sábado, 10 de janeiro de 2015

Atentado contra a extrema-esquerda na França



Entender o atentado de 7 de janeiro, um dos mais graves já ocorridos na França, apenas como um ataque à liberdade de expressão é uma meia verdade e envolve um grande risco político de interpretação


O Charlie Hebdo, cuja redação foi alvo de um atentado terrorista em 7 de janeiro de 2015, é um veículo de comunicação de extrema-esquerda. A origem política e artística dos principais nomes do veículo remonta aos anos 1960 na França. É a essa geração original que pertenciam Cabu e Wolinski, que estão entre as doze vítimas confirmadas até o momento em que escrevo este texto, com vários feridos ainda em estado grave. A marca inicial soixante-huitarde – dos participantes dos protestos de 1968 – está impregnada em toda a trajetória do semanário satírico.

O diretor de redação do Charlie Hebdo, Charb, também assassinado no ataque, era parte de uma nova geração de artistas e jornalistas, diretamente herdeira do grupo original. Três décadas mais jovem que Cabu e Wolinski, era ele quem orientava a linha política e editorial do semanário desde 2009. Segundo o jornal francês Libération, foi ele o principal alvo dos terroristas.




Charb é especialmente conhecido por seu engajamento com bandeiras progressistas na França. Atuou diretamente em campanhas do Partido Comunista Francês e da Frente de Esquerda. Preparou o material de divulgação de mobilizações contra o racismo e a guerra. Uma de suas tiras mais conhecidas, Maurice et Patapon, reúne um cão (Maurice) anarquista, bissexual, pacifista e extrovertido, e um gato (Patapon) fascista, assexuado, violento e perverso. Essa obra, de traços simples, se preocupa principalmente em revelar as tensões muitas vezes escatológicas entre as personagens – o cão como aquilo que sonhamos ser e o gato como nos pressionam a ser, diz Charb em entrevista. O nome da tira remete a um dos símbolos do colaboracionismo francês com o nazismo, Maurice Papon, responsável direto pela morte de milhares de judeus durante a Segunda Guerra Mundial. No trabalho de Charb, o alvo era muitas vezes a extrema-direita crescente na Europa, especialmente o Front National (Frente Nacional), da família Le Pen. O ex-presidente Nicolas Sarkozy foi também objeto frequente dos desenhos de Charb, a quem dedicou vários livros de ilustrações.



No Brasil, o trabalho de Charb ficou especialmente conhecido pelas ilustrações que acompanham o livro Marx, manual de instruções, de Daniel Bensaïd, lançado em 2013. Aí, apresenta caricaturas sobre o mundo do trabalho, a vida de Marx, os dilemas da esquerda. Há uma charge especialmente marcante, um “aviso” intitulado “Nem todos os barbudos são Marx”, onde retrata o encontro de Marx com um islâmico radical. A mensagem que fica é: não basta a esquerda revolucionária e os extremistas religiosos terem inimigos em comum para estarem na mesma luta. Aliás, Charb não poupava sátiras a todas as religiões



A partir de 2006, quando Charlie Hebdo ficou mundialmente conhecido por republicar charges cômicas retratando Maomé e ser alvo de críticas e ataques de grupos islâmicos fundamentalistas, Charb adotou como tema central de seu trabalho o Islã. Anticlerical, dizia: “É preciso que o Islã esteja tão banalizado quanto o catolicismo” – e a guerra e o capitalismo, poderia sem dúvida ter acrescentado. Quando Charb assumiu a direção do semanário, a satirização do Islã tornou-se tão importante na linha editorial quanto a ridicularização do fascismo e das perversões do capitalismo, rendendo várias primeiras-páginas do Charlie Hebdo e ataques contra a redação, incluindo um atentado contra sua sede em 2011.

Charb, na frente do Charlie Hebdo após o atentado que explodiu a sede do semanário na manhã 2 de novembro de 2011. Em suas mãos, a edição programada para o dia de 3 de novembro que motivou o ataque.

