, uma falta de
legitimidade do próprio processo político.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua visita foi muito importante. Faça um comentário que terei prazaer em responde-lo!
Abração
Dag Vulpi