Por Robson Pereira*
Se fosse uma cidade, a população carcerária brasileira estaria entre as maiores do país em número de habitantes. Ficaria entre Londrina, no Paraná, e Niterói, no Rio de Janeiro, embora sem o encanto e a relativa tranquilidade das duas. São 496.251 presos, 40% deles provisórios, à espera de julgamento, espalhados pelo território brasileiro. Todas as previsões feitas ao longo da década passada se confirmaram. Entre 2000 e 2010, o número de encarcerados no Brasil simplesmente dobrou de tamanho. A boa notícia é que na segunda metade da década a taxa média de crescimento caiu pela metade.
São presos demais e, a rigor, essa cidade nada fictícia poderia ser maior ainda do que as capitais Aracajú e Cuiabá, pois os números atuais não incluem os mandados de busca expedidos pela Justiça. Ninguém sabe ao certo quantos condenados à prisão estão foragidos. Só em São Paulo seriam 150 mil ordens de captura, mas não são raros os casos de vários mandados expedidos contra a mesma pessoa, uma falha que continuará se repetindo até que o país tenha um cadastro nacional de fugitivos, uma medida, por sinal, incluída na Lei 12.403, sancionada no mês passado.
Com tantos prisioneiros, haja presídios – e dinheiro para construí-los. Entre 2003 e 2009, segundo dados oficiais da Secretaria Nacional de Segurança Pública, o governo investiu mais de R$ 1 bilhãona construção de 97 estabelecimentos penais, além de ter ampliado e reformado outros 37, valor que não inclui equipamentos ou reaparelhamento na área de segurança. Tal esforço resultou em um crescimento expressivo no número de vagas, da ordem de 138%, de 135 mil em 2000 para as atuais 323.265. Mesmo assim, a conta não fecha e o país precisaria de 400 novos presídios para acomodar tantos presos. Ou de uma nova abordagem para o problema.
Antes de investir R$ 1 bilhão, o déficit de vagas no sistema penitenciário era de 60.714. Hoje, está em 140.411, um aumento de 122% - proporcionalmente menor do que a ampliação de vagas (138%), que, por sua vez, foi maior do que o crescimento no número de presos (113%) no período. Lembra um pouco a fábula do cão correndo atrás do próprio rabo. Em mais uma década e com mais alguns bilhões de reais gastos em novos presídios talvez faça sentido.
Além de construir, é preciso manter presos e presídios. Até pouco tempo, o Depen estimava em R$ 1.600 o custo médio mensal, pago pelo contribuinte, para a manutenção de um preso nas penitenciárias brasileiras. Em alguns estados, a conta chega a R$ 3 mil por mês. "É um investimento idiota: gastamos bilhões de reais para tornar as pessoas piores do que elas são", resume o ex-diretor do Departamento Penitenciário Nacional Maurício Kuehne.
Não fossem os mutirões carcerários organizados pelo Conselho Nacional de Justiça, a situação das penitenciárias brasileiras seria ainda mais grave. A marca do 100º mutirão não está longe de ser alcançada. Até o final do ano passado foram realizados 80 em praticamente todos os estados brasileiros. A temporada 2011 está em pleno andamento e o calendário para 2012 já está pronto.
Há quem compare a política de mutirões ao trabalho de secar gelo. Pode até ser, mas os números conseguidos até agora são expressivos. De agosto de 2008 a dezembro do ano passado cerca de 28 mil presos foram libertados – não por generosidade, tampouco com o objetivo de esvaziar presídios, mas por que legalmente não deveriam estar presos. São pessoas que já cumpriram a pena, mas foram esquecidas pelo sistema, ou que nunca foram condenados, mas que mesmo assim foram jogados no mesmo bolo. Vez por outra, um desses aparece no espaço nobre do noticiário.
Diz a prática que mutirões não devem ser analisados apenas sob o ponto de vista numérico. Mais do que isso, representam uma oportunidade única para desvendar os principais gargalos da Justiça criminal brasileira, incluindo a superlotação dos presídios, assim como garantir o devido processo legal. Em outras palavras, apontar onde o sistema não está funcionando e propor melhorias para que mutirões como esses sejam cada vez menos necessários. Parte da radiografia está pronta e exposta nos primeiros relatórios divulgados pelo CNJ sobre o trabalho realizado em 13 estados mais o Distrito Federal. O diagnóstico revela que os problemas não são poucos e aponta quem não está fazendo o dever de casa.
É possível que o balanço do sistema penitenciário brasileiro da década recém iniciada apresente resultados bem diferentes e que julho de 2011 venha a ser considerado um divisor de águas. Assim como acertaram nas previsões e análises feitas até agora, não são poucos os que apostam na Lei 12.403 (entra em vigor em poucas semanas) como um dos principais instrumentos das mudanças esperadas para os próximos anos.
O texto relaciona nove medidas cautelares, incluindo o monitoramento eletrônico e a prisão domiciliar também no decorrer da ação penal, que devem ser consideradas prioritariamente, em caso de crimes com previsão de pena de reclusão inferior a quatro anos, antes que o juiz decrete uma prisão preventiva – que passa a ser uma exceção e não mais a norma, como demonstram as estatísticas penitenciárias. Os números da década passada mostram que encher prisões não é a saída e que é no mínimo questionável a sensação de que fazer justiça é prender. Existem outras formas de punir mais adequadas à sociedade, sem que isso signifique impunidade. A bola está com o Judiciário.
*Robson Pereira é jornalista
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua visita foi muito importante. Faça um comentário que terei prazaer em responde-lo!
Abração
Dag Vulpi