A linha sistemática de sátira do Islã fez com que Charlie Hebdo fosse alvo de críticas por parte da esquerda francesa. Por um lado, as críticas eram justas, pois na tentativa de satirizar o Islã pela esquerda muitas charges acabaram deslizando para abjeto racismo e islamofobia, servindo principalmente de material aos grupos próximos à família Le Pen e sua campanha xenófoba na França. Vale dizer que o mau gosto e os excessos também eram e são cometidos no semanário contra judeus, católicos etc. Por outro lado, havia e há ainda certa perplexidade na esquerda francesa sobre sua posição política em torno do crescente movimento islâmico, o uso do véu em escolas e por militantes, o árabe como idioma nacional. Parte da esquerda combativa francesa via-se diante do problema de não saber “o que fazer” com o Alcorão. Nesse contexto, o semanário satírico dirigido por Charb marcava uma posição firme, a mesma que tradicionalmente adotara contra instituições conservadoras: a chacota inveterada, atravessando muitas vezes o limite do bom gosto. “Não tenho a impressão de assassinar alguém com nossas caricaturas”, salientava Charb em entrevista.





A sátira ao Islã nas páginas do Charlie Hebdo dava-se a partir de uma leitura progressista, de rejeição ao conservadorismo clerical, diretamente alinhada a posições tradicionais do semanal contra o sionismo, o fascismo, o imperialismo e o capitalismo. Entender o atentado de 7 de janeiro, um dos mais graves já ocorridos na França, apenas como um ataque à liberdade de expressão é uma meia verdade e envolve um grande risco político de interpretação. A liberdade de expressão de Charb, Cabu, Wolinski e a equipe do Charlie Hebdo era um meio para um posicionamento político radicalmente democrático e profundamente progressista, na tradição da extrema-esquerda francesa. O risco de interpretar o atentado como meia verdade é alimentar ainda mais um dos principais oponentes do semanal satírico, o fascismo europeu, e fomentar a polarização entre os extremistas de direita e do Islã. Não indicar os assassinatos de Paris como um atentado à extrema-esquerda – e não contra a liberdade no abstrato da sociedade ocidental – abre espaço para fortalecer aquilo que os jornalistas do Charlie Hebdo mais repudiavam: a extrema-direita. E, como dizia Charb, “a Frente Nacional e o fascismo islâmico são da mesma seara e contra eles não economizamos nossa arte”.

***

João Alexandre Peschanski é sociólogo, coorganizador da coletânea de textos As utopias de Michael Löwy (Boitempo, 2007) e integrante do comitê de redação da revista Margem Esquerda: Ensaios Marxistas. Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às segundas.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

‘Cupincha’ de Aécio, Anastasia é citado na Lava Jato




Do Globo:

Antes fora da lista de políticos citados pela Operação Lava-Jato, o senador eleito Antonio Anastasia, ex-governador de Minas Gerais, foi mencionado em depoimento do policial federal Jayme Alves de Oliveira Filho, o Careca.

Em 18 de novembro do ano passado, Careca contou à Polícia Federal que entregou R$ 1 milhão a Anastasia em 2010, a mando do doleiro Alberto Youssef, pivô do esquema de corrupção que desviou R$ 10 bilhões da Petrobras.

Quem revelou a notícia foi a Folha de S. Paulo, nesta quinta-feira. A Justiça Federal do Paraná está sob posse da citação, que não foi encaminhada à Procuradoria Geral da República porque Anastasia perdeu o foro privilegiado quando pediu demissão do cargo de governador para concorrer ao Senado. Recuperou o foro privilegiado às vésperas do recesso judicial.

Anastasia nega conhecer o policial e o doleiro. E considera o depoimento fora da realidade. Mas Careca garante ter levado o dinheiro a uma casa em Belo Horizonte. Ainda segundo o policial, Youssef tinha dito que o destinatário era o então candidato a governador.

Conforme mostra a Folha de S. Paulo, quando confrontado com uma foto de Anastasia, Careca declarou à Polícia Federal: “A pessoa que aparece na fotografia é muito parecida com a que recebeu a mala enviada por Youssef, contendo dinheiro”.

De acordo com a PF, o funcionário de Youssef era responsável por entregar dinheiro em espécie a pessoas indicadas pelo doleiro. Youssef triangulava as operações investigadas envolvendo funcionários da Petrobras, empreiteiras e políticos.

Careca mencionou ainda, em seus depoimentos, o candidato a presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o deputado Luiz Argôlo (SD-BA), aquele que fez declaração de amor a Youssef, e Tiago Cedraz, filho do presidente do Tribunal de Contas da União, Aroldo Cedraz.

Mais jovem dos suspeitos de atentado ao Charlie Edbo se entrega




O mais jovem dos três suspeitos do atentado desta quarta-feira em Paris contra o jornal Charlie Hebdo, Hamyd Mourad, de 18 anos, entregou-se à polícia, disse às primeiras horas da madrugada desta quinta-feira a agência France Presse, que cita fontes ligadas à investigação.

