"Vim de uma situação em que
passava praticamente 24 horas alcoolizado. Acordava, a garrafa estava do
lado. Ia dormir, a garrafa também estava lá". Durante quase dez anos, esse
foi o cotidiano do auxiliar mecânico de aeronave Pedro Carlos de Vieira, 40
anos. "Agora, vejo a vida de outro jeito. Vejo o quanto perdi. Passei todo
esse tempo sem fazer planos". Assim como Pedro, 1.970 pessoas, na média
mensal, foram às unidades do Centro de Apoio Psicossocial Álcool e Drogas (Caps
AD) do município de São Paulo para buscar tratamento para a dependência do
álcool no ano passado.
Em três anos, o total de
atendimentos cresceu cerca de 37%. Foram 1.238 em 2010 e 1.542 em 2011. Segundo
o psicólogo Vilmar Ezequiel dos Santos, gerente do Caps AD de Santana, a
crescente procura pode estar relacionada à tendência de uma busca pelo
tratamento cada vez mais precoce. "Pela nossa experiência na área,
percebemos que havia a busca depois de muitos anos de consumo, até 20 ou 30
anos. Agora, a gente está observando que esse tempo de se reconhecer doente tem
diminuído".
Em dezembro do ano passado, foram
atendidos 1.596 dependentes de álcool nas 25 unidades do Caps existentes na
capital paulista. Desse total, 18,5% são mulheres. Na divisão por faixa etária,
sete em cada dez pessoas atendidas têm idade entre 40 e 59 anos.
Santos acredita que essa tendência
de mudança tem relação com o amadurecimento da sociedade para a abordagem da
questão. "Hoje, as pessoas estão mais preocupadas. Há a questão do
trânsito. A Lei Seca chamou a atenção para isso, que não se pode beber e
dirigir. Essa percepção vai produzir impacto na população de incentivo à
procura de atendimento. A família, que antes não queria saber (do dependente),
que deixava de canto, está mais atenta, preocupada".
Foi a família de Pedro que
identificou um quadro preocupante e tomou uma atitude. "Se não fosse minha
irmã, ainda estaria do mesmo jeito e não sei por quanto tempo mais. Eu não era
violento, nem prejudicava ninguém, mas minha mãe estava muito triste com a
situação", relatou. Ele, que é do Recife (PE), foi trazido a São Paulo em
setembro do ano passado com o desafio de construir um novo projeto de vida.
"Consegui um emprego de porteiro, por enquanto. Já é alguma coisa. Mas
quero um emprego na minha área (de aviação)".
O gerente do Caps AD explica que,
mais do que tomar remédio ou fazer terapia, o tratamento deve fornecer uma
perspectiva de vida ao paciente. Segundo ele, é preciso ajudar a pessoa a
retomar o sentido da vida, ou seja, olhar para a frente e ver uma situação
diferente dessa que ela vive antes do tratamento. 'Não basta parar de
usar", explica.
Santos diz que, em média, o
tratamento para dependentes de álcool dura entre dois e três anos. "Não dá
para ser a curto prazo. Mas varia muito (de acordo com a) pessoa, a
problemática e o comprometimento. Há casos em que o comprometimento já é
tamanho que a pessoa vai ficar se tratando para sempre".
Na comparação com outras drogas, ele
diz que não é possível determinar se a dependência do álcool é mais fácil de
ser tratada. "Vai depender de cada caso, Ás vezes, o álcool é mais
difícil, sim. É uma coisa mais arraigada, faz parte da vida da pessoa. O álcool
é mais aceito socialmente. A sociedade é mais complacente, ele é mais conhecido
em termos de uso. Identificar que isso é um problema é uma questão mais
difícil." (Agência Brasil)
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