Por Antônio Ozaí da Silva*
Shakespeare, célebre conhecedor da natureza humana, faz com que Ângelo, em Medida por medida, pronuncie as seguintes palavras:
“Uma coisa é ser tentado e outra coisa é cair
na tentação. Não posso negar que não se encontre num júri, examinando a vida de
um prisioneiro, um ou dois ladrões, entre os jurados, mais culpados do que o
próprio homem que estão julgando. A Justiça só se apodera daquilo que descobre.
Que importa às leis que ladrões condenem ladrões?” (SHAKESPEARE, 1994:129)
O
espetáculo da corrupção enoja e torna a própria atividade política ainda mais
desacreditada. Os que detestam a política – como diria Brecht, os analfabetos
políticos – regozijam-se. Os podres poderes fortalecem os argumentos pela
indiferença e o não envolvimento na política. É o moralismo abstrato e ingênuo
que oculta a ignorância e dissimula a leviandade egoísta dos que não conseguem
pensar para além do próprio bolso.
O analfabeto
político não sabe que sua indiferença contribui para a manutenção e
reprodução desta corja de ladrões que, desde sempre, espreitam os cofres
públicos, prontos para dar o golpe à primeira oportunidade que surja.
Os analfabetos políticos não vêem que lavar as
mãos alimenta a corrupção.
Quem
cultiva a indiferença, o egoísmo ético do interesse particularista, é conivente
com o assalto ou é seu beneficiário. O que caracteriza a república é o trato da
coisa pública, responsabilidade de todos nós. Como escreveu Rousseau (1978:
107): “Quando alguém disser dos negócios do Estado: Que me
importa? – pode-se estar certo de que o Estado está perdido”.
Eis
o duplo equívoco do analfabeto político: nivelar todos os políticos e
debitar a podridão apenas a estes. Os políticos, pela própria atividade que
desempenham, estão mais expostos. No entanto, não há corrupção, sem corruptores
e corrompidos. Pois, se a ocasião faz o ladrão, a necessidade também o faz.
Não
sejamos hipócritas. Exigimos ética dos políticos como se esta fosse uma espécie
de panacéia restrita ao mundo – ou submundo – da política. Mas, e a sociedade?
Se o ladrão rouba um objeto e encontra quem o compre, este é tão culpado quanto
aquele.
Ah!
Não fazemos isto! E os pequenos atos inseridos na cultura
do jeitinho brasileiro não são formas não assumidas de corrupção?
Quem de nós ainda não subornou o policial rodoviário? Ou não vivemos numa
sociedade onde honestidade é sinônimo de burrice, de ser trouxa, etc.? E como
correr o risco de ser bobo quando a sociedade competitiva premia os
mais espertos, os mais egoístas, os mais ambiciosos?
A
bem da verdade, o ladrão aproveita a ocasião. Quem de nós nunca
foi tentado? Quem de nós não cometeu algum deslize quando se apresentou a
ocasião? Quem foi tentado e não caiu em tentação? Quem conseguiu manter a
coerência entre pensamento e ação, discurso e prática? Os homens são julgados
por suas obras e apenas através delas é que podemos comprovar a sua capacidade
de resistir à tentação. Afinal, como afirma Shakespeare (1994: 201),
através de Isabel, sua personagem: "A lei não alcança os pensamentos e as
intenções são meros pensamentos".
O analfabeto
político demoniza a tentação da política. Seu prêmio é a
ignorância. E, muitas vezes, enojados e cansados diante do espetáculo
propiciado pelos governos que se sucedem, somos tentados a imitá-lo e sucumbir
à rotina do cotidiano que consome nossos corpos e pensamentos e nos oferece a
substância anestésica capaz de dar a ilusão da felicidade.
Bem
que tentamos ficar na superfície das aparências e nos contentarmos em, como os
demais animais, simplesmente consumir e reproduzir. Mas só as bestas de todo
tipo não refletem sobre a sua situação no mundo. Por mais alienado que seja, o
ser humano tem condições de pensar criticamente, de compreender e de projetar
seu próprio futuro. Esta pequena diferença em relação aos demais
animais é que o torna o único animal capaz de produzir cultura e de fazer sua
própria historia.
Não
basta apenas criticar os que caem em tentação, é mister superar o
comodismo do analfabetismo político. Pedagogicamente, educamos pelo
exemplo. Não podemos exigir ética na política ou formar uma geração cidadã,
consciente dos seus direitos e deveres e capaz de assumir a defesa da justiça
social, se nossos exemplos afirmam o oposto. Afinal, mesmo os ladrões têm a sua
ética. O personagem shakespeariano tem razão.
*Antônio Ozaí da Silva - Docente
na Universidade Estadual de Maringá (UEM), autor de História das Tendências no
Brasil (Origens, cisões e propostas), Proposta Editora, 1987; e, de Partido de
massa e partido de quadros: a social-democracia e o PT, São Paulo, CPV, 1996;
membro do Núcleo de Estudos de Ideologia e Lutas Sociais (NEILS)
Por incrível que possa parecer o Mundo todo está repleto de analfabetos políticos!
ResponderExcluirAqui no Brasil há muitos e muitos espalhados pelos quatro cantos, haja vista a situação política que se arrasta e arrasa igual um tsunami, engolindo a tudo e a todos!
Perde-se tempo com tudo, em excesso: futebol, novelas, fofocas com as vizinhas...falam-se coisas variadas, menos sobre política e principalmente sobre aqueles que nos representarão no Município, no Estado, na Câmara dos Deputados, no Senado, e até na Presidência!
Falar mal depois que a coisa está feita é o padrão de escolha da maioria!
Mas... a coisa está mudando e acredita-se que o sofrimento faz por enxergar, se não matar!
Por experiência de infância, adolescência, o entendimento sobre essas questões sempre tiveram lugar prioritário na vida, fazendo-me buscar respostas ao invés de apenas aceitar comodamente como tantos fazem.
Há necessidade de participação da sociedade na vida pública do país, comparecendo às atividades, debates, como um dever cívico, pois a Pátria é o nosso lar e devemos zelar por esse grande patrimônio para que possamos colher futuramente, os bons frutos das melhores sementes!
Sol do Deserto