Os outros dois suspeitos, dois irmãos nascidos em Paris e de nacionalidade francesa, Kouachi Said, de 34 anos, e Sherif Kouachi, de 32 anos, ambos jihadistas já referenciados pelos serviços de contraterrorismo franceses, continuam em fuga. A polícia acredita que Hamyd Mourad terá servido de motorista e ajudado os dois atiradores nos ataques. Segundo a AFP, várias outras pessoas ficaram sob custódia policial à medida em que avança a operação de caça ao homem.

Desde as 23h desta quarta-feira que a polícia francesa tem em curso uma operação antiterrorista de larga escala para deter os suspeitos do ataque mais mortífero dos últimos 50 anos em solo francês. A operação centra-se na cidade de Reims, no Nordeste de França, a cerca de 130 quilómetros da capital, onde vários elementos da unidade de elite da polícia — o Raid — estão estacionados e prontos para deter a qualquer altura os suspeitos do atentado em Paris que dizimou a redação do jornal satírico Charlie Hebdo e fez um total de 12 vítimas mortais.

Um mandado de captura nacional foi emitido nesta quarta-feira pela polícia contra os três homens, indicou a mesma fonte à AFP. Um dos irmãos ainda em fuga tinha já sido condenado em França em 2008 por participar no envio de combatentes para o Iraque.

Salman Rushdie fala sobre o ataque ao jornal Charlie Hebdo




Salman Rushdie, cujo livro “Os Versos Satânicos” provocou intensas manifestações de protestos de muçulmanos em 1989, publicou uma nota sobre o ataque à revista satírica Charlie Hebdo. Sua declaração:

“Religião, uma forma medieval de irracionalidade, quando combinada com armamento moderno torna-se uma real ameaça à nossa liberdade. O totalitarismo religioso causou uma mutação letal no coração do Islã, e hoje vemos as consequências trágicas disso em Paris. Eu estou com a Charlie Hebdo, como todos nós devemos estar, para defender a arte da sátira, que sempre foi uma força para a liberdade e contra a tirania, a desonestidade e a estupidez. ‘Respeito pela religião’ tornou-se um código que significa “medo de religião.” Religiões, como todas as outras ideias, merecem crítica, sátira e, sim, nosso destemido desrespeito.”

Cartunista assassinado fez charge dizendo que atentado na França ocorreria em janeiro




Em uma de suas mais recentes criações, o cartunista e diretor de publicações do Charlie Hebdo, Stéphane Charbonnier, ou Charb, como era mais conhecido, publicou um desenho que o jornal francês Le Monde chamou de premonitório: um alerta sobre o perigo dos ataques terroristas ao país.

Na charge, publicada logo no início deste ano, a chamada em francês diz “A França segue sem sofrer atentados” acima da imagem de um suposto terrorista armado, que ameaça: “Atenção. Esperem até o final de janeiro para comemorar”.

Charb está entre os 12 mortos do ataque terrorista a sede do veículo, no coração de Paris, nesta quarta-feira (7).

A publicação era famosa por fazer duras críticas a religiões, incluindo o Islã. Por causa dessas sátiras, o diretor era escoltado por policiais desde 2011, quando um incêndio criminoso tomou a sede da revista após a publicação de caricaturas de Maomé.

Nascido em 21 de agosto de 1971 em Conflans-Sainte-Honorine, Charb havia mencionado em outra matéria do jornal francês que não tinha medo das represálias por causa de seu trabalho.

“Prefiro morrer de pé do que viver de joelhos”, disse ele em uma dessas ocasiões.

Além das 12 mortes, segundo o boletim divulgado mais recentemente, os terroristas deixaram 20 feridos, quatro deles em estado grave. Os homens estavam armados com um fuzil kalashnikov e um lança-foguete, disseram autoridades francesas.

Testemunhas contaram que, antes de deixarem o local, os homens teriam gritado “Vingamos o profeta!”, segundo o jornal Le Monde. Há ainda três feridos internados em estado grave.

Rocco Contento, porta-voz do sindicato dos policiais local, disse aos jornalistas que três suspeitos fugiram em um carro dirigido por um quarto homem. O veículo seguiu no sentido de Port de Pantin, onde o grupo teria roubado outro carro e fugido, de acordo com o jornal inglês The Guardian.

Do IG

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