Pesquisa
mostra que alunos de maior nível socioeconômico têm acesso a ensino de melhor
qualidade em comparação ao noturno, frequentado geralmente pelos mais pobres.
Marsílea Gombata
3 de março de 2016
Uma educação
de melhor qualidade sem políticas públicas que busquem corrigir falhas
estruturais pode gerar um efeito perverso no Brasil: perpetuar as desigualdades
entre ricos e pobres. De acordo com resultados preliminares da pesquisa Ensino Médio, Qualidade e Equidade: Avanços e Desafios em
Quatro Estados: CE, GO PE e SP, do Cenpec (Centro de Pesquisas e
Estudos em Educação, Cultura e Ação Comunitária), divulgados na quarta-feira 2,
a Educação Integral no Brasil tem qualidade superior àquela realizada em apenas
um turno, mas acaba englobando os alunos de melhor nível socioeconômico.
Esses jovens
acabam, segundo o estudo, tendo acesso a melhores oportunidades de educação e
trabalho, o que perpetuaria o ciclo de desigualdade que os acompanha desde a
juventude.
A pesquisa,
que descreve e analisa políticas ligadas ao Ensino Médio em quatro estados
brasileiros – Ceará, Goiás, Pernambuco e São Paulo – buscou avaliar como essas
medidas respondem às demandas da população mais pobres, ao considerar escolas
em regiões mais vulneráveis das cidades e também em municípios com alto índice
de ruralidade.
Os quatro
estados foram escolhidos segundo critérios como: ampliação da matrícula em
tempo integral, monitoramento dos processos pedagógicos, investimento em
reformas curriculares, na formação continuada dos docentes e em políticas de
responsabilização.
Sobre a
diversificação da oferta e a origem social do aluno, a pesquisa do Cenpec
mostra que alunos com nível socioeconômico tendem a se matricular em turnos
integrais e diurnos, enquanto os mais pobres buscam os turnos diurnos e
noturnos.
“Notamos que
não são propriamente escolhas, mas sim escolhas forçadas. Esses jovens tendem a
escolher segundo certas expectativas formadas a partir de suas condições de
vida, e não por aquilo que é melhor ou está de acordo com suas aptidões”,
observou Antônio Augusto Gomes Batista, coordenador de pesquisa do Cenpec. “É
um processo motivado por aquilo que vemos acontecer com quem está perto de nós,
com o que pensamos que é para nós. É uma escolha constrangida pelas condições
sociais dos alunos.”
Segundo o pesquisador,
as regiões de maior vulnerabilidade social precisam de políticas focalizadas,
com escolas integrais, uma vez que os mais pobres não estão matriculados em
período integral.
No entanto, é
justamente nessas áreas onde existe um quebra-cabeça nada simples de se
resolver: é em bairros e regiões de vulnerabilidade onde vivem jovens de
família de baixa renda que muitas vezes não têm alternativa senão frequentar o
turno oposto ao da sua jornada de trabalho – em geral, o noturno.
Batista
afirmou, entretanto, que muitos dos jovens que trabalham e estudam o fazem em
uma carga horária menor que as habituais 40 horas semanais, o que aumenta a
possibilidade de conciliar trabalho em tempo integral e estudo. Além disso, o
grande desafio dessas políticas focalizadas é dar condições para esses jovens
frequentarem a escoa sem ter de trabalhar. “É importante que eles tenham
condições de fazer essa escolha. No caso de Goiás, o mérito dá acesso a uma
bolsa mensal, por exemplo”, disse.
A escola criar
condições socioeconômicas diferentes seria um dos objetivos desse tipo
focalizado de política pública. “Há muitos anos apoiamos a Educação Integral. A
gente acredita que faz muita diferença, especialmente para crianças e jovens em
área de vulnerabilidade social”, lembrou Maria Alice Setúbal, presidente do
conselho do Cenpec.
Além de
apontar falhas para melhorar alguns temas como formação profissional – no
qual se constata que o percentual de professores com mestrado e doutorado é
maior em escolas com turmas de tempo integral –, a expectativa da pesquisa é
contribuir para o debate em torno da Base Nacional Curricular Comum.
Nele,
discute-se se a questão da diversificação no Ensino Médio, ou seja, oferecer
aos jovens modelos e opções de escolas e cursos diferenciados, que correspondem
a capacidades, interesses e talentos. Batista defende que a diversificação
da matrícula no Ensino Médio deve ser posta em prática com cautela, uma vez que
tem relação com a origem social dos alunos e pode implicar em uma distribuição
de oportunidades e atividades educativas desigual, desfavorecendo a promoção de
uma educação em prol da equidade.